sexta-feira, 18 de dezembro de 2020

Ortega y Gasset e os desafios de viver . José Mauricio de Carvalho-pós-doutorando no NUPES/UFJF

 

 



José Ortega y Gasset, nasceu em Madrid, em 9 de maio de 1883 e morreu na mesma cidade em 18 de outubro de 1955. Foi ensaísta, jornalista, político e, também, professor da Universidade de Madrid. Ele é considerado o principal filósofo espanhol do século XX, fundador da chamada Escola de Madrid. Esse pensador tem muito a dizer ao nosso tempo, por que anteviu muitos problemas que estão acontecendo hoje.

Vivemos dias que valorizam a liberdade, mas a abordam com dificuldade. Para entendê-la como realidade humana é necessário pensá-la como tal. Os filósofos do século passado procuraram explicar o que era a tão desejada liberdade. Para levar adiante tal projeto tiveram que considerar a crise pela qual passava a sociedade ocidental e a perplexidade com os rumos tomados pelos acontecimentos.

A meditação filosófica, junto à liberdade, tratou de outras questões. O homem foi descrito livre, mas com uma liberdade ameaçada pelo mundo e até por Deus. Por isto Martin Heidegger diz que ele nasceu sem uma razão, sem destino. Jean Paul Sartre completou a assertiva afirmando que o homem está mergulhado no absurdo. Em meio a estas expressões de angústia, solidão e ameaça, conexas à liberdade, surgiram também explicações menos dramáticas e mais confiantes no futuro do homem. De todo modo a vida humana, como um que fazer foi percebida mesmo como drama em meio à liberdade.

Ortega tratou primeiro de explicar a vida como drama, descrevê-la como risco de se perder em meio às escolhas livres, mas num segundo momento considerou que esse homem que, muitas vezes, não sabe o que fazer, vive numa sociedade massas. Essa condição agrava o seu compromisso de fidelidade a si mesma. A menção ao homem-massa aparece em vários textos de Ortega e resumia o modo humano de viver a liberdade sem responsabilidade. O homem-massa, dizia Ortega, é aquele que não aproxima a liberdade da responsabilidade com as escolhas. Além disso, encontra-se satisfeito com o que encontrou no mundo, não se empenha em mudá-lo para melhor; comporta-se como criança mimada, não entende as dificuldades e riscos do viver e torna-se um especialista ignorante, sabe cada vez mais sobre cada vez menos, desligando-se da complexidade da vida. É esse homem-massa o responsável pelos muitos problemas da sociedade de seu tempo.

 

A vida, realidade fundamental

Na primeira fase de seu pensamento, Ortega escolheu a vida como tema e se perguntou: o que é uma vida autenticamente humana? Como a pensamos à luz de uma razão vital? Ortega explica: “Nossa vida, pois nos é dada – não a demos a nós mesmos -, mas não nos é dada feita. Não é uma coisa cujo ser está fixado de uma vez para sempre, senão que é uma tarefa, algo a ser feito, em suma, um drama. Daí que de pronto, tenha o homem que fazer ideias sobre sua circunstância e interpretá-la para poder decidir todo o demais que tem que fazer”. ( p. 123-124).

Eis o que isto significa: “Ela é única, isto é, não se repete, acontece numa circunstância determinada que não escolhemos, mas que nos pode aniquilar, o que lhe confere um conteúdo dramático; é partilhada com outros homens, o que faz da intersubjetividade uma questão importante; o homem não é primariamente racional, o que significa que pensamos para viver; herdamos muito do que se passou o que significa que o homem é histórico. Aprofundemos as implicações epistemológicas da razão vital” (p. 63).

A vida demanda enorme esforço. Os conceitos anteriores de ser proclamavam que ser é o que não necessita de nenhum outro, basta a se mesmo para fazer o essencial. Em Que é Filosofia (1997) afirma: “O ser substancial é o ser suficiente – independente” (p. 410). No entanto, diz no livro Em torno a Galileu (1994): “este foi um erro terrível da época moderna, (...) estar na crença de que o ser primário do homem consiste em pensar” (p. 124).  O erro consiste em apartar o ser humano do seu entorno.

 

Ser o que ainda não se é.

            Ortega fala da nossa vida como uma realidade em construção, algo inacabado até o momento do desfecho natural que é o morrer. O que se realiza sem o concurso do indivíduo é natural, mas é o que não se percebe como natural o que o cada um de nós assume como nosso. O homem é o único ser que pode não se realizar. Uma pedra não pode deixar de ser pedra, mas o homem pode deixar de ser homem, o que significa que ele pode deixar de ser o que, no seu núcleo é, ou de realizar sua vocação.

 

A sociedade de Ortega y Gasset

Ortega vivia um tempo em que a democracia era um ideal. Muitas eram as formas de democracia que se apresentavam. Para Ortega y Gasset a democracia era importante, mas acabou fortalecendo uma sociedade de massas. O fenômeno das massas se generalizou e oportunizou o aparecimento de governos fortes, porque onde existem massas é preciso que a instituição política dê mostra de sua autoridade.

O tempo das massas

            Então Ortega que numa primeira etapa havia se dedicado a descrever o que é uma vida humana autêntica, nessa segunda etapa examina o homem na história. Para Ortega, houve, durante décadas, um gradual ataque aos valores mais importantes da cultura, pois as massas não os assumem com ardor. Elas não se preocupam em vencer os desafios da vida e da história, esperam que alguém faça isso por elas e para elas: um governo, um líder, um chefe.

O tempo dos direitos sem obrigações é um período niilista, nele o homem “sentindo-se incapaz busca compensação aniquilando os valores do mundo” (idem, p. 719). Por isso, a chegada desse tempo de massas foi anunciada por vários autores como um momento de destruição do ocidente, ou um tempo de crise. Isso se compreende porque, observa Ortega, nem as elites morais, nem as massas se prepararam para enfrentar os novos desafios de uma sociedade onde as minorias deixam de exercer a liderança e as massas esperaram assumir o protagonismo da história.

 


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