sexta-feira, 12 de agosto de 2022

Antropologia do beijo. Selvino Antonio Malfatti

 


Veneza - um beijo na Praça São Marcos.


Nestes dois últimos anos a humanidade passou em abstinência de contato epidérmico com seu semelhante. A pandemia obrigou a todos a manterem distância de seu semelhante. Inclusive e, com mais seriedade, do beijo, considerado uma fonte de contaminação.

Não pude deixar de me interessar pelo sentido do beijo. Primeiramente por causa da autoria atribuída ao beijo: aos macacos e segundo a multifacetação interpretativa deste gesto, pelo o apóstrofo rosa.

Com efeito, acredita-se que a prática dos macacos de pré-mastigarem a comida e depois levá-la à bota dos filhotes com a língua deu origem ao beijo. Disso alguns antropólogos concluíram que os humanos aprenderam  a beijar na boca!... Mas sejamos compreensivos e apeguemo-nos ao ditado: “sì non è vero è bene trovato”.

O beijo na boca é um contato epidérmico do ser humano, levemente superficial. Rápido no fazer, mas de duração permanente. Desde que o ser humano se conheceu como tal, está registrado na história o beijo. Em todas as culturas é o símbolo do amor. É o apóstrofo rosa entre as palavras: Beijo (´) (apóstrofo) = eu te amo.

O problema é com decifração da incógnita da mensagem: “Paixão, dedicação, compaixão, reconciliação, união, escárnio, separação, doçura, ternura?”, conforme Edmond Rostand.

Subitamente pelo beijo o semelhante tornou-se uma ameaça real de morte. Manter a distância por que o contato físico passou a ser visto como contágio e a efusão em infecção. Não se trata de uma simples medida de cautela imunológica, mas uma afasia de sentimentos, um bloqueio de almas. Nossa vida em multidimensões por meio da interface corporal faz de duas pessoas uma só. Na expressão do poeta inglês, Percy B. Shelley, "a alma encontra a alma nos lábios dos amantes".

Perdido na História houve um momento que o beijo tornou-se social e cada cultura lhe atribui atributos diferentes. Bastaria consultar a literatura de cada um. Como amostra, consultemos os romanos. Para cada ocasião havia beijos e todos eles diferentes. Havia os amorosos, os respeitosos, os obedientes, os fraternos, paternos- maternos, filiais, amigáveis, conviviais. Os romanos tinham três contatos labiais: o basium, que deu origem ao beijo, o osculum e o savium. Isidoro de Sevilha, um teólogo, classificou conforme a ocasião: O basium é o que o marido e esposa trocam. O osculum é o que se dá às crianças. O savium é o beijo tórrido que os amantes se dão.

Esta distinção de categorias de beijos nas culturas e épocas se mesclou como aconteceu com o poeta romano Catulo. Ele pede para a sua amada Lésbia mil básia, depois cem, e volta novamente com mil. Deveria ter dito sávia mas como era poeta tinha a liberdade de trocar. Paulatinamente a palavra basia suplantou as demais e impôs-se como oficial para beijo. (Prima del uomo vienne il baccio: Marino Niola - Corriere). 

 

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