sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

O novo caso de amor patrimonialista da política nacional com o grande empresário. José Mauricio de Carvalho


Correu no Brasil dos smartfones e celulares o vídeo de um empresário dono de uma das empresas denunciadas na Lava Jato. Ele foi hostilizado num resort. Não importa a empresa, nem o local, nem o empresário, o emblemático é o fato. Ele reflete a indignação dos que trabalham honestamente (ou invejam os esquemas fraudulentos de enriquecimento ilícito), mas expressa, nos dois casos, a desconfiança das instituições. Nenhum cidadão tem que hostilizar outro no espaço social. Cabe à justiça julgar e punir, na forma da lei, quem errou. E assegurar a aplicação da punição. Se algo deve fazer o cidadão honesto é acompanhar e cobrar o funcionamento da justiça. O que a operação lava jato mostra é que faz tempo que a política perdeu seu sentido verdadeiro e descobrimos, em nosso país, um novo caso de amor entre o políticos e o grande empresariado.
Sabe-se que a base da moral é a consciência individual, moral é uma interdição da consciência para fazer o mal. É sempre possível agir moralmente, mesmo em ambientes ruins. Contudo, ambientes ruins alimentam a imoralidade e permitem que pessoas de moral frouxa encontrem mais espaço para agir. E um exemplo de ambiente assim é o que se instalou em nosso país: quase quarenta partidos (sem qualquer razão real para existir ou ideologia além de sobreviver e beneficiar os seus). O espectro ideológico poderia ser coberto por três ou quatro partidos. As maiores democracias do mundo não fogem a isso. Essa realidade se agrava com custos crescentes da campanha eleitoral e o uso dos meios de comunicação de massa. Essas mídias privilegiam a performance publicitária mais que as propostas e seu detalhamento. Some-se a isso uma população pouco escolarizada, com reduzido espírito crítico e pequena capacidade de entender os problemas. Acrescente uma elite egoísta, desejosa de prazer imediato e despreocupada com as consequências do que faz. Se no dia a dia o esforço pessoal é o que conta, há certos problemas no espaço social que se não forem resolvidos dificultam a vida de todos, dito de outro modo, não é possível se salvar sozinho de um barco afundando e do qual não há como sair. E assim enquanto alguns acham que se salvam em festas privadas e condomínios fechados, a miséria e a ignorância permanecem e crescem geração após geração.
O que a lava jato mostrou é o casamento, com juras de amor eterno: entre políticos de carreira com o grande empresariado. As exceções existem e confirmam a regra. O político discursa sobre o destino do povo, mas apenas quer se manter no poder e o empresariado faz o discurso capitalista da livre concorrência, mas não arrisca e ganha o grosso do seu dinheiro fazendo negociatas com o Estado. Obtém recursos subsidiados e paga propina para garantir grandes obras, em resumo, fraudam os mecanismos de controle do Estado e patrocinam os esquemas de poder de políticos corruptos e seus comandados nas empresas públicas. Casamento abençoado pela grande mídia que ganha fortuna com o jogo político e a propaganda partidária e dos governos. Tudo isso num sistema mundial que alimenta o consumo, o gozo irresponsável e o divertimento das massas. Trata-se, enfim, de uma acomodação do patrimonialismo tradicional à nova circunstância do mundo globalizado.
O que se vê é que políticos e alguns grandes empresários reconstruíram as bases do patrimonialismo tradicional, num mundo chamado de pós-moderno, em que as circunstâncias são diferentes do capitalismo mercantil ou industrial. Refizeram o discurso capitalista naquilo que convém a cada um. A corrupção existe em todo o mundo, basta lembrar do que se passou na FIFA e recentemente e os casos de corrupção denunciados na Turquia, na China, na Ucrânia, etc., mas ela não fragiliza Estados fortes, nem os desvia de sua rota de longo prazo, porém fragiliza os países emergentes, neles perpetua a miséria, pune os que trabalham honestamente e piora a vida dos mais pobres.



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