sábado, 20 de novembro de 2010

CARIDADE E FÉ - Selvino Antonio Malfatti




O cristianismo – mormente o catolicismo – ficou obcecado demais com a idéia de culpa e do pecado. Com isso retrancou-se e vive mais na defesa do que no ataque. O pecado tornou-se a preocupação permanente e por isso fez como aquele que recebeu um dinheiro, guardou-o ciosamente, não investiu, para depois entregá-lo integralmente a seu dono, mas sem multiplicá-lo. Este fenômeno de valorização do pecado foi tão impactante que, inclusive o Decálogo, originariamente afirmativo, foi transformado em negativo, isto é, em vez de dar ênfase ao fazer, foi transmudado em não fazer.
Então, um dos componentes da senciência humana, a culpa, passou a ocupar o lugar central no agir do dia a dia. O policiamento deu lugar à caridade.
A orientação central focou-se na ofensa original e conseqüentemente a de uma culpa original, as quais seriam a fonte de todas as ofensas e culpas posteriores. Mas disso nasceu o problema e não a solução. Se a causa de todas as culpas é a primeira ofensa, transmitida à posteridade, mas da qual ninguém é culpado, porque então ser culpado? Insistir nessa idéia levou à esterilização das boas ações que possibilitariam o aperfeiçoamento moral não só dos indivíduos, como de toda sociedade.
O sentimento de ofensa e culpa de origem foram tão incutidos que outros aspectos foram descurados, mormente a caridade. A conseqüência do não fazer foi a proibição e daí resultou um discurso humanitário e uma prática autoritária. Onde se fala em obras de misericórdia? Propiciar alimento (material e espiritual) a quem necessita? E isto é muito abrangente. Quanta vez se presenciou instituições cristãs despedirem sem dó nem piedade funcionários sem darem a mínima satisfação. Isso acontecia, muitas vezes, logo após celebrações religiosas onde se condenava veementemente a prática capitalista. E outras obras como: saciar a sede, alcançar vestimentas, dar abrigo aos sem teto, cuidar dos doentes, visitar os presos, acompanhar os sepultamentos, ninguém mais fala.
E as obras espirituais? Quem se recorda delas? Ainda têm validade? São eficazes para o aperfeiçoamento moral? Ainda é válido dar um bom conselho, ensinar, estender a mão ou abraçar um aflito, perdoar as ofensas, ter paciência com os pecados do próximo, orar pelos outros?
O sentimento de culpa, objeto maior da pregação doutrinária ainda hoje ocupa bom espaço, em que pese a substituição, em alguns caos, da pregação de ódio dos que não têm contra os que têm.
O sentimento de culpa faz parte da natureza humana e não de uma ofensa originária. O homem quer progredir, melhorar, aperfeiçoar-se tanto materialmente como moralmente. Como nunca consegue a perfeição, mas somente pequeno progresso, sente que poderia ter feito mais e melhor. Isto leva ao sentimento de culpa que o acompanha sempre. E como isto é imanente à natureza humana é, portanto, originário. Para amenizar este sentimento, as obras de caridade, decorrentes da fé, devem passar a ocupar o lugar central e não o pecado, a ofensa, a culpa. Disso resulta que a verdadeira fé leva à caridade e esta perdoa, compreende e não agride.

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