sexta-feira, 2 de março de 2012

A COMPULSÃO. Selvino Antonio Malfatti.





II
 RESUMO: A prevalência dos instintos, com a colaboração da razão, dá origem à corrupção do ser humano. E quando esta situação tornar-se uma obsessão, então haverá a compulsão. 

No nosso artigo anterior refletimos um pouco sobre a compulsão pelo poder. Evidentemente a compulsão não se manifesta somente quanto ao poder. Todo vício humano é compulsão. Poderíamos nos perguntar pela origem ou em que se fundamenta.
O agir humano possui duas dimensões: a animalidade e a racionalidade. Pela primeira, guia-se pelos instintos para agir. Pela segunda, dirige sua ação guiado pela razão, e por isso age eticamente. Como as duas dimensões formam uma única individualidade no homem elas podem estar em harmonia, mas também em conflito. Podem auxiliar-se mutuamente tanto para o bem como para o mal.
O agir racional, porém, está condicionado à animalidade. Para que possa se dedicar ao racional o homem necessita de um satisfatório funcionamento biológico, de produção material suficiente de coisas para subsistir e de uma individualidade no meio da pluralidade.
Os homens não nascem homens, mas se fazem no decurso de suas vidas. Eles são frutos de um eterno “fieri”, do nascimento à morte. O ser humano não faz parte das coisas, mas sua existência está condicionada a elas. É com elas que ele pode tornar-se distinto delas. As coisas são ferramentas para o homem desprender-se delas. Precisa de artefatos terrenos para abandonar a Terra[1]. E por isso, como todo ser vivo, motiva-se pelos instintos. Circunscreve-se até aqui à animalidade.
Preenchida esta condição  o homem pode lançar-se à reflexão. Esta se faz pela racionalidade ou representação. A racionalidade no agir humano, se propõe fins. A racionalidade se opõe ao instinto que, ao invés de prever a ação humana, determina-o. Quando os instintos se sobrepõem à racionalidade no agir humano eles substituem os valores ou os fins racionais. Eles deslocam o sentido racional e os valores que deles decorrem o degradam. A humanidade é substituída pela animalidade, inclusive com a colaboração da razão. Nisso consiste a corrupção do homem.
A convivência é formada de relações e de passagens intermediárias, como vida familiar, a vida social e desta para a política. Evidentemente que, uma das mais significativas, é a relação entre o homem-cidadão e o homem-político. Sobretudo porque são esferas distintas embora continuadas. O cidadão preexiste ao político. O político, inclusive, depende da maneira que foi preparado como cidadão. Por isso, o conjunto e o resultado das ações que preparam o cidadão constituem a cultura cívica. O cidadão é um político potencial. Como cidadão, ele estende seu agir aos mais diversos espaços da vida humana: à economia, religião, profissão e política. Nessa ação, ele age, de acordo com a cultura na acepção kantiana, que diz: “...a capacidade de escolher os próprios fins em geral ( e, portanto, de ser livre) é a cultura.”[2] Esse é o sentido da paidéia grega ou humanitas latina,  a qual indica um agir específico do homem em oposição ao animal, criando um ethos cívico, ou o “animal político”, segundo Aristóteles.
Diante disso, o homem pode pautar-se por um comportamento guiado pela animalidade – prevalecendo os instintos - ou pela racionalidade e neste caso a ética sobrepõe-se. Podemos ainda citar uma terceira situação: prevalência dos instintos com a colaboração da razão. Neste caso temos a corrupção do ser humano. E quando esta situação tornar-se uma obsessão, então haverá a compulsão. Este apetite desordenado tem sua origem no instinto maximizado, potenciado pela razão. Aliás, todo tipo compulsão é uma procura obsessiva para satisfazer o instinto: mandar, comer, beber, sexo, bens etc. O animal não consegue ter a compulsão por que lhe falta a razão.
Como neutralizar o instinto, fortalecendo a racionalidade e, a partir dessa, atingir a genuína humanidade? Em outras palavras, como preparar o homem para a ética e evitar a compulsão dos instintos? É o papel das várias ciências humanas como psicologia, educação e pedagogia entre outras.
Para amenizar a aridez do raciocínio supra, trago uma piada de compulsão para o furto do imaginário popular.


O presidente dos Estados Unidos, a rainha da Inglaterra e a presidente do Brasil estão num avião. Lá pelas tantas Obama diz:
- Estamos passando por Nova Iorque.
- Como sabes? – perguntam os outros dois.
-Vejo a Estátua da Liberdade.
A viagem prosseguia. Depois de algumas horas diz a rainha da Inglaterra:
- Estamos passando por Londres.
Os outros perguntaram como sabia.
- Estou vendo o Big Ben.
Mais tarde a presidente do Brasil também intervém e diz:
- Estamos passando por Brasília.
- Como sabes?
- É que botei a mão para fora e fiquei sem o relógio


[1] ARENT, Hannah. A Condição Humana. 7ªed., Rio de Janeiro, Forense Universitária, 1995,p.15-30.
[2] KANT, Immanuel. Crítica da Faculdade do Juízo. Rio de Janeiro, Forense Universitária, Parágrafo 83, 1995.

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