quinta-feira, 31 de dezembro de 2020

Ano Novo. José Mauricio de Carvalho - pós-doutorando no NUPES/UFJF

 


                                           
                                            Jano

A contagem do tempo em anos é a forma humana de melhor identificar o que passou e colocar os fatos na ordem em que ocorreram. É mais simples localizar e ordenar os acontecimentos dessa maneira, situando-os nos séculos e lugares do mundo. Contudo, a celebração de cada novo ano no calendário solar mostra que vivemos no tempo com os olhos e a esperança no futuro. Já houve época em que a esperança era alimentada por ilusões. Hoje estamos mais maduros, não podemos nos iludir de que esperança se separe do compromisso de fazer boas escolhas e realizar com qualidade nossos trabalhos. Quando avaliamos que a vida é produto das escolhas, temos que assumir com responsabilidade a criação do futuro. O que vem não é mera continuidade ou repetição do passado.

Se a vida é um que fazer contínuo, isto é, proceder escolhas todo tempo em meio à insegurança desse processo, então viver é olhar o horizonte. Olhar o futuro a partir de qual ponto? Do presente pessoal e do da sociedade. Escolhe-se, especialmente, pelo que se projeta além desse presente, pelo que dá sentido a ele, pelo que lhe enche de esperança. Entretanto, se o futuro não é continuação do já vivido, não se pode sonhá-lo sem considerar nossa história, sem o impacto e a incorporação do passado.

O ano novo virá para nós com novas realizações, novas pessoas, novas tecnologias, novos conhecimentos, novas criações, novas crenças, enfim, muitas coisas novas. Mas esse mundo antevisto nos sonhos de esperança não é produto do acaso, ele é criação do homem iluminado por um projeto. E que mundo é esse a surgir na esperança de hoje? É um mundo capaz de vencer a violência das cidades, de assegurar dignidade a crescente número de pessoas, de superar guerras e revoluções como solução para as diferenças políticas. Violência que cresce quando queremos uma vida mais rápida do que ela pode ser experimentada, quando aspiramos mais coisas do que somos capazes de adquirir e o mundo de fornecer, quando perdemos o afeto nas relações e o sentido da dignidade no trato com as pessoas. O presente vivido na pressa, dirigida para o consumo ansioso e sem obrigação da excelência numa vida autenticamente nossa, é tempo de violência, de corrupção, de drogas, de insatisfação e de gozo irresponsável.

Não quero apenas desejar um feliz ano novo, é necessário pedir que todos o construam mais próximo de nossa esperança, realizando responsavelmente seu trabalho, vivendo relações pessoais mais iluminadas pela amizade e benevolência, descobrindo o significado particular e o sentido da própria vida.

E se reconheço que a vida que me anima é semelhante, mas não igual a dos animais que diariamente estão à minha volta, se essa diferença dos outros seres vivos nasce da fé e esperança em Deus, não importa o nome de Deus ou a forma como Ele seja cultuado, então a obrigação de renovar o mundo, aquele compromisso mencionado no parágrafo anterior, ganha uma outra justificativa. Nessa fé nasce um pacto não só com a humanidade presente em cada homem, mas com Deus que espera nossa colaboração para fazer o sol nascer, todos os dias, sobre um mundo melhor. Então toda história da humanidade, que não está além dos fenômenos experimentados, torna-se transfigurada e iluminada pela esperança capaz de vencer a insegurança, a ruína, a angústia e a morte.

Façamos um 2014 feliz, pois não se justifica a esperança que não nasce do reconhecimento da dignidade humana e da responsabilidade pessoal pela construção de um futuro melhor. Pois esperança não é otimismo ou ingenuidade, esperança é responsabilidade, é esforço consciente para mudar o futuro, dedicação ao que nos distingue dos outros entes.


quinta-feira, 24 de dezembro de 2020

JESUS. O CRISTO. São João, 1.

  







 

1.No princípio era o Verbo, e o Verbo estava junto de Deus e o Verbo era Deus.

2.Ele estava no princípio junto de Deus.

3.Tudo foi feito por ele, e sem ele nada foi feito.

4.Nele havia vida, e a vida era a luz dos homens.

5.A luz resplandece nas trevas, e as trevas não a compreenderam.

6.Houve um homem, enviado por Deus, que se chamava João.

7.Este veio como testemunha, para dar testemunho da luz, a fim de que todos cressem por meio dele.

8.Não era ele a luz, mas veio para dar testemunho da luz.

9.O Verbo era a verdadeira luz que, vindo ao mundo, ilumina todo homem.

10.Estava no mundo e o mundo foi feito por ele, e o mundo não o reconheceu.

11.Veio para o que era seu, mas os seus não o receberam.

12.Mas a todos aqueles que o receberam, aos que creem no seu nome, deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus,

13.os quais não nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas sim de Deus.

 14.E o Verbo se fez carne e habitou entre nós, e vimos sua glória, a glória que o Filho único recebe do seu Pai, cheio de graça e de verdade.

Ἐν ἀρχῇ ἦν  λόγοςκαὶ  λόγος ἦν πρὸς τὸν θεόνκαὶ θεὸς ἦν  λόγος2 οὗτος ἦν ἐν ἀρχῇ πρὸς τὸν θεόνπάντα δι’ αὐτοῦ ἐγένετοκαὶ χωρὶς αὐτοῦ ἐγένετο οὐδὲ ἓν  γέγονεν 4 ἐν αὐτῷ ζωὴ ἦνκαὶ  ζωὴ ἦν τὸ φῶς τῶν ἀνθρώπων· 5 καὶ τὸ φῶς ἐν τῇ σκοτίᾳ φαίνει καὶ  σκοτία αὐτὸ οὐ κατέλαβενἘγένετο ἄνθρωπος ἀπεσταλμένος παρὰ θεοῦ ὄνομα αὐτῷ Ἰωάννης· 7 οὗτος ἦλθεν εἰς μαρτυρίαν ἵνα μαρτυρήσῃ περὶ τοῦ φωτόςἵνα πάντες πιστεύσωσιν δι’ αὐτοῦ8 οὐκ ἦν ἐκεῖνος τὸ φῶς ἀλλ’ ἵνα μαρτυρήσῃ περὶ τοῦ φωτός9 Ἦν τὸ φῶς τὸ ἀληθινόν φωτίζει πάντα ἄνθρωπονἐρχόμενον εἰς τὸν κόσμον10 ἐν τῷ κόσμῳ ἦν καὶ  κόσμος δι’ αὐτοῦ ἐγένετο καὶ  κόσμος αὐτὸν οὐκ ἔγνω11 εἰς τὰ ἴδια ἦλθεν καὶ οἱ ἴδιοι αὐτὸν οὐ παρέλαβον12 ὅσοι δὲ ἔλαβον αὐτὸνἔδωκεν αὐτοῖς ἐξουσίαν τέκνα θεοὺ γενέσθαιτοῖς πιστεύουσιν εἰς τὸ ὄνομα αυτοῦ13 οἳ οὐκ ἐξ αἱμάτων οὐδὲ ἐκ θελήματος σαρκὸς οὐδὲ ἐκ θελήματος ἀνδρὸς ἀλλ’ ἐκ θεοῦ ἐγεννήθησαν14 Καὶ  λόγος σὰρξ ἐγένετο καὶ ἐσκήνωσεν ἐν ἡμῖνκαὶ ἐθεασάμεθα τὴν δόξαν αὐτοῦδόξαν ὡς μονογενοῦς παρὰ πατρόςπλήρης χάριτος καὶ ἀληθείας.


