sexta-feira, 25 de janeiro de 2019

Escravidão em Minas, detalhando a história. José Mauricio de Carvalho – Academia de Letras de São João del-Rei






O livro Quilombo do Campo Grande apresenta fatos e documentos interessantes sobre a escravidão na região das Minas Gerais. O autor, Tarcísio Martins, esclarece que é preciso distinguir os negros que vieram para Minas Gerais, fundamentalmente bantos, dos grupos sudaneses que foram para o nordeste. Essa seria realidade irrelevante não fosse o papel singular que a instituição teve em Minas.
O escravo nas Minas, observou Martins, não vivia como nos engenhos cortando cana, plantando roça, acendendo as fornalhas e limpando objetos. O trabalho nas Minas era muito insalubre e pouco produtivo, nada rendia ao dono, a não ser que o negro encontrasse um rico filão de ouro ou preciosos diamantes. Ou então se ele não garimpasse certa quantidade de ouro. Assim, era essencial motivar os negros a encontrar e retirar quantidades consideráveis de metais preciosos que tornariam rico o dono ou explorador do local. Essa circunstância tornou a libertação de escravos um fato mais comum em Minas do que nos outros estados brasileiros. Explica o autor: “a possibilidade do negro se tornar livre nas Minas Gerais era infinitamente maior do que no engenho. O hábito de libertar o negro que achasse um grande veio de ouro ou um grande diamante foi costume que se consagrou de fato e direito”. (MARTINS, 2008, p. 266) Dessa forma, o preceito de servir toda a vida foi quebrado na prática.
Outra diferença marcante da escravidão em Minas era que, enquanto no nordeste o Senhor de engenho, vinha para o Brasil com toda a família o deslocamento para as Minas era feito só. Então, logo que se estabeleciam, esses aventureiros portugueses compravam negras jovens com quem coabitavam. Eles “ligavam-se a negras africanas ou mulatas, que por sua procura, atingiam altíssimos preços e dada a sua fecundidade, a população aumentava rapidamente de pardos”. (Id., p. 267)
Essa realidade singular colocava o negro escravo numa condição diferente de outras praças, quer porque muitos realmente compravam a liberdade e não eram raros os que enriqueciam depois de libertos, como porque muitas negras assumiam a condição de esposas de fato, ainda que não de direito, e seus filhos eram inseridos na sociedade. O filho do contratador João Fernandes de Oliveira com a mestiça Chica da Silva, por exemplo, foi “ungido cavaleiro da Ordem de Cristo, recebendo o hábito de Cristo só reservado aos brancos nobres, preparando-o, na verdade, para ser o herdeiro do Morgado de Grijó, a maior fortuna privada de Portugal na época”. (Id., p. 274).
Essa situação de alteração na vida social levou ao apartheid mineiro que foi o impedimento dos mulatos ocuparem cargos públicos importantes nas vilas, considerando que esse grupo se tornara numeroso, rico e influente, levando os portugueses brancos a assegurar o poderio político nas vilas, já que tinham a posição econômica ameaçada por esses mestiços. Essa circunstância fez com que a argumentação contra a inumanidade da escravidão ou sua abolição não fosse tema de debates na região, até porque era possível ser contemplado pela boa sorte de encontrar uma pedra ou um veio de ouro que tornasse livre e, muitas vezes, rico, um antigo escravo. A preocupação reaparece quando as Minas se esgotaram.
Toda a elite mineira, mestiça ou não descomprometia-se do trabalho produtivo considerado coisa de escravo. Engrossaram aquela nobreza ociosa que o Marquês de Pombal desejou erradicar e que foi tema dos teatros da Arcádia. No caso, despreocupação com o trabalho produtivo não se originava dos hábitos medievais, mas da associação entre trabalho manual e a condição de escravo. Também contribuiu para essa mentalidade o catolicismo tradicional com suas festas suntuárias, onde a comunidade dispendia recursos não compatíveis com sua realidade econômica. O livro de Martins ajuda a entender a singularidade da escravidão em Minas.


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