sexta-feira, 15 de setembro de 2023

Para além do conhecimento, um coração humano. José Mauricio de Carvalho

 


                                         Judeus indo para as câmaras de gaz.

 

Há um texto bastante conhecido que consta haver sido encontrado, ao final da Segunda Grande Guerra, num campo de concentração. Não sabemos se verdadeiramente foi, mas ele resume uma experiência tremenda do que ali se passou. Aquelas palavras mostram algo contrário a noção positivista de sacerdócio da humanidade. Em outras palavras constata, contra a tradição positivista de sacerdócio da humanidade, que a desejável competência intelectual é imprescindível para fazer um homem melhor, mas não o torna uma pessoa moral. Eis o texto:

 

Prezado Professor, sou sobrevivente de um campo de concentração. Meus olhos viram o que nenhum homem deveria ver. Câmaras de gás construídas por engenheiros formados. Crianças envenenadas por médicos diplomados. Recém-nascidos mortos por enfermeiras treinadas. Mulheres e bebês fuzilados e queimados por graduados de colégios e universidades. Assim tenho minhas suspeitas sobre a Educação. Meu pedido é: ajude seus alunos a tornarem-se humanos. Seus esforços nunca deverão produzir monstros treinados ou psicopatas hábeis. Ler, escrever e saber aritmética só são importantes se fizerem nossas crianças mais humanas.

 

Esse texto sintetiza, de forma maravilhosa, uma experiência necessária ao nosso tempo. Queremos que a competência que o conhecimento encerra não se torne motivo de vergonha pela ausência de compromisso moral. O contrário é o que se deseja, que o conhecimento aprendido não se afaste do respeito humano próprio e por outras pessoas. Enfim, que se respeite o próximo como a si mesmo, conforme ensinou o Profeta de Nazaré, grande mestre a humanidade (Mt 22, 34-40 e Mc 12, 30-31).

 

O filósofo alemão Immanuel Kant recuperou a síntese feita por Jesus dos Dez mandamentos e sistematizou um ideal de homem. Em resumo, o homem é alguém que tem valor absoluto ou que é um fim em si mesmo, não podendo ser usado como meio para se obter o que quer que seja. Kant reconheceu, com seu imperativo, que o homem é o maior valor com que temos que lidar. O imperativo categórico resume o modelo ético kantiano e indica como o problema da escolha deve ser enfrentado, no plano filosófico. Na escolha da lei moral é que reside a liberdade humana, porquanto é necessário resistir às inclinações de nossa condição animal e escolher não fazer o mal. Uma ordem moral, assim parece a Kant, não pode ser fundamentada em elementos que não são obrigatórios, o que não significa que seja necessário suprimir as inclinações para que uma ação seja considerada moral. O que Kant pretende é estabelecer as condições para que uma ação possa ser aceita como moral indo além do conhecimento de como o mundo funciona.

O conhecimento da filosofia e da ciência não são dispensáveis, a ignorância e o fanatismo também contribuíram para a barbárie perpetrada nos campos de concentração. Porém o conhecimento é insuficiente se não vem acompanhado da capacidade crítica de avaliar o conteúdo e do compromisso moral de fazer o bem e evitar o mal.

 

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