"In principio erat Verbum et Verbum erat apud Deum et Deus erat Verbum 2.Ele estava no princípio junto de Deus. 2.hoc erat in principio apud Deum 3.Tudo foi feito por ele, e sem ele nada foi feito.* 3.omnia per ipsum facta sunt et sine ipso factum est nihil quod factum est 4.Nele havia vida, e a vida era a luz dos homens. 4.in ipso vita erat et vita erat lux hominum 5.A luz resplandece nas trevas, e as trevas não a compreenderam.* 5.et lux in tenebris lucet et tenebræ eam non conprehenderunt 6.Houve um homem, enviado por Deus, que se chamava João. 6.fuit homo missus a Deo cui nomen erat Johannes 7.Este veio como testemunha, para dar testemunho da luz, a fim de que todos cressem por meio dele. 7.hic venit in testimonium ut testimonium perhiberet de lumine ut omnes crederent per illum 8.Não era ele a luz, mas veio para dar testemunho da luz. 8.non erat ille lux sed ut testimonium perhiberet de lumine 9.[O Verbo] era a verdadeira luz que, vindo ao mundo, ilumina todo homem.* 9.erat lux vera quæ inluminat omnem hominem venientem in mundum 10.Estava no mundo e o mundo foi feito por ele, e o mundo não o reconheceu. 10.in mundo erat et mundus per ipsum factus est et mundus eum non cognovit 11.Veio para o que era seu, mas os seus não o receberam. 11.in propria venit et sui eum non receperunt 12.Mas a todos aqueles que o receberam, aos que creem no seu nome, deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus, 12.quotquot autem receperunt eum dedit eis potestatem filios Dei fieri his qui credunt in nomine ejus 13.os quais não nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas sim de Deus.* 13.qui non ex sanguinibus neque ex voluntate carnis neque ex voluntate viri sed ex Deo nati sunt 14.E o Verbo se fez carne e habitou entre nós, e vimos sua glória, a glória que o Filho único recebe do seu Pai, cheio de graça e de verdade. 14.et Verbum caro factum est et habitavit in nobis et vidimus gloriam ejus gloriam quasi unigeniti a Patre plenum gratiæ et veritatis"
São João, 1 - Bíblia Católica Online





sexta-feira, 18 de dezembro de 2020

Ortega y Gasset e os desafios de viver . José Mauricio de Carvalho-pós-doutorando no NUPES/UFJF

 

 



José Ortega y Gasset, nasceu em Madrid, em 9 de maio de 1883 e morreu na mesma cidade em 18 de outubro de 1955. Foi ensaísta, jornalista, político e, também, professor da Universidade de Madrid. Ele é considerado o principal filósofo espanhol do século XX, fundador da chamada Escola de Madrid. Esse pensador tem muito a dizer ao nosso tempo, por que anteviu muitos problemas que estão acontecendo hoje.

Vivemos dias que valorizam a liberdade, mas a abordam com dificuldade. Para entendê-la como realidade humana é necessário pensá-la como tal. Os filósofos do século passado procuraram explicar o que era a tão desejada liberdade. Para levar adiante tal projeto tiveram que considerar a crise pela qual passava a sociedade ocidental e a perplexidade com os rumos tomados pelos acontecimentos.

A meditação filosófica, junto à liberdade, tratou de outras questões. O homem foi descrito livre, mas com uma liberdade ameaçada pelo mundo e até por Deus. Por isto Martin Heidegger diz que ele nasceu sem uma razão, sem destino. Jean Paul Sartre completou a assertiva afirmando que o homem está mergulhado no absurdo. Em meio a estas expressões de angústia, solidão e ameaça, conexas à liberdade, surgiram também explicações menos dramáticas e mais confiantes no futuro do homem. De todo modo a vida humana, como um que fazer foi percebida mesmo como drama em meio à liberdade.

Ortega tratou primeiro de explicar a vida como drama, descrevê-la como risco de se perder em meio às escolhas livres, mas num segundo momento considerou que esse homem que, muitas vezes, não sabe o que fazer, vive numa sociedade massas. Essa condição agrava o seu compromisso de fidelidade a si mesma. A menção ao homem-massa aparece em vários textos de Ortega e resumia o modo humano de viver a liberdade sem responsabilidade. O homem-massa, dizia Ortega, é aquele que não aproxima a liberdade da responsabilidade com as escolhas. Além disso, encontra-se satisfeito com o que encontrou no mundo, não se empenha em mudá-lo para melhor; comporta-se como criança mimada, não entende as dificuldades e riscos do viver e torna-se um especialista ignorante, sabe cada vez mais sobre cada vez menos, desligando-se da complexidade da vida. É esse homem-massa o responsável pelos muitos problemas da sociedade de seu tempo.

 

A vida, realidade fundamental

Na primeira fase de seu pensamento, Ortega escolheu a vida como tema e se perguntou: o que é uma vida autenticamente humana? Como a pensamos à luz de uma razão vital? Ortega explica: “Nossa vida, pois nos é dada – não a demos a nós mesmos -, mas não nos é dada feita. Não é uma coisa cujo ser está fixado de uma vez para sempre, senão que é uma tarefa, algo a ser feito, em suma, um drama. Daí que de pronto, tenha o homem que fazer ideias sobre sua circunstância e interpretá-la para poder decidir todo o demais que tem que fazer”. ( p. 123-124).

Eis o que isto significa: “Ela é única, isto é, não se repete, acontece numa circunstância determinada que não escolhemos, mas que nos pode aniquilar, o que lhe confere um conteúdo dramático; é partilhada com outros homens, o que faz da intersubjetividade uma questão importante; o homem não é primariamente racional, o que significa que pensamos para viver; herdamos muito do que se passou o que significa que o homem é histórico. Aprofundemos as implicações epistemológicas da razão vital” (p. 63).

A vida demanda enorme esforço. Os conceitos anteriores de ser proclamavam que ser é o que não necessita de nenhum outro, basta a se mesmo para fazer o essencial. Em Que é Filosofia (1997) afirma: “O ser substancial é o ser suficiente – independente” (p. 410). No entanto, diz no livro Em torno a Galileu (1994): “este foi um erro terrível da época moderna, (...) estar na crença de que o ser primário do homem consiste em pensar” (p. 124).  O erro consiste em apartar o ser humano do seu entorno.

 

Ser o que ainda não se é.

            Ortega fala da nossa vida como uma realidade em construção, algo inacabado até o momento do desfecho natural que é o morrer. O que se realiza sem o concurso do indivíduo é natural, mas é o que não se percebe como natural o que o cada um de nós assume como nosso. O homem é o único ser que pode não se realizar. Uma pedra não pode deixar de ser pedra, mas o homem pode deixar de ser homem, o que significa que ele pode deixar de ser o que, no seu núcleo é, ou de realizar sua vocação.

