sexta-feira, 13 de abril de 2018

Tocar os limites. José Mauricio de Carvalho Academia de Letras de São João del-Rei





À medida que a vida vai acontecendo, acrescenta-se à existência apreensão. A expectativa é o que a preside na juventude, pois quando se é jovem os dias que se espera viver são muito mais numerosos do que os já vividos, pelo menos essa é a crença dos jovens. Isso é assim, mesmo que a jornada não tenha tempo fixo nem garantias. E é a novidade de viver o futuro o que predomina na juventude. Quando se é novo a vida parece guardar escondida, sob muitos lençóis, suas novidades e mistérios. Ela se assemelha a uma dessas casas antigas, mostrada nos filmes dos anos sessenta, que ao ser deixada pelos moradores por ocasião de uma viagem, permanecia coberta à espera dos donos. Esse foi um cenário comum há gerações passadas, quando as casas eram grandes, as famílias numerosas e a vida parecia passar mais devagar. Então, o casarão coberto de lençóis, ficava encoberto e escondido como é o horizonte do jovem.
Depois de algum tempo vivido, escolhas feitas, trabalho consolidado, filhos crescidos, a vida não perde as expectativas, mas acrescenta a apreensão de saber que os dias a viver são menos numerosos que os já vividos. Embora nunca haja a certeza da sua extensão, quanto mais se vive, mais cresce a apreensão. E se entendemos que somos tecidos pelas escolhas feitas, os caminhos por onde passamos têm paragens obrigatórias: sofremos pelos amores perdidos, pelos amigos que se foram, pelas oportunidades não aproveitadas, pelo desaparecimento dos adultos dos dias da juventude, pelas doenças que nos acometem ou culpas que carregamos. Sofremos, enfim, porque morre em nós cada possibilidade deixada para traz nas escolhas feitas. E os melhores de nós guardam dessa viagem as experiências de amor e das boas coisas feitas.   
Temos uma companheira nessa jornada, é a finitude, companheira de todas as horas. É ela que ensina a responsabilidade pelas escolhas feitas. Ela é a quem devemos consultar em cada nova escolha, pois é ela que dimensiona o que se escolhe. É ela que traz a conta do sofrimento causado a si ou aos outros e também é ela que mostra como as escolhas de hoje ficaram reduzidas pelas escolhas passadas.
Assim, aprende-se nessa viagem existencial, como disse Miguel Reale em seu livro Variações, a viver com lágrimas nos olhos, pois é o sofrimento das perdas o que nos irmana e escancara o valor do amor. Talvez seja por isso que Jesus o colocou como um importante princípio de vida, amar o próximo e próxima, nossos companheiros de jornada, tanto quanto a Deus que a criou.
E, entre as escolhas feitas e as por fazer, estabelece-se uma linha de continuidade que orientada pelo sentido e significado amarra o que foi feito e o que ainda resta a fazer. É a essa linha que chamamos sentido. Sentido é direção, é missão, é alvo para onde se fixa o olhar na caminhada. Sem que essa direção clara, a caminhada se perde nas paradas, as quedas se tornam mais dolorosas demais e as perdas viram peso. É a consciência da tarefa e o rumo a seguir o que acalenta nossos dias e os alimenta com a preciosa esperança de boas e novas realizações. A esperança não é a última que morre, é o alimento sem o qual não se vive.
Quanto mais passam os dias, mais se aprende o que devíamos saber já no início, é curto o tempo para amar quem nos ama, para dar nossa contribuição para a sociedade, enfim de tecer a manta da cultura que deixaremos para nossos filhos e netos e para os filhos e netos deles. E a caminhada já feita é onde ficou depositado esse legado os próximos. Lá está o que nos faz importantes aos que virão.


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