sexta-feira, 3 de maio de 2013

A meditação sobre a dignidade. José Maurício de Carvalho





Foi publicado recentemente o livro Pessoa e Dignidade Humana de Urbano Zilles, pela CRV de Curitiba. A obra examina o que a tradição culturalista brasileira considera seja o valor nuclear da cultura ocidental cristã: a pessoa humana. O livro é de cunho filosófico, mas o autor se vale da condição de sacerdote e teólogo conhecedor do debate que sobre o tema realizaram os pensadores cristãos para complementar sua investigação filosófica. A obra originou-se num curso oferecido no programa de pós-graduação em Filosofia da PUC/RS.
Não parece que há um tema tão atual e necessário para nosso país onde o noticiário estampa quotidianamente crimes contra a pessoa em números assustadores. Não há nada tão atual num mundo onde o terrorismo atua desrespeitando os direitos fundamentais do homem, notadamente o de viver, o primeiro deles. Estamos ainda perplexos com as bombas que mataram três pessoas e feriram dezenas durante a Maratona de Boston na semana que passou. Embora nesta altura ainda não se saiba os motivos, sabe-se que o ato foi executado por dois jovens de origem russa, mas que viviam há décadas nos Estados Unidos.
O que se apreende no livro de Zilles é que os conceitos pessoa e dignidade “não são empíricos, mas situam-se na dimensão espiritual” (p. 7). Dimensão espiritual, esclareça-se, é o lado de dentro do Homem. Conforme ele explica: “o ser humano não existe sem a dimensão empírica, mas não se reduz a ela” (idem, p.7). Justo por isto, a ciência, olhando-o como poeira cósmica ou um ente minúsculo num planeta ínfimo localizado num canto qualquer de um universo em expansão, ou ainda, vendo-o como um complexo mecanismo biológico, não fornece elementos para justificar sua dignidade. Além disto, o humanismo ocidental encontra-se sob suspeição de modo que é necessário repensar a condição humana para justificar a dignidade da pessoa. Para fazê-lo, Zilles recupera o exame do problema recordando o que se pensou sobre o assunto na tradição filosófica do ocidente. Ele esclarece que a Ética aprofundou o exame do problema lembrando que “ampliamos o conceito de pessoa, considerando pessoas aos bárbaros, aos índios, aos negros, às mulheres, aos deficientes físicos, aos gays, enfim, aos diferentes” (p. 11). No entanto, considerar todos os homens pessoas não é posição unânime entre os filósofos, bastando lembrar o que pensam Peter Singer e H. T. Engelhardt. Este último diz que “alguns membros de outras espécies de animais são pessoas e alguns da espécie humana não o são” (idem, p. 11). Reintroduz-se assim o conceito excludente de pessoa já existente em outros tempos. O autor considera que as imagens de homem elaboradas na cultura ocidental: a filosófica, a teológica e a científico-biológica, embora distintas, “não se excluem mutuamente quando entendidas adequadamente” (p. 13). Estes seriam os elementos nucleares da obra.
O livro de Urbano Zilles é coerente com sua trajetória intelectual de pensador católico para quem o tomismo é tomado como perspectiva ou instrumento de diálogo com o mundo moderno. Neste mundo os filósofos se defrontam com assuntos científicos e técnicos e não podem deixar de reconhecer a força destes elementos culturais, embora muitas vezes eles sejam insuficientes para o esclarecimento de temas como a dignidade humana. Para o assunto, ele mostra, mais contribuíram os filósofos e teólogos cristãos. Desta forma, ao reconstituir o debate sobre a dignidade, o autor o fará sem preconceitos, destacando o contributo dos teólogos cristãos e dos filósofos. Destaque-se como prova do que se disse acima o destaque que ele dá ao legado de Kant e Husserl para a Ética, a reconstrução histórica do debate sobre a dignidade humana e, especialmente, o esforço de situá-lo nos marcos da natureza e da cultura. 

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