sexta-feira, 9 de outubro de 2015

A ética teológica e o mundo contemporâneo. José Mauricio de Carvalho - Professor do IPTAN




Introdução à ética teológica de Inês Millen, Ronaldo Zacarias e José A. Trasferetti representa o esforço inovador dos autores para tratar os problemas da moral teológica. Constituído de abordagens independentes têm seu nexo num paradigma distinto da casuística.
E qual a novidade dessa perspectiva? O capítulo inicial trata, como referência do novo paradigma, a autonomia da vontade, afirmação semelhante à que faz Karl Jaspers no capítulo X da Introdução ao pensamento filosófico (9. ed., São Paulo: Cultrix). Naquele livro, ainda que se limitando ao decálogo mosaico, o filósofo alemão afirmou que os ensinamentos bíblicos (1993): "falam à conveniência, através da razão. Levantando-se por sobre a paixão, a violência, o instinto, o capricho. Dando-lhes obediência, o homem concretiza sua liberdade existencial" (p. 108). Jaspers destaca que a autonomia da vontade é aspecto fundamental na limitação do instinto, acompanhando o que ensinara Emmanuel Kant na Métaphysique des moeurs (In. Ouvres Philosophiques, v. II, Paris, Gallimard). Naquela obra escreveu Kant (1985):  "L´autonomie de la volunté est cette proprieté qu'a la volunté d´être à elle même sa loi (independamment de toute proprieté des objects du vouloir)" (p. 308). Isso significa que, para Kant, as máximas escolhidas o deviam ser por imposição da vontade do sujeito e não vir de fora, como diz Inês Millen no capítulo inicial. Outro aspecto que ela destaca é a fonte deste novo paradigma nos documentos do Concílio Vaticano II, vinculando-o às renovações promovidas pelo Concílio.
No capítulo seguinte, ao tratar da libertação que Cristo trouxe ao homem, a mesma teóloga associa liberdade e dignidade, considerando-as pontos inflexíveis da moral contemporânea. Há desdobramentos desses elementos, como explicamos em Ética (São João del-Rei: UFSJ, 2010): "a dignidade da pessoa humana, o amor como ideal de vida, a vida pessoal como um que fazer em liberdade, a construção da liberdade política e do estado de direito" (p. 160).
No outro capítulo, ao considerar a opção fundamental que preside a vida do homem, José A. Trasferetti trata de assunto caro a filosofia orteguiana e existencialista. Apresenta a opção fundamental, que o filósofo espanhol ensinou ser a fidelidade ao núcleo mais íntimo de si mesmo, como escolha que desemboca em Deus. 
O capítulo seguinte, que considera a consciência, trabalha a noção de subjetividade moderna e seus elementos marcantes, a consciência de si, do mundo e seu caráter intersubjetivo. Dito de outro modo, contempla os diversos aspectos "da subjetividade como reflexão sobre o eu mesmo" (CARVALHO, José Mauricio de. Subjetividade corporalidade na Filosofia e na Psicologia. São Paulo: Filoczar, 2014, p. 160). Quando o autor examina a consciência de si não explicita a distinção entre consciência psicológica e corporal, mas as distingue bem da consciência moral e explica o sentido preciso de uma ética teológica para o estudo da subjetividade. Ele coloca na consciência o selo essencial da presença de Deus no homem. O capítulo de Traferetti sobre o projeto de vida incorpora os aspectos fundamentais do que o raciovitalismo orteguiano ou existencialista indicam como aspectos fundamentais da existência humana, historicidade, situação, circunstância, direção existencial como um teólogo moralista enxerga o problema, isto é, com a questão do sentido vivida na direção para Deus, em tensão permanente com as exigências do quotidiano.
O capítulo de Ronaldo Zacarias sobre valores e normas morais é um texto de Axiologia. Sua abordagem se aproxima de Max Scheler (cf. o capítulo sobre Max Scheler em Problemas e teorias de ética contemporânea. Porto Alegre: Edipucrs, 2004), trazendo a axiologia para o diálogo com a teologia moral que não era a pretensão do filósofo alemão. Também é notável sua aproximação das reflexões de Miguel Reale sobre Axiologia.
O capítulo sétimo considera a importância de ter um sentido ético como guia para a vida. Por outro lado, ao preconizar a positivação em leis de ideais corre o risco promover o idealismo jurídico com todos os males que dele deriva, como se explica em Caminhos da moral moderna. (Belo Horizonte: Itatiaia, 1995). As razões o próprio autor percebe, a busca de realizar ideais é sempre feita em meio a contradições e nunca se efetiva de modo pleno.
O penúltimo capítulo há uma novidade interessante, a leitura do pecado na vida considerada como projeto e foi tratado como fruto da irreflexão contemporânea. Esse mal foi tema de outros filósofos além de Hannah Arendt. Eles atribuíram os males contemporâneos à incultura, como  fez, por exemplo, Ortega y Gasset ao considerar nosso tempo como a era das massas incultas. O capítulo final aborda a dificílima missão da Igreja de interpretar a vontade de Deus e examina os cuidados que é preciso ter quando se trata dos assuntos de moralidade. O pano de fundo é sempre entender o que desejaria o Senhor Jesus se estivesse aqui e agora, em sua existência terrena.
O livro enfim é esforço de três teólogos moralistas para tratar de assuntos contemporâneos e importantes para a vida da Igreja em nossos dias.


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