sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Reforma do país e do espaço público. José Maurício de Carvalho




Os protestos de rua no último mês tiveram como estopim os serviços de transporte e mobilidade urbana, mas incorporaram outras reivindicações, notadamente o combate à corrupção, ao empreguismo, e um pedido de melhoria na segurança, no atendimento da saúde e da educação. De modo resumido os protestos revelam um tema do qual se ocupou um grupo de estudiosos nas últimas décadas: o Estado Brasileiro funciona mal. E não só nos campos em que a população denuncia. Quando aprofundamos o problema constatamos que os órgãos de fiscalização ambiental têm sucesso muito pequeno na defesa dos ecossistemas naturais, os destinados à preservação do patrimônio cultural também não têm bons resultados a apresentar, os órgãos que cuidam da vigilância sanitária são exemplo de ineficiência. O que dizer da coleta e tratamento dos esgotos? Como classificar o trabalho de inteligência da polícia e das forças armadas? Como explicar o roubo de toneladas de dinamite que explodem caixas eletrônicos pelo país afora? E a segurança de nossas fronteiras ultrajadas com drogas e contrabando? E a fiscalização das casas de diversão como a boate de Santa Maria?
Na tentativa de entender o fenômeno, lembre-se a identificação do problema dualismo no estudo da cultura brasileira identificado por Wanderley Guilherme dos Santos. Estudiosos opõem populismo, corrupção, ineficiência e subversão comunista à democracia, industrialização e independência nacional. Uma classificação simplicista onde o mal e o bem estão bem delimitados. Esse dualismo que não atinge o âmago da questão: a deficiente visão e falta de compromisso com o espaço público. Antônio Paim publicou um esclarecedor ensaio do problema intitulado A querela do estatismo, mas além dele um grupo de estudiosos da cultura nacional publicou bastante coisa sobre a herança patrimonial herdada de Portugal. Esses autores lembram a incapacidade nacional de reformar a tradição para: 1. democracia liberal (partidos políticos definidos, ideologicamente constituídos e com programa claro); 2. capitalismo com políticas sociais nas áreas de segurança, saúde e educação, além daquelas consideradas funções básicas do Estado e 3. fazer um debate moral que repercuta nos destinos da sociedade.
O estado patrimonial encontrado entre os orientais e que chegou até nós via Portugal, devido à ocupação árabe na Península Ibérica, como explica Max Weber em Economia e Sociedade, não tem compromisso com a competência e a qualidade dos serviços prestados. A justiça feita pelo príncipe discrimina o cidadão, pois se baseia em relações pessoais. O pior é, contudo, a ausência de separação entre o patrimônio público e privado, o que faz com que os administradores públicos façam seu serviço como quem cuida da cozinha de casa. Inclusive são eles que definem as prioridades das obras. E a população também entende a esfera pública como privada. Logo, o espaço público não é do cidadão, sendo aceitável danificá-lo, urinar nele, apropriar-se do dinheiro do Estado, etc. No nordeste os assaltantes de banco dizem: não queremos dinheiro de ninguém, só do governo. (?). Não é difícil, nas cidades brasileiras, encontrar quem varra a casa ou negócio e jogue o sujo na via pública, além de nela atirar todo tipo de lixo.

Toda mudança importante no sentido solicitado pelos manifestantes de hoje com vistas a tornar mais eficiente do trabalho do Estado passa pela reconsideração do espaço público. Entendê-lo como sendo de todos, cuidando com carinho dele, estaremos dando um passo gigantesco na direção almejada pela maioria. Como entender que jovens peçam cuidado com o que é público e urine nas ruas nos carnavais? Que se brade por educação e se estude tão pouco? Que peçam respeito e desrespeitem tanto idosos e deficientes? De fato, há um Brasil para ser reformado para que os homens de amanhã não reproduzam o pior das gerações passadas.

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