 

A sociedade de Ortega y Gasset

Ortega vivia um tempo em que a democracia era um ideal. Muitas eram as formas de democracia que se apresentavam. Para Ortega y Gasset a democracia era importante, mas acabou fortalecendo uma sociedade de massas. O fenômeno das massas se generalizou e oportunizou o aparecimento de governos fortes, porque onde existem massas é preciso que a instituição política dê mostra de sua autoridade.

O tempo das massas

            Então Ortega que numa primeira etapa havia se dedicado a descrever o que é uma vida humana autêntica, nessa segunda etapa examina o homem na história. Para Ortega, houve, durante décadas, um gradual ataque aos valores mais importantes da cultura, pois as massas não os assumem com ardor. Elas não se preocupam em vencer os desafios da vida e da história, esperam que alguém faça isso por elas e para elas: um governo, um líder, um chefe.

O tempo dos direitos sem obrigações é um período niilista, nele o homem “sentindo-se incapaz busca compensação aniquilando os valores do mundo” (idem, p. 719). Por isso, a chegada desse tempo de massas foi anunciada por vários autores como um momento de destruição do ocidente, ou um tempo de crise. Isso se compreende porque, observa Ortega, nem as elites morais, nem as massas se prepararam para enfrentar os novos desafios de uma sociedade onde as minorias deixam de exercer a liderança e as massas esperaram assumir o protagonismo da história.

 


sexta-feira, 11 de dezembro de 2020

UMA SOCIEDADE DE CIDADÃOS-PROPRIETÁRIOS EM JOHN RAWLS. SELVINO ANTONIO MALFATTI - professor titular da UFSM

 



Para Rawls a justiça social não pode ser atingida nem pelo capitalismo do laissez-faire, nem pelo welfare state e nem pelo socialismo. O que de fato pode propiciar a justiça no âmbito social é a democracia de cidadãos-proprietários. Sugere que também pode ser alcançada através do socialismo liberal.

Privilegiamos para nossa análise a democracia dos cidadãos-proprietários, visto que esta ideia encontra guarida em John Locke ao afirmar que somente o proprietário é um membro pleno da sociedade (full member). Para ele, a propriedade e somente ela, pode propiciar liberdade ao indivíduo. Mas, o que é a propriedade para Locke? Diz ele que a primeira propriedade e da qual se originam todas as demais é a própria pessoa. Minha pessoa é minha primeira propriedade e com ela adquiro as demais.

O que Rawls entende cidadãos proprietários? A ideia de cidadão proprietário não contempla a distribuição equitativa da propriedade privada dentre os cidadãos, ou a abolição da propriedade privada com a instituição da pública, mas uma dispersão da propriedade privada entre os cidadãos através da redistribuição de riquezas presentes no mercado. Conforme Rawls:

“a  democracia  de  cidadãos-proprietários  garante  as  liberdades básicas  juntamente  com  o  valor  equitativo  das  liberdades  políticas  e  a  igualdade  de oportunidades,  e  regula  as  desigualdades  econômicas  e  sociais  por  um  princípio  de mutualidade,  se  não  pelo  princípio  da  diferença”.

Rawls procede uma crítica aos sistemas econômicas e suas instituições: O capitalismo do laissez- faire somente proporciona garantias formais esquecendo-se das reais, liberdades políticas e liberdade equitativa de oportunidades. O socialismo estatal, por sua vez, timoneado por um partido, viola a igualdade de direitos e as liberdade públicas. A terceira opção, o capitalismo de bem estar social, em que pese preocupação com a igualdade de oportunidades e encampar provisões de mínimo social deixa à mercê dos grandes proprietários a propriedade real, ficando presa fácil desses conglomerados econômicos.

O que é, então, a democracia de cidadãos-proprietários em Rawls?

Primeiramente é necessário preencher três condições: 1. Ampla dispersão de capital, com cidadãos controlando parcelas substanciais e iguais do capital produtivo: humano e não humano. 2. Proibição de transmissão de capitais entre gerações como heranças e doações. 3. Salvaguardas contra a corrupção, com vigilância sobre financiamento público, partidos políticos, campanhas eleitorais, através de fóruns para debates políticos.

Através do sistema de cidadãos proprietários Rawls quer garantir a coexistência das liberdades básicas, da igualdade e da democracia, isto é, os valores da liberdade, a igualdade equitativa de oportunidades e regular as desigualdades econômicas e sociais pelo princípio da mutualidade ou pelo princípio da diferença. Ao dispersar a propriedade garante que ninguém possa se apossar do todo, como pode acontecer no capitalismo através de particulares ou no socialismo, através do público. O regime de cidadãos-proprietários situa-se entre ambos: nem domínio do privado, nem do público sobre a esfera do cidadão.

Num regime de cidadãos-proprietários é essencial que aja um sistema de assistência e saúde universal para atender ao princípio da igualdade equitativa de oportunidades.

Nesse modelo e outros os cidadãos não estão interessados apenas em seus salários, mas em todo o bem estar que possa dispor e gozar. Os próprios cidadãos sentir-se-ão responsáveis pelo entorno de seu trabalho: ordem, limpeza, organização entre outros. Por isso, zelam pela proteção de seus locais.

Para que ninguém se sinta excluído é preciso providenciar um mínimo a todos, além de evitar a dependência que poderia provocar a desigualdade. Uma das formas de dependência seria a exclusão do mercado de trabalho. Por isso, a necessidade de trabalhar seria universal para que nenhum cidadão se sinta inferior ao outro.

CONCLUSÃO

Em tese e na realidade, atualmente não seria impossível transformar todo cidadão em proprietário. A quantidade de bens disponíveis é incontável e por isso cada um poderia ser galhardeado na prática com um deles. Não são apenas bens materiais, mas culturais, de investimentos, ações, rendas, poupança, letras do tesouro, investimentos, propriedades imobiliárias, monetárias entre outros. Como na parábola do senhor que antes de viajar distribuiu moedas entre seus empregados:

“Antes de viajar, chamou dez dos seus empregados, deu a cada um uma moeda de ouro e disse: “Vejam o que vocês conseguem ganhar com este dinheiro, até a minha volta.”

Do mesmo modo, quando o cidadão entrasse no mercado de trabalho, deveria receber uma propriedade ficando responsável por ela e fazê-la render. De tempos em tempos haveria uma avaliação, e, conforme sugere a parábola, se merecesse maior investimento ou retirar o investido.

 

 

sexta-feira, 4 de dezembro de 2020

Existência e cultura. José Mauricio de Carvalho – PPG/PSIC UFJF e NUPES .

 





O capítulo segundo de O Homem e a Filosofia (Porto Alegre, MKS, 2018, p. 47- 63) examina os conceitos existência e cultura. Tratam-se dos conceitos nucleares daquele livro porque com eles se examina a realidade humana, atualizando e ampliando uma discussão anterior que descrevia o homem a partir da dialética genética e ambiente. Os dois conceitos escolhidos são mais amplos e agregam novos elementos procurando responder à clássica questão antropológica: o que é o homem? Com existência tratamos da circunstância quotidiana da vida singular e com cultura consideramos a presença histórica e consolidada dos valores da sociedade. O homem ao nascer age apenas por instinto, mas como não tem como viver em sociedade apenas obedecendo seus instintos, à medida que cresce aprende valores e adquire conhecimentos que guiam suas escolhas.

