sexta-feira, 2 de setembro de 2022

O PLURALISMO COMO FORÇA MORAL DO OCIDENTE. Selvino Antonio Malfatti

 



 



Sociólogos, e estudiosos da Política, parecem convergir para uma congênita associação entre: religião, política e partidos. Este processo tem início em meados da Idade Média e início da Moderna. É visto como a secularização dos pilares da religião. A religião não é mais vista como pilar do controle social, função esta preenchida pelo direito. Aquele controle social exercido pela religião a partir de uma crença interna foi substituído pela força do Estado. O controle social foi substituído pela eficácia da força.

A religião, porém, deixou um componente na nova ordem: o pluralismo. Este perpassa as instituições jurídicas provendo-as do princípio do que pode e do que não pode. O direito, cuja maior parte é originária da religião, deu origem ao princípio do pluralismo. Tudo aquilo que não proíbe, é permitido. Este é o espaço do pluralismo, legado religioso cristão.

O inverso, em vez do pluralismo, teríamos o totalitarismo, pois só seria  permitido o que fosse legal.

Alguns aspectos significativos do pluralismo:

1.    Religião. O cristianismo já nasceu plural. A Judeia dos primeiros tempos possuía inúmeras crenças religiosas no seu seio. Pode-se destacar : saduceus, fariseus, essênios, zelotes e seguidores de Herodes. Cada uma também formava partido.

2.    Economia. Eram inúmeras as atividades econômicas no tempo de Jesus. As mais significativas eram agricultura, comércio e artesanato.

3.    Moral. Cada religião tinha sua própria moral. Da parte do Mestre não se conhecem condenações desta ou daquela moral religiosa.

Embora outras religiões tenham a mesma origem que o cristianismo, no entanto, foi no ocidente que encontrou terra fértil para o pluralismo. Em outros lugares ou só em parte ou não se desenvolveu. Vejamos alguns exemplos atuais de ausência de pluralismo. O caso fatwa (pronunciamento oficial emitido por autoridade específica) que levou ao atentado Salman Rushdie. Mesmo nos dias atuais o patriarca da Igreja Ortodoxa, Kirill, disse em letras bem claras: “o ataque à Ucrânia é justificável em termos de uma "guerra santa" contra os incrédulos ocidentais.”

É preocupante o íncubo dos populismos que se abrigam nos grupos de cristãos radicais do ocidente que levam ao totalitarismo. Estes se opõem ao modelo de sociedade individualista e ateia. Há uma teimosia e uma resistência em abandonar as bases do cristianismo. O maior problema é que resiste abandonar componentes de uma sociedade semirreligiosa e semileiga. Os grupos radicais aproveitam-se ou para voltar às bases irracionais religiosas pretendendo destruí-las de forma humilhante. Todos puderam ver no período do Carnaval um Cristo arrastado pelas ruas do Sambódromo do Anhembi, em São Paulo, desrespeitado e açoitado sem piedade. Ou Maria, Nossa Senhora, humilhada naquilo que constitui o pudor íntimo da mulher.

Ser laico é manter-se equidistante tanto do conteúdo religioso como do não religioso, mas nunca referir-se a ele com desprezo.

Parece que a mentalidade, o comportamento laico, não consegue se desprender do conteúdo religioso. Por que esta insistência em relacionar-se ao religioso. A sociedade já conseguiu através do direito poder manter-se longe dos temas religiosos e, no entanto, insiste em buscá-los quando se depara com questões aparentemente inexplicáveis como o faz o filósofo esloveno Slavoj Zizek. Sugere que o desaparecimento da luta de classes chamou de volta a questão religiosa. Com efeito, quando um determinado autor não consegue encontrar uma resposta apela para a religião, não como explicação, mas como acusatória. E nisso está o paradoxo. A religião que deveria ser o terreno neutro da concórdia tornou-se a fogueira inquisitorial.

Nos dias atuais, quando tudo parecia pacificado – religião longe da vida social- os conteúdos sociais com caráter racional e a moral consensual embasando os comportamentos, surge no início do século XX o filósofo alemão Walter Benjamin colocando novamente as cartas na mesa dos conteúdos religiosos vestidos de outras roupagens. Benjamin afirma nada mais e nada menos de que, o capitalismo é a nova religião que nos salva: pessoalmente proporcionando um bem-estar e coletivamente o crescimento. Seu culto é puro, sem dogmas e de interesse imediato. E o pendão que atrai e conduz a sociedade – mesmo só como ideologia – é novamente o pluralismo. Mantendo-se como conteúdo condutor o pluralismo é a tocha que reune a todos irmanados, os que concordam e os que discordam, pois para discordar devem professar a pluralismo.

 

 


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