sexta-feira, 1 de dezembro de 2017

VERGONHA E CULPA. Selvino Antonio Malfatti.





O Papa Francisco diz que na narrativa da Paixão identifica três Vergonhas.
A primeira acontece com Pedro. Quando ouve o galo cantar sente algo dentro de si. Chora e se envergonha.
A segunda aparece com o bom ladrão. Diz ele: nós estamos aqui por que somos culpados. Então, sente-se culpado e envergonhado. A vergonha abre-lhe o paraíso.
A terceira abate-se sobre Judas. Diz aos sacerdotes: pequei por que traí o sangue inocente. Os sacerdotes o mandam embora. E Judas sai envergonhado e com a culpa latejando na consciência. Não conseguindo livrar-se da vergonha da culpa, enforca-se.
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Como explicar antropologicamente a culpa? Por mais que alguém se examine, não a encontra e ela persiste dentro de dele.

O cristianismo soluciona através do dogma de culpa original.

Se a causa de todas as culpas é a primeira culpa da qual não sou culpado porque então sou culpado? Se a culpa for estrutural como solucionar com a conjuntura? Se a culpa é institucional como posso eliminá-la?

Embora não se tenha lembrança dívida com alguém e nem tenha causado algum desagrado, mesmo assim persiste a culpa, A culpa, a cima de tudo, não é uma razão, mas sentimento. É algo do qual queremos livrar-nos. Apesar de alguém ter certeza de que pode ser feliz, não o é porque subsiste o sentimento de culpa. Junto com a culpa vem o remorso que mata, por dentro, a esperança de felicidade. Por mais que se queira explicar a si mesmo que não há motivo de culpa, ela reaparece enchendo a alma. É como Caim que vaga pelas florestas, corroído de remorso pela morte do irmão Abel. Neste caso há uma causa, o assassinato do irmão. 

E quando sem causa se sente a culpa? Desde que o homem teve consciência de si, sentiu-se culpado.  Por que um pagão como Anaximandro diria que não há culpa maior do que o de ter nascido? Por que Platão diria que a culpa é por não conhecer a verdade?  Assim se pode desfilar os grandes pensadores da humanidade como Rousseau que encontrou a sociedade seu bode expiatório. Se não fosse a sociedade o homem poderia ir ao encontro de seus desejos, satisfazer suas paixões, entregar-se à felicidade da vida, sem culpa, se não fosse a sociedade. O indivíduo é bom, não tem culpa. A sociedade é má, a culpada.

Nietzsche, na mesma linha, vê na sociedade não só estratégias de controle, mas formas de poder. Há os que querem demonstrar que o mundo não é como deveria ser. Eles dizem aos homens o que devem fazer, como se portar, até mesmo ordenando-lhe agir contra a sua natureza. O próprio Deus seria um desses pretensos idealizadores de felicidade. Mas todos estão mortos: monarcas, nobres,inclusive Deus. Mas algo sobreviveu: o sentimento de culpa.

Já Freud tira Deus do céu e o acomoda no coração do homem. Nele faz o papel de juiz, o Superego. Este impõe ao homem um código moral que inevitavelmente é transgredido, engendrando o sentimento de culpa.

E os filósofos da existência, como veem a culpa. Para Jaspers é uma situação limite, dela o homem não pode furtar-se. Heidegger vê na culpa um modo de ser do ser-aí, uma atribuição substancial do ser humano. Em última análise, em ambos a culpa é um trajeto inexorável. Tudo o que o homem fizer, ele pode ter certeza que será culpado. Se fizer o bem, ou se fizer o mal, ou mesmo se não fizer nada, sentir-se-á culpado. A culpa é a condição humana. 

E o pior dos enigmas da culpa: quanto menos culpado se é, mais culpa se sente. Um santo se sente mais culpado que um assassino psicopata



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