Os dois conceitos, existência e cultura, são fundamentais pelo que definem, mas devem ser entendidos não apenas isoladamente mas pela interação sujeito e circunstância. (p. 47) “O estar no mundo, no meio das coisas, é realidade do homem. A vida humana é situada, ou circunstanciada, se quisermos usar a categoria de Ortega y Gasset. Trata-se de relação inseparável que interfere na forma de compreender o entorno e de responder a ele.” Isso nos chama atenção para o fato de que a existência humana não se dá apenas no ambiente natural, mas nesse ambiente natural modificado pela cultura.  É nesse espaço modificado pela própria ação humana durante a história que o indivíduo vive uma relação dialética (p. 49): “entre a consciência e os produtos do espírito.” E sua consciência funciona sempre no sentido fenomenológico identificado por Husserl, é uma consciência cheia de objetos do mundo, não é um pensamento vazio.

A existência (entendida como vida singular que se atualiza nas ações diárias) não está fora de um ambiente cultural, mas pode afastar-se dele (p. 50): “por alguns momentos. O indivíduo se aparta do entorno enquanto tece seu projeto.” Em outras palavras, enquanto transcende a situação vivida e examina o que vai fazer na circunstância em que se encontra, o homem se auto direciona. E a situação do homem contemporâneo é singular pelos desafios que enfrenta, viver numa sociedade de massas hedonistas e ansiosas, pouco dedicadas ao cuidado com a vida singular e com aqueles talentos ou vocação singularíssima que diferencia uns dos outros.

O entendimento de cultura como objetivação de valores é uma tese consagrada pelo culturalismo brasileiro, notadamente por Tobias Barreto e Miguel Reale. Esse último construiu com sua teoria da cultura a base filosófica da versão que deu ao tridimensionalismo jurídico. No entanto, essa teoria da cultura ganhou um complicador quando os valores ocidentais foram confrontados com sociedades como a islâmica num processo de globalização cultural. Isso não significa que Reale deixou de ter razão, mas mostrou que o reconhecimento dos valores não é feito sem embates e não tem o reconhecimento definitivo que ele anunciou. Por sua vez, o embate cultura e natureza tematizada por Tobias Barreto ganhou novas nuances com as recentes alterações climáticas (p. 53): “A luta contra a natureza tanto se refere a domar a força dos instintos no íntimo de cada pessoa, como ele (Tobias) explicou quando disse que se a escravidão é natural é cultural que ela não exista, como em submeter as leis da natureza exterior e que são entendidas como antítese da cultura. Se a vida pessoal em nossos dias favorece olhar os instintos como parte da condição humana, algo que integra a circunstância de existir, o olhar para o mundo exterior mudou com o reconhecimento daquilo que Miguel Reale denominou valor ecológico, por ele considerado um novo valor. É com esse reconhecimento que a natureza deixou de ser percebida apenas pela antítese da cultura para se tornar um novo valor que dá suporte à vida humana.” Portanto, o conceito de cultura não significa, hoje em dia, simples antítese da natureza, é um valor a ser cuidado.

Quanto à noção de existência, ela foi enriquecida pelos existencialistas e por Ortega y Gasset, pois passou a representar não somente o entorno, mas tudo o que foi vivido pelos indivíduos, mesmo suas perdas. Circunstância diz (p. 54): “não apenas o que precisamos para viver como: alimentos, carinho, roupas, moradias, aparelhos, utensílios, crenças, sonhos, mas também o que está ausente e cuja expectativa reclama esforço aquisitivo. O amor perdido pede um esforço de reconquista, o que está falho solicita correção, o que obstrui o desenvolvimento demanda remoção. Tudo isso constitui o entorno e mais as esperanças cultivadas com zelo parecido ao da mulher grávida, que antecipa em cada dia da gestação, o momento em que terá o filho nos braços.”

Uma das contribuições mais interessantes dessa forma de tratar o assunto é nos livrarmos de uma espécie de determinismo neurótico, isto é, de achar que somos assim por causa da circunstância. Se elas nos limitam (ibidem): “o existente é o ser que não tem como abandonar a criação do seu modo de ser. Dele faz parte o reconhecimento de valores, por isto o seu modo de ser inclui um dever ser, como dizia Miguel Reale. Dependendo das escolhas que faz ou deixa de fazer sua existência tomará um ou outro rumo.  A sua vida ganhará um ou outro sentido, uma ou outra direção, nexo e significado.”

Entre os valores identificados na cultura, o homem é o maior deles por que é o centro e o condicionante dos demais. Constitui aquilo que Miguel Reale denomina de invariante axiológico. Essa escolha do valor nuclear não é arbitrária (p. 61): “ela traduz o entendimento da pessoa como valor que amadureceu na herança judaico-cristã através da meditação filosófica”.

Se somos educados e modificados pela cultura e seus valores também a modificamos com nossa ação singular (p. 62): “Fazemos cultura aproximando nosso destino do dos outros homens, ainda que nunca deixemos de ser nós mesmos ao fazê-lo. Essa é a ambiguidade inalienável que temos que viver; somos únicos e parte do grupo.”

A relação entre a vida singular é complexa e envolve todas essas nuances. Queremos destacar mais uma: “Apontou-se que a singularidade existencial ganha compreensão no confronto com a cultura, quando incorpora elementos da subjetividade fenomenológica. Os valores estão na cultura, mas não se impõem sem a adesão pessoal e mesmo quando ela existe não esgota a construção do sentido. Mesmo sendo referência para o sentido, a existência permanece aberta como possibilidade de ressignificar o futuro e conjecturar sobre o mundo, em meio aos limites que o homem não pode superar: de conhecer e do viver.”

Todo o restante do livro consiste num aprofundamento e esclarecimento de diversos assuntos humanos a partir da relação dialética entre existência e cultura. Alguns dos temas tratados nos outros capítulos são: a política, a história, a ética, a religião, a ciência, a finitude humana.


 

 

sexta-feira, 27 de novembro de 2020

Conhecimento e experiência em Carlo Maria Martini. Selvino Antonio Malfatti.

 


O cardeal Carlo Maria Martini (Turim, 15 de fevereiro de 1927 - Gallarate, 31 de agosto de 2012), da Itália, no livro “Diálogo Noturnos em Jerusalém” propõe uma justiça oriunda do contato direto com o sistema prisional. O livro, escrito em parceria com o jesuíta alemão Georg Sporschill, foi lançado no Brasil na PUC-Rio, em 2008. Pensa que para se entender a realidade, como a justiça prisional, é preciso “ver” a realidade, conversar com os prisioneiros, ouvir o que têm a dizer, prestar atenção nos seus pensamentos em voz alta.

