quinta-feira, 7 de novembro de 2019

A jornada humana: para os que fazem da história um compromisso de vida. José Mauricio de Carvalho. Academia de Letras de São João del-Rei




Pode-se falar de muitos aspectos de uma jornada, do caminho percorrido, das impressões vividas no trajeto, da paisagem com seus encantos e desafios, do olhar em perspectiva para tudo o que foi experimentado no deslocamento, das lições que o percurso deixou. Sempre há o que observar e relatar, pois isso que resultou do percurso é a vida já vivida, a vida que se fez no tempo dessa jornada. Vida é mesmo esse que fazer no tempo.
Tempo é do que trataremos, o que nos tece e nos torna diferentes do que éramos e, também, mesmo sendo distintos, ainda nos mantém iguais ao que já fomos um dia. Um pouco fica e outro muda. E o que muda guarda algo do que ficou. Melhor assim, quando estão unidas essas pontas que amarram o não mais ao ainda surge um compromisso íntimo de jornada que não nos afasta do que somos. Essa deliciosa experiência no tempo foi resumida pelo filósofo espanhol Ortega y Gasset nos seus estudos sobre a vocação. Para ele, o homem só está seguro de si quando é fiel a sua vocação. Contra o intento de ser o que não é, declara o filósofo, na segunda parte de España Invertebrada, na fórmula de Píndaro (ORTEGA Y GASSET, José. España Invertebrada. Obras Completas. v. III, 2. reimpresión, Alianza, Madrid:  1994, p. 102): “voltemos as costas para as éticas mágicas e fiquemos com a única aceitável, que faz vinte e seis séculos resumiu Píndaro em seu ilustre imperativo: torna-te o que és.”
 Esse tecido da existência, que é o tempo, une no momento presente tudo o que se passou e se alimenta da esperança e responsabilidade pelo que virá. Assim é quando está amarrado pela missão existencial que é a concretização social da vocação. Se não estão presas as pontas do passado e do futuro as escolhas ficam sem esse fio íntimo que lhes dê coerência e sustentação. É a esperança renovada e a responsabilidade com o próprio destino que alimenta a vida e impede que o passado seja simplesmente um cadáver, que possa ter sentido e ser o alimento de novas coisas. Assim, enquanto a vida continua é a esperança de futuro, recuperando o passado e alimentando o presente que tecem aquilo que chamamos história. História que tem raízes na temporalidade do homem, nas escolhas que a vida permite e nas alternativas que ficam abertas na circunstância, que é única, para cada pessoa.
A vida humana é história, vivê-la de forma consciente é assumir a responsabilidade pelo futuro. É essa consciência que permite entender o passado como tecido de escolhas e não fatalizá-lo. Ao reconhecer as alternativas anteriores, é possível avaliar as alternativas do futuro.
Assim, a história já vivida não é apenas a matéria-prima dos historiadores, mas a possibilidade ainda não criada e por criar. O futuro não é um prolongamento do passado, mas a poesia a ser rimada a partir do que se tem por viver.


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