sexta-feira, 27 de novembro de 2015

Novembro, tragédia em sangue e lama. José Maurício de Carvalho









As redes sociais e as mídias se ocuparam, nesses últimos dias, de nos afundar na lama de Mariana e de nos mergulhar no sangue dos parisienses. Duas tragédias com todos os componentes fundamentais: a capacidade da cena de provocar horror e a compaixão das vítimas. Assistimos, nesses dias, dois episódios que ceifaram vidas inocentes e ameaçaram outras tantas.
Do lado de cá do Atlântico, um mar de lama escoou de barragem mal fiscalizada, erguida para dar viabilidade econômica à exploração do minério de ferro e lucros exorbitantes a empresas globais preocupadas simplesmente em enriquecer; do outro lado, os tiros e as bombas lançados sobre jovens inocentes que se divertiam no final de semana. A justificativa da perversidade é o pecado da cidade condenado pelo fundamentalismo religioso. De comum aos dois episódios a quebra da tranquilidade e da felicidade que acompanha o homem em seus dias. A felicidade de estar em paz com a família numa pequena aldeia do interior do Estado das Minas, ou a de participar de um evento cultural numa das mais lindas cidades do mundo. Cada qual vivendo sua cota de felicidade, tocando a vida como lhe parecia melhor, cada homem com suas escolhas e caminho para a felicidade. Todos a perderam, ninguém a conservou, pois é próprio da tragédia a fugacidade da felicidade e a destruição do que não é estável; a vida mesma. Nos dois casos, inocentes estavam na linha do desastre e pagaram com a vida e bens, a negligência de uns e a violência bárbara de outros.
Houve quem enxergasse na especulação dos comerciantes de Valadares, que aumentaram o preço da água, um elemento surrealista no meio da tragédia. Explorar quem passa por uma tragédia é algo inimaginável mesmo para a plástica inteligência dos filósofos gregos. Enquanto a solidariedade se ampliava em Paris, a exploração da tragédia marcaria o lado de cá. No entanto, parece que a reação comum, ou humana, foi mesmo a solidariedade de lá e de cá. Solidariedade dos moradores que acolhiam pessoas perdidas e sem saber para onde ir na capital da França, dos motoristas de taxi da cidade luz que levavam os cidadãos sem cobrar a corrida e aqui de voluntários que com seu trabalho e doações encheram os ginásios de Mariana de donativos e solidariedade humana, em magnífica demonstração de apoio.
Essas tragédias nasceram não da quebra da ordem divina do mundo como um dia pensaram os antigos gregos, mas da negligência e imprudência de uns e da ignorância e brutalidade de outros. Nos dois casos foi o homem quem promoveu a desgraça, espalhou a dor, deu livre curso à perfídia. Foi a ação humana que alcançou a vida de inocentes e rompeu a ordem precária do mundo, ecológica aqui, política lá. Nos dois casos a mesma sensação amarga de que o desastre poderia ter sido evitado com algum cuidado.

Das tragédias uma única coisa se salvou, a solidariedade diante do desespero. A solidariedade capaz de mudar, pelo respeito à dignidade humana o aspecto terrível do que nos acontece. Da vida constata-se que certo são as incertezas que nos alcançam em qualquer parte e a qualquer tempo. Fica sempre um desafio depois da tragédia, superar o absurdo e o horrível que ela provoca e tentar impedir, parece que sem sucesso, que um novo desastre se repita. O que talvez possa resultar do cuidado é redução do número de tragédias que acompanham a história do homem. Alguma com certeza virá, em algum dia, quando menos estivermos esperando.

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