Seguindo esta hipótese Marta Cartabia e Adolfo Ceretti se propõem a reconstituir o pensamento de Martini no livro: “Un’altra storia inizia qui. La giustizia come ricomposizione”. (Outra história inicia aqui. A Justiça como Recomposição) Para estes, o pensamento de Martini não se fundamenta no especulativo, mas no prático, na ação. Diz Martini:

 

Porque a justiça não é tanto uma ideia que se coloca fora de nós, mas "uma exigência que postula uma experiência pessoal: a experiência, precisamente, da justiça ou, melhor, da aspiração à justiça que nasce da experiência da injustiça e da dor que dela deriva».

 

Martini defende que para se alcançar um conhecimento verdadeiro deve-se conhecer experimentalmente o objeto. São famosas as afirmações de alguns que querem anular qualquer outra conclusão que não a sua, por ter visto ou ter visitado. É o caso, por exemplo, do conhecimento sobre o sistema prisional. Quem pode alardear que visitou ou viu se acha numa posição de superioridade em relação de quem somente leu.

Para estes a compreensão dos delitos e penas é mais verdadeira que os outros que apenas conhecem por outras vias, geralmente por terceiros. Inclusive cita-se para reforçar o argumento de quem experimentou fisicamente o contato com os prisioneiros. Ao citar o cap. 25 de Evangelho de Mateus: “Estava no cárcere e me visitaste”, dá a entender que a própria autoridade bíblica confirma a hipótese.

Para os defensores da necessidade da experiência o ato de ver, por exemplo, nos envolve na experiência de ter “ouvido, visto, contemplado e tocado.” Desse ato surgem as grandes questões, mormente as questões paradoxais, como se de repente o mundo nos aparece invertido. Isto nos força a magna questões e como decorrência nasce uma realidade criativa e renovada.

No entanto, em contrapartida, isto pode acontecer com a reflexão especulativa, isto é, quando refletimos em nós o que está gravado na nossa consciência. Da mesma forma e talvez melhor, se manifesta o poder criativo da mente, livre do cipoal da experiência. Basta, para tanto, evocarmos a experiência de Descartes e Kant. O mundo da realidade enriqueceu-se do mesmo modo com a reflexão do que a realidade contribuiu para o mundo espiritual. No paradoxo da realidade, como no mundo prisional, onde para se colimar algo, primeiramente deve-se restringir legal ou moralmente. Para ser livre a liberdade deverá ser cerceada. No mundo da reflexão não há necessidade de restringir o que se busca.

Com certeza a experiência do contato com o cárcere avia-se um processo dialético entre o comunicante e o interlocutor. O comunicante, por assim dizer, pensa em voz alta e está muito pouco preocupado com a justiça teorizada. O que ele quer é sair da prisão. Ao interlocutor, por sua vez, o máximo que pode fazer é ouvir o reclamo e os pedidos do preso. Mas mais nada pode fazer por que a partir daí a questão passa ser teórica, com um juiz que tem a lei diante de si e dá um veredicto teórico para ou continuar na prisão ou ganhar a liberdade. Portanto, a decisão final será sempre teórica. Um juiz nunca decidirá sobre o que o detento disse, mas sobre se for legal ou justo e isto é do plano teórico ou especulativo.

Por isso, a tese de Martini, examinada pelos pensadores Marta Cartabia e Adolfo Ceretti, serve como ponto de partida para desdobramentos teóricos posteriores. È o que diz Aristóteles: nihil est in intellecto, quod prius non fueri in sensu. A partir do pensar em voz alta dos detentos, constrói-se o arcabouço especulativo para justificá-lo ou não.

Aliás, o próprio Martini se deu conta disso:


Os acontecimentos "em si mesmos são mudos, ou pelo menos ambíguos: (podem dizer uma coisa e até o contrário) é o que acontece, com o que chega a nós, mas que não necessariamente tem sentido em si mesmo. É apenas em comparação com um ideal que esses eventos começam a falar, a sugerir um sentido, um caminho a 

 

sexta-feira, 20 de novembro de 2020

O Papa Francisco e o enfrentamento do farisaísmo. José Mauricio de Carvalho - Dr. em Filosofia


 


Em sua vida terrena, Jesus esteve em conflito com poderes que oprimiam e impediam as pessoas de viverem plenamente. Jesus pregou para uns, curou outros, compartilhou seu amor misericordioso com todos. Entre suas lutas chama atenção o embate com os fariseus. Os fariseus formavam um grupo de judeus devotos da lei mosaica (contida nos 5 primeiros livros da bíblia) e se organizaram no século II a.C. Eles estruturaram o culto nas sinagogas e alguns deles se tornaram importantes sacerdotes. Formavam um grupo reconhecido e admirado pela população e se destacavam pelo cumprimento da lei. Com o passar dos anos acabaram escravos da lei e se afastaram tanto da chama que as alimentava que ficaram longe dos próprios planos de Deus. Isso sempre acontece com quem defende a letra fria da lei, mas não considera o espírito e valores que a nutrem. No caso das leis divinas o próprio Espírito Santo de Deus.

Por isso, não causa espanto os embates dos fariseus com Jesus. Foram eles que acabaram sendo o estopim da condenação de Jesus à morte. Jesus lhes fez uma advertência duríssima, resumida no capítulo 23 do Evangelho de Mateus: “13 Ai de vós, escribas e fariseus hipócritas! Vós fechais aos homens o Reino dos céus. Vós mesmos não entrais e nem deixais que entrem os que querem entrar. 14 Ai de vós, escribas e fariseus hipócritas! Devorais as casas das viúvas, fingindo fazer longas orações. Por isso, sereis castigados com muito maior rigor. 15 Ai de vós, escribas e fariseus hipócritas! Percorreis mares e terras para fazer um prosélito e, quando o conseguis, fazeis dele um filho do inferno duas vezes pior que vós mesmos. 23 Ai de vós, escribas e fariseus hipócritas! Pagais o dízimo da hortelã, do coentro e do cominho e desprezais os preceitos mais importantes da lei: a justiça, a misericórdia, a fidelidade. Eis o que era preciso praticar em primeiro lugar, sem, contudo, deixar o restante. 24 Guias cegos! Filtrais um mosquito e engolis um camelo. 25 Ai de vós, escribas e fariseus hipócritas! Limpais por fora o copo e o prato e por dentro estais cheios de roubo e de intemperança. 26 Fariseu cego! Limpa, primeiro, o interior do copo e do prato, para que também o que está fora fique limpo. 27 Ai de vós, escribas e fariseus hipócritas! Sois semelhantes aos sepulcros caiados: por fora parecem formosos, mas por dentro estão cheios de ossos, de cadáveres e de toda espécie de podridão. 28 Assim também vós: por fora pareceis justos aos olhos dos homens, mas por dentro estais cheios de hipocrisia e de iniquidade!” 

A advertência de Jesus acima transcrita, mostra seu cansaço por pregar a misericórdia e o amor e o esforço dispendido para mostrar que é o Espírito de Deus quem salva e não o cumprimento frio da lei. A advertência mostra sua indignação com aqueles homens. Jesus criticou duramente todos que, em nome da lei e da tradição, maltratam, discriminam e oprimem as pessoas. Isso mesmo quando têm boas intenções e pregam a palavra de Deus. E essas palavras de advertência de Jesus são duras porque ele conhecia o coração humano. Ele sabia que é fácil ser fariseu, cumprir as obrigações e achar que assim assegurou a salvação pois tem Deus sob seu controle. Difícil é seguir Jesus, viver a fé cumprindo a lei iluminada pela justiça, a misericórdia, a fidelidade a Deus. Nesse caso há o risco de errar e sabe-se não ter o controle de Deus, que Age e Faz o que quer segundo seu Caráter e Misericórdia.

