sexta-feira, 12 de janeiro de 2018

Referências para 18. José Mauricio de Carvalho – Academia de Letras de São João del-Rei





Esse é um texto sobre referências. Referência é o que guia a existência. Difícil fugir do impulso para falar de referências no início do ano, de orientações para o imediato, mas essa é uma questão que precisa ir além do agora. Referência é a nossa bússola existencial, é nossa orientação vital, uma rota da vida. Ainda que estejamos, no dia a dia, ocupados com o que iremos comer, onde vamos dormir, onde vamos passar as férias e o que vamos vestir há a questão maior de para onde nos dirigimos enquanto cuidamos do trivial. Jesus chamou atenção para o fato de que a vida é mais que essas preocupações rotineirasem Mt. 6, 25: “Portanto, vos afirmo: não andeis preocupados com a vossa própria vida, quanto ao que haveis de comer ou beber; nem pelo vosso corpo, quanto ao que haveis de vestir. Não é a vida mais do que o alimento, e o corpo mais do que as roupas?”. Jesus orienta no evangelho de Mateus não sobre a irresponsabilidade ou imprevidência, pois sempre devemos nos ocupar dessas coisas corriqueiras, mas Ele ensina a confiança em Deus. Depois de fazer a Sua vontade, isto é, depois de plantar, regar, cuidar do solo, etc. podemos confiar que Deus dará o fruto da terra, não é preciso sofrer com angústia pelo que virá quando fizermos o que deve ser feito. Jesus não raciocinava de outro modo porque sempre fazia a vontade de Deus.
O que se vai abordar aqui é um outro aspecto da questão do sentido, isto é, seu vínculo aos valores. Essa é uma questão fundamental como mostramos no livro O Homem e a Filosofia. A vida humana precisa de direção e essa vem com os valores que a cultura concretizou no último milênio. Assim, para buscar um sentido para viver além de comer, beber e passear, à parte do gozo irresponsável e rápido, é preciso superar tensões e tentações. E o mundo anda estranho com tanto conservadorismo, imediatismo e gozo irresponsável e ansioso. Qualquer defesa do humanismo, ou até valores cristãos é entendida como comunista. Ou as pessoas perderam a noção dos valores nucleares da cultura ou enlouqueceram de vez depois da queda do muro de Berlim e do fim do socialismo real. Stalinismo, marxismo foram experiências ruins, mesmo que tivessem bons propósitos. Essa experiência está superada na História. Buber já fez, no século passado, uma crítica demolidora a esse socialismo sem moral.
O que não se pode esquecer é que o liberalismo se desenvolveu como: liberdade política, de expressão e pensamento, estado de direito, mas tudo orientado pelo respeito humano e cuidado com os mais fracos. A cultura ocidental se desenvolveu transmitindo para as novas gerações o que foi aprendido com dor e sofrimento na história: sociedades injustas e sem valores não sobrevivem. É sob essa base constitutiva da cultura e inteligência que a vida de cada homem se individualiza e socializa. É aquilo que cada homem incorporou como valor, que o prende ao destino dos outros. Foi porque a cultura ocidental assumiu as raízes orientais judaico-cristãs que seus valores de paz e justiça se universalizaram.  Quando o que impera é o gozo rápido e irresponsável, a vantagem imediata, vem junto a injustiça, a miséria, as drogas, as relações superficiais, o egoísmo generalizado, a corrupção e o desânimo na vida dos povos. E um tempo assim, não de perda mas de afrouxamento dos valores, de desânimo e descrença que está ganhando força nesses dias.
Fazemos uma sociedade boa aproximando nosso destino singular do dos outros homens, ainda que nunca deixemos de ser nós mesmos ao fazê-lo. Essa é a ambiguidade inalienável que é própria do homem, ao mesmo tempo que se é único e singular na forma de compreender e viver, se é parte de uma comunidade e mesmo partícipe de uma humanidade comum. Não se trata de viver uma ou outra realidade isoladamente, pois isso leva ao totalitarismo ou à loucura. A liberdade se vive no exercício da responsabilidade moral, a vida social numa democracia pelo direito e valores, uma sociedade que mesmo imperfeita procura sê-lo cada dia menos.


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