Há dois momentos bastante dramáticos numa clínica, independente da escola seguida pelo psicoterapeuta ou filósofo clínico. Hoje, um pouco mais velho e experiente, sem a pressa da juventude, entendo que a teoria é um guia necessário para o caminhar num tratamento, mas é o mundo do paciente o que mais importa. Claro que as escolas distintas possuem procedimentos diferentes e explicações diversas para a personalidade e sua dinâmica, mas há dois momentos difíceis nesse caso. O primeiro é quando não há futuro, o paciente encontra-se no fim de sua jornada terrena, o outro é quando o passado foi muito doloroso.
Normalmente as duas situações pedem ressignificação. Por ressignificação entendemos a capacidade de visitar os pensamentos, emoções, valores e outros aspectos do mundo interno, de modo diverso ao que provoca sofrimento. Esse é o extraordinário trabalho clínico que é preciso realizar com muita habilidade e cuidado. Nos dois casos é preciso que o terapeuta conheça bem seu cliente, entenda como ele funciona. A psicologia fenomenológica e a filosofia clínica fazem isso recuperando a historicidade do paciente, pedindo-lhe que conte sua vida e a forma como lidou com suas experiências.
Ressignificar tem um caráter forte. Trata-se de encontrar um sentido no sofrimento, implica em superá-lo, e essa não é atitude de quem nele se compraz. Sofrer por sofrer não leva ninguém ao crescimento pessoal, não a torna uma pessoa melhor, nem permite o bom enfrentamento de qualquer circunstância.
O psiquiatra e filósofo Viktor Frankl lembrava que se podemos evitar o sofrimento devemos fazê-lo da melhor forma ou é masoquismo. No entanto, se o sofrimento é inevitável podemos ir além dele e o transcender. Transcender significa tornar o sofrimento um sacrifício com sentido. Assim ensinou Viktor Frankl (Fundamentos antropológicos da psicoterapia. Rio de Janeiro: Zahar, 1978, p. 244): “a análise existencial se vê às voltas com a tarefa de analisar existencialmente o sofrimento, com vistas à possibilidade de que tenha um sentido.” E se tiver sentido permitirá a quem significou o sofrimento olhar para aquilo de outro modo e hidratar a alma. Por exemplo, caso alguém esteja sofrendo com a perda de um ente querido. Ele irá sofrer o luto, sentirá a perda pois somos humanos, mas poderá dirigir seu olhar para o quanto aquela pessoa deixou nele. Que experiências maravilhosas de amor ficou dali. Poderá entender o quanto aquele ente querido que partiu ainda está com ele, uma parte dessa pessoa ainda habita seu mundo interior. Perceberá o quanto esse ente querido se esforçou para que ele ficasse bem, o quanto companhia de ambos era boa, quanto amor havia naqueles momentos. Assim, aos poucos perceberá que a situação não foi de fato perdida, boa parte da pessoa amada ainda está ali e pode alimentar seu coração. Terá tanta gratidão quanto saudade e depois mais gratidão que saudade.
No caso de a própria pessoa estar no final da vida pode-se perguntar a ela se o que alguém que viveu de significativo acabou, um médico querido que atendia sua família em caso de necessidade, por exemplo. Digamos que esse médico já tenha morrido, toda sua dedicação e cuidado se perdeu? Será que perdeu também valor e significado tudo o que essa pessoa fez naqueles dias já vividos? Será que foi inútil seu trabalho para cuidar dos filhos e os ver crescer sadios? Será que ficou perdido sua dedicação profissional? É claro que não. A própria pessoa encontrará sentido e ressignificará o seu passado para que ele hidrate seja o sentido que seu futuro pode não lhe reservar.
A clínica é um espaço maravilhoso de entranças e reentrâncias e o clínico é um companheiro de jornada para permitir que a pessoa se reconstrua continuamente à medida que ressignifica suas experiências e expectativas.