Relembro essa luta de Jesus contra o farisaísmo, que o levou à exaustão, porque a vejo renascer no esforço do Papa Francisco por defender o direito dos homossexuais formarem família. Ele observou que homossexuais "são filhos de Deus e têm direito a uma família. Ninguém deve ser excluído ou forçado a ser infeliz por isso." É evidente que a forma didática como Deus apresentou a Lei para os homens de outros tempos, onde a finalidade do sexo era exclusivamente gerar filhos, para uma sociedade com alto índice de mortalidade infantil e baixa expectativa de vida, contemplava a família heterossexual e a obrigação de terem filhos. Se esse é o valor, não faz sentido, contudo, condenar pessoas que hoje sabemos desenvolvem tal impulso por um processo de identificação ocorrido na infância e com componentes quase sempre inconscientes e fora do controle da vontade. Assim, se a prática homossexual não é a ideal na perspectiva da moral judaico-cristã, isso não significa que se deva amaldiçoar ou lançar na fogueira os homossexuais.

O essencial do que aqui destaco não é a luta do Papa em defesa dos homossexuais, mas o seu embate, por isso, com setores conservadores, dentro de fora da Igreja: os fariseus da contemporaneidade. Assusta o crescimento desse farisaísmo, dentro de fora da Igreja Católica. Um farisaísmo que se muniu de um discurso escatológico e de pura maldade, capaz de enxergar em qualquer ato de misericórdia e bondade a presença do anticristo. Esse clima de conservadorismo farisaico multiplicou-se nas redes sociais em críticas duras ao Papa, considerando-o aliado do anticristo. E há muitos vídeos nesse sentido. Vídeos assim são mais uma desgraça desses tempos de conservadorismo, pois há outras desgraças como a destruição da legislação de proteção ambiental, o desrespeito aos direitos civis, o aumento do racismo, a xenofobia, a humilhação do pobre, a politização da prática científica. É pura maldade, enxergar a presença do anticristo em atos de misericórdia e em tudo o que não está de acordo com a ignorância religiosa ou dureza de coração desses fariseus da contemporaneidade. Logo, embora o Papa Francisco esteja sofrendo forte resistência por sua posição misericordiosa, nesse e noutros casos, sendo criticado por radicais conservadores de vários credos, é importante que ele siga imitando Jesus Cristo. Isso mesmo que a maldade farisaica o flagele com a língua e possa levá-lo à cruz do sofrimento, da perseguição ou à morte.

 


 

 

sexta-feira, 13 de novembro de 2020

OS CANDIDATOS DE 15 DE NOVEMBRO -. RAPOSAS X OURIÇOS. Selvino Antonio Malfatti.



“A raposa, de fato, pode fazer muitas coisas, enquanto o ouriço pode fazer apenas uma!” (Isahiah Berlin) 

O pensador Isahiah Berlin escreveu uma fábula interessante: O Ouriço a Raposa. A princípio, a moral da história tem várias aplicações para as atividades dos humanos: pensadores, religiosos, industriais, educadores. No entanto, parece que o endereço mais certeiro é para os políticos.

Como em 15 de novembro teremos eleições municipais vejamos se a fábula pode se aplicar.

Conforme a fábula os candidatos pertenceriam a duas ideologias opostas: a das Raposas e dos Ouriços.

As Raposas parecem dispersivas nas promessas de campanha. Não têm uma única resposta para cada problema porque quase sempre paradoxais. Diz o pensador Isahiah Berlin: A raposa conhece muitas coisas, mas o Ouriço conhece uma só e muito importante. As Raposas aceitam projetos mais humildes, com menos esplendor, do dia a dia, pragmáticos. Contentam-se com a monotonia do pragmatismo e seus seguidores um grupo sem brilho. A raposa sabe muitas coisas. mas pensa com relativismo gnosiológico. Acham que o entendimento das coisas é falível e que o conhecimento perfeito é ilusão. Ao abordar o Plano estratégico as Raposas usam a manha. Dividem suas propostas de governo em partes e analisam separadamente cada uma delas. Tentam mostrar as características de cada uma e depois juntam para formar o bloco nem sempre coerente. As partes constituem o centro. Então, parece que quem se apodera do centro será dono das partes. Será bem assim?

Os Ouriços, ao invés, fixam-se numa única ideia e através dela pretendem solucionar todos os problemas. Sentem-se obcecados por um ideal grandioso, um farol que ilumina tudo. Os Ouriços atraem, como eles, sonhadores revolucionários, ideólogos da perfeição. Possuem um conhecimento monista e dele fazem derivar um absolutismo epistemológico. Para os Ouriços o conhecimento é infalível e o erro é má fé. Eles propõem uma visão única, central, um sistema coerente, sem contradições como um modelo centralizado. Não há partes, o bloco é monolítico, impenetrável.

As duas plataformas estão sobre a mesa. Cada eleitor poderá escolher seus candidatos. É preciso que os eleitores constituam um executivo e um legislativo de Raposas ou de Ouriços.

Então, você decidirá se quer um governo de Raposas ou de Ouriços. Uma Raposa ou um Ouriço para o Executivo e maioria de Raposas ou Ouriços para o Legislativo.

Se optares por Raposas terás um governo liberal, até com um pouco de anarquia. Mas poderás sentir o sopro do vento da liberdade.

Se preferires os Ouriços, terás governo centralizado, do qual tudo depende. Sentirás o peso da ordem e da planificação. Em vez de liberdade, a submissão.

É dia 15 de novembro. Quase 8hs. Pegar o título de Eleitor, conferir a Zona e a Secção, dirigir-se ao local, achar a urna e votar.

Aguardar o resultado: Raposa ou Ouriço?


 


A Raposa e o Ouriço. ( Isaiah Berlin  )

Mimì, a raposa de pelo vermelho, refugiou-se atrás de um arbusto de amora-preta. Ela escutou um leve alvoroço no subsolo, então até mesmo aquele barulho parou. Sua presa deve ter intuído o perigo, algo deve tê-lo deixado desconfiado. Mimì a raposa se camufla, finge estar morta e espera. Nem mesmo respira. Ela sabe que sua presa sairá assim que se sentir seguro do esconderijo por isso tem que deixá-lo todo o tempo que precisar para se mover. O tempo passa. Após uma longa espera paciente, um ouriço aparece na boca da cova. Precisa de um espaço muito curto para entrar em outro túnel escuro mais à frente, por isso olha em volta com cautela, examina o chão, retrai-se para dentro da cova, reaparece hesitando. Que animal prudente, que animal hipócrita, pensa a raposa. Raça de roedores de vegetação rasteira que não gostam de andar ao ar livre. Ele prefere seus labirintos subterrâneos, mesmo ao custo de escavá-los com unhas e dentes. Vai ter seu bom motivo para evitar se expor ao sol, porém não o invejo. Enquanto isso, o ouriço decide-se e já está finalmente a aberto. Ele parece ter acabado de sair da hibernação, ele é desajeitado, lento, pesado. Mimì a raposa dá um bom salto e zac! Mas o ouriço em um instante se transformou em uma bola espinhosa. A raposa grita de surpresa e dor e com a boca sangrando retira-se.

