sexta-feira, 3 de maio de 2019

Sete pequenas lições de Filosofia para tempos sombrios. José Mauricio de Carvalho - Academia de Letras de São João del-Rei



1ª. A Filosofia é guardiã da razão e como tal não se desprega da verdade que se observa nos fatos e nem da boa lógica de pensar. Dispensar de ensiná-la porque se vai gastar esse dinheiro com outras formações, com retorno financeiro imediato, é esconder que hoje no país pessoas com todas as formações estão entre as desempregadas, boa parte delas sequer pagam o FIES (índice do próprio governo) e não têm condição de levar para casa o seu sustento e nem de pagar imposto. Não é o dinheiro gasto nos poucos e baratos cursos de Filosofia que mudará esse cenário. Os profissionais que trabalham com a Filosofia e estão empregados, pagam, como todos os trabalhadores seus impostos. E também levam honestamente o sustento para suas famílias.
2ª. Reconhecida como guardiã da razão, a Filosofia é solidária da boa prática de pensar. Então é inadequado dizer que se vai ensinar alguém a escrever bem, na própria ou em outra língua, se não se ensinar a esse estudante, ao mesmo tempo, a pensar e a desenvolver bons argumentos. Por isso, o médico e filósofo Karl Jaspers lembrou que a Filosofia “é um ato de concentração pelo qual o homem se torna autenticamente no que é e participa da realidade”. E essa é também a razão pela qual a Unesco considera a Filosofia essencial na formação dos jovens.
3º. A boa prática de pensar implica não só no compromisso com a verdade, mas também na liberdade e capacidade crítica para pensar, negá-la aos estudantes é negar a mais essencial de todas as liberdades. Não faz sentido falar em liberdade de ir e vir, liberdade de empreender, liberdade de organização política, se não se ensina a primeira e a mais radical, a liberdade de pensar. E para ser livre e pensar criticamente é preciso estudo sistemático e planejado. Por isso, a tradição liberal nunca abriu mão do pensamento livre. Olhando a História se vê que apenas os tiranos, os ignorantes e os fanáticos temeram a Filosofia e o livre pensamento. Os bons governantes como Marco Aurélio, bem-sucedido e culto; dedicou-se à Filosofia. Não é necessário ser filósofo para ser político, mas os melhores escutam os filósofos e fazem questão de tê-los em sua companhia. 
4ª. A Filosofia não tem, como as ciências modernas, a tarefa de ensinar uma atividade prática imediata, mesmo essas ciências têm fundamento teórico que não prático e nem imediato. Contudo, a Filosofia ensina a mais essencial de todas as artes, a de viver, ensina que vida é procurar um sentido para ela mesma e para o mundo, sem os quais viver é triste, leva à depressão e outras doenças, como ensinou o médico e filósofo Viktor Frankl. Significado para a vida que se renova pela História e exige constante revisão e análise. Atualmente não se faz Filosofia sem considerar os resultados da Ciência.  Ao lado das Artes e das Religiões, a Filosofia ensina que sobreviver sem o belo, o bom e o justo não vale a pena. E mais, Religião que não respeita a boa prática da razão crítica se torna fanatismo, ignorância e leva a muitos males como temos visto no fanatismo religioso vestido de terrorismo espalhado pelo mundo. O físico Einstein, o mais brilhante dos cientistas no século passado, nunca abriu mão de suas crenças religiosas e nem de pensar filosoficamente. Miguel Reale, nosso maior jurista nunca deixou de cultivar a Filosofia, fato que o projetou internacionalmente. Por sua vez, experiência estética sem pensamento não se firma, as escolas de arte e literatura acompanham os movimentos da Razão pela História da Cultura. Leonardo da Vinci e seus contemporâneos da Renascença ensinaram que a ciência não pode se despregar das humanidades ou se empobrece.
5ª. Embora em Filosofia gente que nunca a estudou se considere em condições de opinar, porque ninguém está impedido de pensar, mesmo aqueles que não o fazem corretamente e contam apenas com opiniões mal fundamentadas, o bom uso da razão e os bons argumentos acabam, em algum momento, sendo reconhecido. É o que ensina uma tradição de 2600 anos iniciada na antiga Grécia. Portanto, quando os tiranos, fanáticos e ignorantes perseguem a Filosofia e/ou matam os filósofos, a Filosofia ressurge das cinzas. Isso ocorreu depois da morte de Sócrates, de Sêneca e de Giordano Bruno. Durante a história é mais longa a lista de filósofos perseguidos, dizia Voltaire no século XVIII. Homens como Baruch Spinoza, perseguido pela religião e Karl Jaspers, perseguido pela política nazista são mais comuns que filósofos reconhecidos.
6ª. A ilusão de que a simples prática da ciência produz progresso econômico e social, desvinculado das humanidades e, em especial da Filosofia, foi o erro da reforma e da geração formada no espírito do iluminismo pombalino. O empirismo mal justificado foi uma das razões importantes pelas quais o Brasil ficou com dificuldade e se apropriar dos valores modernos. Essas limitações do pombalismo, repetidas no positivismo mostram um pensamento que sob a capa de democrata e honesto, reflete as insinceridades e fake news. É esse positivismo mal ajeitado que está na raiz de nossa escola, instituição pouco dedicada a formação cidadã e a consciência social com tão mal resultados, mesmo no muito estudado campo das ciências.
7º. As disciplinas filosóficas estão nas bordas das ciências, ajudando-as a caminhar e a se desenvolver. Exemplos são a meditação ética entorno às pesquisas na área da saúde e no direito, da lógica nas engenharias, da metafísica nas discussões sobre a realidade, da História da Filosofia e Filosofia da História ao lado da História.
Nota: sombrios são os tempos de massas ignorantes onde prevalece a irracionalidade e a violência.


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