sexta-feira, 14 de novembro de 2025

MORTE DIGNA. Selvino Antonio Malfatti

 

                                        Morte de Sócrates - envenenamento.


“Sócrates pede para que seus amigos lhe fechem os olhos e a boca após morrer e encarrega o amigo Críton de pagar uma dívida a Asclépio, o deus da medicina, com a oferenda de um galo. Quando o veneno já está subindo e seu corpo começa a esfriar... Sócrates estremece por um momento, e então, seu corpo e sua alma se separam em definitivo.”

Coma aprovação da eutanásia, morte assistida, pelo senado do Uruguai, reacende-se o debate  do fim da vida. Pode ocorrer de muitas formas entre elas a natural, doença, provocada violentamente ou assistida.  Todos querem viver e o mais tempo possível, mas bem. Em que momento não se quer mais viver? Quando o viver é mais doloroso que o não viver. Em que tempo  se deseja a morte? Principalmente quando a dor ou o sofrimento físico ou psicológico for tão intenso que não se quer a vida. A saída é o suicídio.  Este solo ou assistido.

É legítimo tirar-se a vida? Está-se diante do princípio da liberdade e com ele a autonomia. A pergunta: até onde vai a liberdade sobre mim mesmo ou até que ponto se tem autonomia para decidir sobre a própria vida?

A liberdade, em sentido amplo, é a capacidade de agir segundo a própria vontade e autonomia é a capacidade de dar a si mesmo a lei — isto é, ser autor das próprias ações segundo princípios racionais. Até que ponto se é dono de si mesmo, até onde vai esse domínio? Alguém transpassado pela dor é autônomo? Pode exercer a liberdade?  Alguém extremamente ameaçado pode exercer a liberdade? Neste terreno há mais perguntas que respostas. Além disso, pode-se dispor da minha existência da mesma forma que disponho de meus bens ou das minhas ações? Lembro que estava hospitalizado e sob efeitos de drogas, mais especificamente morfina. Os enfermeiros me levaram para uma sala fora de meu quarto e perguntaram se aceitava realizar um determinado procedimento, supra necessário. E eu, imaginando que fosse para me prejudicar, disse que não. Pergunto: era livre para tal decisão?

A existência da pessoa é a primeira condição de qualquer outro atributo. Se não há alguém nada se pode atribuir-lhe.  A liberdade e a autonomia sempre pressupõem alguém. Então, primeiro deve existir a pessoa, senão não há atributo. Estabelecida a pessoa a ela se atribui a liberdade e autonomia de decidir. È ilimitado este poder? Pode-se decidir sobre tudo o que se quer e não quer? Começa-se sobre as demais pessoas. Se as outras também são livres há necessidade de estabelecer a liberdade de cada um. Logo, a liberdade não é infinita, pois há outra liberdade igual que se coloca como limite.

Estabelecido que as liberdades pessoais em relação aos demais têm limite se pergunta se pode haver liberdade ilimitada em relação a si mesma, isto é, a pessoa tem liberdade ou autonomia para tirar a própria vida?

Para melhor entender examina-se separadamente a liberdade como atributo natural e racional. Para a primeira recorre-se aos animais. Há casos ou evidências de que animais tirem a própria vida intencionalmente? Boa parte dos pesquisadores entende que os animais não cometem suicídio intencionalmente, como os cientistas Antonio Preti e David Eilam concluem.  Entendem que os sinais de possíveis amostras de suicídio são antropomorfização. O comportamento comum entre os animais é de preservação da vida.

Quanto à racionalidade do suicídio? Entende-se alguém que em sã consciência decide por fim sua vida. Há racionalidade quando deliberadamente opta pelo suicídio, isto é, faz uso de seu livre arbítrio para terminar com a vida. Alguns dos fatores invocados pelos suicidas: dor contínua insuportável sem esperança de alívio, desespero perante a perspectiva do futuro sem solução, culpa extrema sem esperança de perdão e outros. Não se fala em doença mental, pois neste caso a racionalidade fica comprometida. A pergunta: é racional tolher-se a vida em pleno uso da capacidade mental? Para se concluir se deve pensar numa pessoa normal sem influência externa determinante, como doença, desespero, depressão, sem futuro. Neste caso, o lógico racional é pela preservação da vida. Tolhe-se somente quando há uma influência externa à consciência.  Logo, o suicídio racionalmente é um ato irracional e eticamente injustificável.

E quando intervierem influências externas, como sofrimento insuportável, desespero, sem futuro? Justifica-se, então o suicídio? Nestes casos o livre arbítrio está comprometido e se torna necessária a intervenção de um terceiro que decida por ele.  Justifica-se pela ética?

Quando um ser humano, por alguma razão, não puder exercer o livre arbítrio deixa outro decidir por ele está agindo por assistência.  É plenamente racional esta atitude, Como deverá agir de modo ético seu assistente para que a vontade de seu assistido seja cumprida?

A ética envolve a felicidade, por isso seu assistente deve mirar a felicidade de seu assistido.  Quando, no caso da morte assistida, se cumpre o desejo do assistido? Se, dentre todas as opções só resta a morte, como deve ser o procedimento? Matar é irracional. Suicídio? Também é irracional. Entregar ao curso natural, isto é, recusa de tratamento. Neste caso o sujeito tem assistência, mas não provoca a morte.  Não é irracional e nem antiético.

 


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