sexta-feira, 20 de novembro de 2020

O Papa Francisco e o enfrentamento do farisaísmo. José Mauricio de Carvalho - Dr. em Filosofia


 


Em sua vida terrena, Jesus esteve em conflito com poderes que oprimiam e impediam as pessoas de viverem plenamente. Jesus pregou para uns, curou outros, compartilhou seu amor misericordioso com todos. Entre suas lutas chama atenção o embate com os fariseus. Os fariseus formavam um grupo de judeus devotos da lei mosaica (contida nos 5 primeiros livros da bíblia) e se organizaram no século II a.C. Eles estruturaram o culto nas sinagogas e alguns deles se tornaram importantes sacerdotes. Formavam um grupo reconhecido e admirado pela população e se destacavam pelo cumprimento da lei. Com o passar dos anos acabaram escravos da lei e se afastaram tanto da chama que as alimentava que ficaram longe dos próprios planos de Deus. Isso sempre acontece com quem defende a letra fria da lei, mas não considera o espírito e valores que a nutrem. No caso das leis divinas o próprio Espírito Santo de Deus.

Por isso, não causa espanto os embates dos fariseus com Jesus. Foram eles que acabaram sendo o estopim da condenação de Jesus à morte. Jesus lhes fez uma advertência duríssima, resumida no capítulo 23 do Evangelho de Mateus: “13 Ai de vós, escribas e fariseus hipócritas! Vós fechais aos homens o Reino dos céus. Vós mesmos não entrais e nem deixais que entrem os que querem entrar. 14 Ai de vós, escribas e fariseus hipócritas! Devorais as casas das viúvas, fingindo fazer longas orações. Por isso, sereis castigados com muito maior rigor. 15 Ai de vós, escribas e fariseus hipócritas! Percorreis mares e terras para fazer um prosélito e, quando o conseguis, fazeis dele um filho do inferno duas vezes pior que vós mesmos. 23 Ai de vós, escribas e fariseus hipócritas! Pagais o dízimo da hortelã, do coentro e do cominho e desprezais os preceitos mais importantes da lei: a justiça, a misericórdia, a fidelidade. Eis o que era preciso praticar em primeiro lugar, sem, contudo, deixar o restante. 24 Guias cegos! Filtrais um mosquito e engolis um camelo. 25 Ai de vós, escribas e fariseus hipócritas! Limpais por fora o copo e o prato e por dentro estais cheios de roubo e de intemperança. 26 Fariseu cego! Limpa, primeiro, o interior do copo e do prato, para que também o que está fora fique limpo. 27 Ai de vós, escribas e fariseus hipócritas! Sois semelhantes aos sepulcros caiados: por fora parecem formosos, mas por dentro estão cheios de ossos, de cadáveres e de toda espécie de podridão. 28 Assim também vós: por fora pareceis justos aos olhos dos homens, mas por dentro estais cheios de hipocrisia e de iniquidade!” 

A advertência de Jesus acima transcrita, mostra seu cansaço por pregar a misericórdia e o amor e o esforço dispendido para mostrar que é o Espírito de Deus quem salva e não o cumprimento frio da lei. A advertência mostra sua indignação com aqueles homens. Jesus criticou duramente todos que, em nome da lei e da tradição, maltratam, discriminam e oprimem as pessoas. Isso mesmo quando têm boas intenções e pregam a palavra de Deus. E essas palavras de advertência de Jesus são duras porque ele conhecia o coração humano. Ele sabia que é fácil ser fariseu, cumprir as obrigações e achar que assim assegurou a salvação pois tem Deus sob seu controle. Difícil é seguir Jesus, viver a fé cumprindo a lei iluminada pela justiça, a misericórdia, a fidelidade a Deus. Nesse caso há o risco de errar e sabe-se não ter o controle de Deus, que Age e Faz o que quer segundo seu Caráter e Misericórdia.

Relembro essa luta de Jesus contra o farisaísmo, que o levou à exaustão, porque a vejo renascer no esforço do Papa Francisco por defender o direito dos homossexuais formarem família. Ele observou que homossexuais "são filhos de Deus e têm direito a uma família. Ninguém deve ser excluído ou forçado a ser infeliz por isso." É evidente que a forma didática como Deus apresentou a Lei para os homens de outros tempos, onde a finalidade do sexo era exclusivamente gerar filhos, para uma sociedade com alto índice de mortalidade infantil e baixa expectativa de vida, contemplava a família heterossexual e a obrigação de terem filhos. Se esse é o valor, não faz sentido, contudo, condenar pessoas que hoje sabemos desenvolvem tal impulso por um processo de identificação ocorrido na infância e com componentes quase sempre inconscientes e fora do controle da vontade. Assim, se a prática homossexual não é a ideal na perspectiva da moral judaico-cristã, isso não significa que se deva amaldiçoar ou lançar na fogueira os homossexuais.

O essencial do que aqui destaco não é a luta do Papa em defesa dos homossexuais, mas o seu embate, por isso, com setores conservadores, dentro de fora da Igreja: os fariseus da contemporaneidade. Assusta o crescimento desse farisaísmo, dentro de fora da Igreja Católica. Um farisaísmo que se muniu de um discurso escatológico e de pura maldade, capaz de enxergar em qualquer ato de misericórdia e bondade a presença do anticristo. Esse clima de conservadorismo farisaico multiplicou-se nas redes sociais em críticas duras ao Papa, considerando-o aliado do anticristo. E há muitos vídeos nesse sentido. Vídeos assim são mais uma desgraça desses tempos de conservadorismo, pois há outras desgraças como a destruição da legislação de proteção ambiental, o desrespeito aos direitos civis, o aumento do racismo, a xenofobia, a humilhação do pobre, a politização da prática científica. É pura maldade, enxergar a presença do anticristo em atos de misericórdia e em tudo o que não está de acordo com a ignorância religiosa ou dureza de coração desses fariseus da contemporaneidade. Logo, embora o Papa Francisco esteja sofrendo forte resistência por sua posição misericordiosa, nesse e noutros casos, sendo criticado por radicais conservadores de vários credos, é importante que ele siga imitando Jesus Cristo. Isso mesmo que a maldade farisaica o flagele com a língua e possa levá-lo à cruz do sofrimento, da perseguição ou à morte.

 


 

 

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