- Que animal estranho! - pensa a raposa sem desistir. Deve ter carne deliciosa embora a natureza a protege tão bem. Será muito melhor do que a carne de uma toupeira ou de um pássaro. Como gostaria de saboreá-lo para saber qual é o seu gosto!

E confiante em seus próprios recursos, Mimì, a raposa de pelo vermelho, inventa recorrer a mil artifícios, truques, expedientes, um mais engenhoso e sutil que o outro, para capturar o ouriço e devorá-lo.

No entanto, toda vez que o ouriço se enrola e assim enrolado, ele é inexpugnável.

Afinal, um ouriço não vale tanto desperdício de truques e nem tanta obstinação, diz ela a si própria raposa para se consolar. E cansada dos inúmeros truques ela decide deixá-lo em paz, aquele bicho estúpido.

 


sexta-feira, 6 de novembro de 2020

Karl Jaspers, o cuidado com a humanidade. José Mauricio de Carvalho – Pós doutorando do PPGP/UFJF.



Ele, entre outros filósofos da escola fenomenológica existencial, tem sido um dos autores que mais frequentemente examino há alguns anos. A ele dediquei capítulos de livros e muitos artigos além do livro Filosofia e Psicologia, o pensamento fenomenológico-existencial de Karl Jaspers (2006). Porém quero, ao invés de comentar suas ideias e crenças, dar voz ao filósofo para que ele se apresente. Jaspers escreveu, no final da vida, um texto necrológico, uma espécie de testamento intelectual, pelo qual gostaria de ser lembrado. Esse texto foi retirado do livro mencionado (CARVALHO, 2006, p. 253/4): “Karl Jaspers nasceu em Oldenburg, a 23 de fevereiro de 1883. Deve aos seus progenitores uma educação séria e um amor que o envolveu para sempre: no liceu, teve uma formação humanística: na Universidade; o acesso à Universidade da pesquisa científica. Gozou do nobre privilégio de poder viver na liberdade como professor que se assinalava os próprios deveres. Pelo ensino, ele contribuiu com a sua parte para a continuidade da tradição, apoiando-se confiadamente no sentido da Universidade do Ocidente. A maravilhosa cidade de Heidelberg, a venerável cidade de Basiléia, foram os lugares onde se esforçou, na pobre medida das suas forças, por desempenhar sua tarefa. Tudo o que lhe foi dado realizar não poderia tê-lo feito sem sua esposa, Gertrud Mayer. Desde o tempo de estudante, ela o rodeou de um amor sem limites, não consentindo a insinceridade, firme em suas exigências. Como se tivessem encontrado neste mundo vindos de um outro inimaginável, como se se recordassem sem o saber, eles viveram, como uma gratidão infinita, a realidade quotidiana da sua vida, ao longo dos anos instáveis, por mais de meio século. Foi nesta existência em comum que cresceu a pesquisa filosófica, cujo germe estava presente desde os anos da escola, mas que desabrochou então e se tornou vocação para ambos. Intimamente unidos, suportaram juntos a pena da doença, porque, após a juventude, ele não deixou mais de sofrer. Depois vieram os doze anos de angústia sob o nacional-socialismo. Miraculosamente protegidos, passaram pelo meio das forças temíveis. A perda da sua pátria política precipitou-o em um abismo em fundo, do qual só escapou, com a sua esposa, graças à origem comum de toda a condição humana, à amizade de alguns seres amados, na Alemanha ou dispersos pela face da terra, graças, enfim, ao sonho de uma cidadania mundial por vir. Acolhido em Basiléia, na tradição europeia, na liberdade, encontrou ali um asilo tranquilo. Foi essa a última dádiva que recebeu. No decorrer desses anos, dedicou todas as suas forças ao prosseguimento do seu trabalho filosófico, em si mesmo inacabável. Por este trabalho, inspirado mais em uma antecipação tateante do que em um saber já adquirido, experimentando os pensamentos sem possuir certezas, ele queria prestar o seu contributo na tarefa própria deste século: encontrar o caminho que conduz, do termo da filosofia europeia, à futura filosofia mundial (p. 3- 5).

No silêncio e isolamento nos tempos de perseguição, Jaspers se tornou tão admirado como figura humana como era como pensador. Hannah Arendt, uma de suas alunas famosas, lembrava em Homens em tempos sombrios que aquele professor perseguido (ARENDT, 2010, p. 85): “não era a Alemanha, mas o que restara da humanitas na Alemanha.” Isso porque ele permaneceu durante toda a vida na defesa da razão e da liberdade, atualizando a filosofia de Kant e desenvolvendo a filosofia na perspectiva da escola existencial. Isso lhe permitiu escrever páginas magistrais sobre (id., p. 86): “a consciência racional da liberdade, onde o homem se experimenta como um dado de si.

Assim, quando terminou a Guerra e havendo escapado por milagre da fome e da morte, reapareceu como a grande referência da venerável universidade alemã, espaço da pesquisa e da liberdade, da inteligência e moralidade. Aquele professor soube guiar seu país no reencontro com sua tradição intelectual e, sem deixar de ser psiquiatra famoso apareceu, diante de seu povo, como o grande filósofo da Alemanha livre. Assim, num país mergulhado em culpa e envergonhado de seu passado recente, Jaspers soube mostrar onde apanhar as referências da racionalidade para seguir vivendo.

Além de ser a grande voz da Alemanha no pós guerra, Jaspers mostrou a importância de uma cidadania mundial, uma cidadania que não deixa as referências de sua pátria, mas que não se afasta do movimento civilizatório do mundo ocidental. Isso porque Jaspers ligava os acontecimentos importantes dos diferentes países à história de todos eles. Ele fez então da Filosofia um tecido da cidadania mundial.

Jaspers é um desses homens que se tornaram grande pelo que representaram na luta pela liberdade, pela razão, pela consciência moral da humanidade. Sua lembrança é especialmente importante nesses tempos em que justo as referências mais elevadas, nobres e da inteligência foram ofuscadas pelo obscurantismo, pelas Fake News, pela superficialidade de uma sociedade de massas pouca atenta aos valores que a edificou.


sexta-feira, 30 de outubro de 2020

Kierkegaard, a crítica ao romantismo e a base da escola existencial. José Mauricio de Carvalho – Pós doutorando em Psicologia da UFJF.

 



Sören Kierkegaard (1813-1855) é um pensador dinamarquês cujas ideias influenciam filósofos importantes do século XX como Miguel de Unamuno (1864-1936) e Martin Heidegger (1889-1976). O núcleo de seu pensamento centra-se no significado da singularidade pessoal, o que dirige seu olhar e atenção para a realidade humana, com ênfase na capacidade humana de escolher e se responsabilizar pela escolha. Essa é uma posição cara aos existencialistas e que o psiquiatra Viktor Frankl considerou o eixo de sua antropologia.  O propósito desse artigo é examinar a crítica que Kierkegaard fez aos filósofos idealistas e literatos do romantismo, isso porque eles dedicavam o principal de suas preocupações ao estudo do processo amplo da história, dando pouco destaque à vida individual e ao papel da responsabilidade moral nas escolhas.

