sexta-feira, 5 de abril de 2019

A DEMOCRACIA COMO CONVIVÊNCIA ALÉTICA. Selvino Antonio Malfatti.






Uma convivência política não precisa necessariamente ser regida pela Verdade absoluta, mas não pode prescindir da verdade alética.  As duas verdades podem estar não sintonizadas. Um exemplo ilustra.  Na cena entre Pilatos e Jesus. O primeiro queria se livrar de um inocente inoportuno e lhe diz que pode livrá-lo ou condená-lo. Falou uma verdade ética. Jesus responde que se conhecesse a Verdade...Jesus estava falando da Verdade. Pilatos responde o que é a verdade? A de Jesus é a Verdade, a de Pilatos é a verdade aleteia. A Verdade absoluta é uma só, as verdades da aleteia podem ser múltiplas. Por isso Pilatos perguntou o que é a verdade: de Jesus, dos sacerdotes judeus, de Barrabás? 

A Verdade absoluta pertence à dimensão religiosa, e por isso não está aberta à discussão. Existem concepções filosóficas que se arvoram de Verdades, também não se discutem por que são dogmáticas. A verdade como aleteia está no convívio humano, e por isso é ética.

Como diria Platão: verdadeiro é dizer as coisas como são; falso é dizer como não são. Mais explícito Aristóteles que diz que negar aquilo que é e afirmar aquilo que não é, é falso; mas negar aquilo que não é, e afirmar aquilo que é, é verdadeiro. Mas o quê que é? O que não é? É verdade aquilo que tenho convicção que é? E se minha convicção estiver errada, mas penso que esteja certo? No meio grego não havia tradição de verdade absoluta, apenas a aleteia. 

Quando pensamos amiúde acontece que o conceito de verdade funciona de forma crítica em nossos pensamentos, ora criticando, ora raciocinando e discutindo. Colocamos uma pergunta forçando dúvida: “esta verdade pode não ser verdade, e se isto pode ser verdade então aquilo também é, e se as duas forem verdadeiras, então à qual daremos razão?” Durante muito tempo nos acostumamos a pensar numa única verdade, isto é, diante de proposições contraditórias somente uma é verdadeira. Seria a forma dogmática da verdade, a qual gerou e gera conflitos insolúveis. No entanto, não é a verdade que gera o conflito, mas a possibilidade de considerar o que não é de todo verdade ou confundir as opiniões pessoais como verdade. O conflito é originário de um discurso distorcido, com aparência de verdade, mas não verdadeiro ou, ao menos, não de todo verdadeiro.

No momento atual da convivência, na qual não se sabe o que verdadeiro e o que é falso, através da proliferação maciça de fake News, nos encontramos num ambiente, completamente desorientados. Não há mais ética que se detenha perante o verdadeiro e o falso. Falamos aqui do que externamos que pode ser verdadeiro ou falso. Não falamos do conhecimento científico, mas da verdade ética. Se eu for um heliocentrista e disser que o sol gira em torno da terra estou mentindo, embora cientificamente seja verdade. Se for geocentrista e disser que o sol gira em torno da terra, estou mentindo também.

A verdade ética só será verdadeira quando externo o que penso. E todo cidadão tem este direito e dever. De ouvir de outrem a verdade ética, evidentemente a científica também. E ele, pessoalmente, agir da mesma forma.Talvez seja este o maior direito dos cidadãos contemporâneos, isto é, o que ouvir do outro seja idêntico a um selfie de sua mente. Este é o direito à verdade ética. Pode ser desdobrado em diversas situações de e para cada um desde sua relação com os outros até sua relação com a mídia e todo sistema informativo. 

Vejamos:
1.    Informação. Este direito se refere a poder ser informado sem ser enganado. Se ler jornal, vir televisão, acessar internet possa ter a segurança de que a informação repassada não for falsa por parte de quem a dá.
2.    Educação. Esta deve ser crítica no sentido grego (Κριτήρια), isto  é, ter capacidade de discernimento do que for verdadeiro e do que for falso.
3.    Confiabilidade. Este direito se refere a ser reconhecido como fonte de credibilidade, além de não sofrer discriminação por qualquer condição: mulher, migrante, crente e outras.
4.    Fontes. Este direito se refere poder ter acesso a fontes confiáveis de informação com autoridade suficiente e neutralidade científica não submissa a interesses econômicos ou ideológicos.
5.    Ambiente. Ter o direito de viver num meio político-social aleteico, protegido por pessoas, instituições e leis que prezem a verdade na vida pública e privada.
6.    Cultura. A aleteia é também um ambiente cultural pelo qual o conjunto espiritual favoreça a verdade.
Nossa hipótese é de que a verdadeira democracia é a verdade no poder. Diante disso infere-se que a democracia não é propriamente as pessoas ou seus representantes, mas do que cada um e todos acreditam e sabem, ou forma como raciocinam e decidem com base no que sabem e creem ser a verdade. Por isso é crucial para a democracia que os cidadãos cheguem a um consenso de verdade. Se não se chegar a isso, não haverá democracia e, sim, guerra de opiniões e com ela desilusão e triunfo do erro.

Postagens mais vistas