Entre suas obras destacam-se: O conceito de ironia (tese - 1841), Temor e tremor (1843), A alternativa (1843), Diário de um sedutor (1843), O conceito de angústia (1844), Migalhas Filosóficas (1844) e Pos-scriptum às Migalhas Filosóficas.

Vamos destacar além da crítica aos idealistas como suas ideias abriram caminho para a escola existencial no século XX. Sua crítica ao hegelianismo não foi como a marxista, pois o marxismo preservou a dialética e a sustentação historicista da realidade que viera de Hegel, ela atingiu o historicismo romântico de forma mortal. Kierkegaard rejeitou as teses hegelianas porque considerava a vida singular e concretamente vivida na primeira pessoa como o problema a ser esclarecido pela investigação filosófica. Por isso, importava pouco saber os rumos de evolução da razão, abordar a evolução da razão, se tais meditações não consideravam a realidade mesma de cada homem concreto.

O historicismo de Hegel, avaliou o filósofo, pouco tinha a dizer ao homem concreto, aquele que vive numa determinada sociedade durante num período específico da história. Para esse homem que trabalha, apaixona-se, ama, se decepciona, adoece, incorre em culpa, chora, se desespera, a compreensão totalizante do processo histórico diz pouco. E é assim porque na vida vivida na intimidade com seus dramas, o historicismo de Hegel ou o destino glorioso de uma classe social de Marx, dizem pouquíssimo. Pois a vida é o que se faz numa realidade concreta, como mais tarde diria Ortega y Gasset recuperando as lições desse pensador.

Tivemos oportunidade de mostrar no livro História da Filosofia Contemporânea (São João del-Rei: UFSJ, 2014, p. 45/6) que: “uma leitura inicial de Kierkegaard nos coloca em contato com uma reflexão crítica sobre o Cristianismo e seu significado na história dos homens. Ele não deixa de ser um autor cristão, mas de um tipo muito singular. Ele não se preocupa, por exemplo, em fazer interpretação da doutrina, oferecendo uma nova proposta como alternativa. E para onde levou sua reflexão crítica do Cristianismo? Para um desencanto com as interpretações da doutrina cristã feita pelas Igrejas. E qual o motivo da insatisfação? A distância que a doutrina está do homem concreto e de sua vida. Ele rejeita uma interpretação do cristianismo que pouco tem a dizer para quem está envolvido em sua rotina com alegrias e dramas. Sim, porque a vida é um misto de drama e alegria, com peso diferente para homens e gerações, para uns com mais alegria, para outros com mais drama. Tal é o peso da história. Jaspers, no ensaio dedicado ao filósofo, explicou a sua insatisfação com a doutrina cristã apregoada pelas igrejas do seguinte modo (Kierkegaard,1953, p. 90): O que importa é encontrar a verdade, a verdade que seja para mim, pela qual eu queira viver e morrer. Então surge a resolução: agora começarei a atuar interiormente".

Na citação acima Jaspers destacou que a mensagem cristã da forma como é veiculada pelas Igrejas não parecia ao filósofo capaz de comprometer intimamente a pessoa, não era algo pelo qual ela julgasse que valia a pena viver e morrer. E há, portanto, em Kierkegaard esse entendimento que a vida é de tal ordem que necessita ter uma razão, um motivo para levá-la adiante. E por que o cristianismo anunciado lhe parecia tão inadequado e distante da experiência do homem concreto? Por que lhe parecia inútil? Porque o cristianismo anunciado pelas religiões focava a atenção no futuro glorioso da humanidade, resultado da leitura romântica da história cultural da Europa. E aqui surge um problema complicado: até que ponto uma instituição historicamente situada consegue transmitir a mensagem cristã na pureza desejada por seu fundador? Será que defender a mensagem em sua pureza radical sem a base de apoio histórico que a sustenta é razoável? Isso pode ser sustentado numa vida como a humana? (...)

Apesar das dificuldades que essas questões suscitam, Kierkegaard deseja que o conteúdo do Cristianismo ao ser transmitido não seja rebaixado como fazem as Igrejas. Sendo rebaixado ele fica compreensível ao homem comum, mas perde sua profunda realidade renovadora da espiritualidade. Nesse sentido, o filósofo foca sua preocupação no encontro pessoal e direto com Cristo. Esse é o caminho para situar a mensagem cristã no nível de profundidade que desejava. Menos que isso é farisaísmo.

Despreocupado com o discurso das Igrejas, ele propõe o encontro pessoal com o Cristo, aceitá-lo como salvador pessoal ao mesmo tempo que se precisa dialogar com Ele. Levar a Cristo as próprias dores, fome, sede, medos como das guerras, das doenças, do sofrimento, da morte, que marcam a vida de cada um de nós.

E como lhe parece ser a vida? Segue-se a síntese proposta na obra já mencionada: “A imagem do juízo final, em que cada homem está entre tanta gente, mas se mantém absolutamente só diante de Deus é a alegoria que ele usa para dizer como é a vida como a vê e para a qual procura resposta. A vida na qual cada um está só diante de Deus e a ele deve responder. Ele fala para o homem, enquanto capaz de realizar a experiência da solidão verdadeira que é própria de nossa vida. É para essa solidão que ele busca resposta. E resposta para quê? Para o que deveria verdadeiramente nos ocupar quando tomamos consciência de que nossa vida é única e ninguém pode vivê-la por nós, quando entendemos que nossa vida é feita das escolhas muito delicadas e íntimas. Nascemos sós, morreremos sós, escolhemos como viver, e isso é a marca de nossa existência. Assim estamos diante de Deus. Esse tipo de solidão é que ficou mais tarde conhecida por solidão ontológica e não se confunde com o estado de estar isolado dos demais homens, vivendo numa ilha, por exemplo.” (id., p. 47)

Deixando de lado as suas críticas às Igrejas e centrando a atenção no que está na raiz de suas preocupações filosóficas é que nos deparamos com um pensador atualíssimo. Se estamos verdadeiramente sós na experiência da existência, essa realidade nos coloca diante de uma questão a que a meditação diária nos deveria levar: o que significa ser eu mesmo? A simples colocação dessa pergunta torna a vida humana diferente e perguntar parece urgente e necessário, ainda hoje na sociedade de massas mais que no tempo de Kierkegaard. A sua reflexão nos coloca diante do fato de que não teremos resposta para essa pergunta radical se esperamos que nossa vida seja conduzida de fora, se as decisões que temos que tomar tiverem que ser feitas por outrem. A vida assim pensada é aquela que cada um de nós experimenta na sinceridade íntima de ser o que é.

Essa crítica ao romantismo filosófico e literário, que alcança também as religiões cristãs, é apenas um aspecto do seu pensamento. Há muito ainda a dizer dele.


 

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