quinta-feira, 18 de dezembro de 2025

Natal, um convite para dialogar com Deus. José Mauricio de Carvalho

 



As festas mais importantes da cristandade são: o Natal, a Páscoa, Pentecostes e Corpus Christi. Elas são momentos fundamentais de um diálogo com Deus onde a Igreja considera: o plano maior do Pai para a humanidade e a encarnação do Filho, a morte e ressureição do Filho como plano salvífico do homem, a presença real do Espírito Santo de Deus e a permanência de Jesus no mundo como sacramento. São todas elas um convite que a Igreja faz para um diálogo pessoal com Deus, para meditar sobre seus planos, para descobrir nosso lugar único na construção de um mundo melhor e feito para irmãos. Jesus de Nazaré chamou o resultado desse diálogo de Reino de Deus. Esse Reino é uma forma de viver, não uma realidade física, mas um compromisso moral e de fé. O Reino está em toda parte onde houver o diálogo, o encontro com Deus e com os irmãos. Ele não vem com milagres, festas e barulhos, sua realidade é já o milagre e a recompensa. Esse Reino é regido por Deus, alimentado por sua presença. Podemos participar dele ou não.

De todas as festas da Igreja, igualmente importantes para o conhecimento do plano salvífico de Deus, o Natal é aquela que mais de perto toca o nosso coração. E o faz pela ternura e significado do que é comemorado. No natal Deus não se manifesta poderoso, altíssimo, cheio de força, glória e esplendor. Ele se apresenta como uma criança comum, cuja vida é já o milagre. Em cada criança que nasce, Deus oferece a oportunidade do seu Reino, como naquela criança de Belém (Gálatas, 4, 4-5): “quando chegou a plenitude do tempo, Deus enviou seu Filho, nascido de mulher, nascido debaixo da Lei, a fim de redimir os que estavam sob a Lei, para que recebêssemos a adoção de filhos.” E a descrição desse fato grandioso é singela (Lc. 2, 4-7): “Assim, José também foi da cidade de Nazaré da Galileia para a Judeia, para Belém, cidade de Davi, porque pertencia à casa e à linhagem de Davi. Ele foi a fim de alistar-se, com Maria, que lhe estava prometida em casamento e esperava um filho. Enquanto estavam lá, chegou o tempo de nascer o bebê, e ela deu à luz o seu primogênito. Envolveu-o em panos e o colocou numa manjedoura, porque não havia lugar para eles na hospedaria.”

A presença de Jesus no mundo instaura o Reino, porque a criança de Belém nos coloca, a cada ser humano diretamente, diante do dilema: ou o aceita ou o rejeita. E a resposta é existencial, não somente com palavras. Ele o explicou, trata-se de acolhê-lo com a vida, a fé e as obras. Trata-se de viver com amor na casa comum, com respeito à natureza que Deus nos ofereceu, em paz com os irmãos e, finalmente, com Ele próprio. Portanto, o natal, a singeleza da ocasião e a simplicidade da chegada da divina criança nos mostra efetivamente o sentido do Reino. Ele é espaço da fraternidade. Não há Reino quando o sofrimento dos mais simples não nos toca; não há Reino numa sociedade injusta e que nada faz para melhorá-la. Não há cristianismo em nada disso.

O sociólogo Zygmunt Bauman avaliava que sem religião a sociedade humana não encontraria meios de administrar o caos de suas relações e não conseguiria dar respostas adequadas a elas. O processo da destruição de Deus teria começado, segundo ele, na modernidade sólida. Porém, ao contrário do que ele avaliou, a modernidade não eliminou Deus, mas a confiança na razão e a esperança num mundo racional apenas o eclipsou, como melhor descreveu Martin Buber. O problema que enfrentamos hoje em dia é que o cidadão comum não se ocupa de questões profundas de qualquer natureza e nem reconhece suas próprias limitações para estabelecer relações pessoais significativas. Ele vive na imediatez, na busca do prazer, nas ocupações diárias de um trabalho esgotante e absorvente, na distração superficial dos momentos de descanso e está perdido na provisoriedade dos dias. Ele até admite uma religião e um Deus poderoso, mas isso não o livra do tédio, pois não constitui uma crença esclarecida e nem o conduz a um diálogo pessoal com Deus, como o filósofo Martin Buber sugere ser o fundamento da fé.

O homem comum de nossos dias, de modo geral, possui, quando tem, uma fé superficial (com teor moralizador) simplificadora da realidade e dicotomizada (nós os bons crentes e eles os maus), trata-se de uma crença descontextualizada, ideologizada, com um pano de fundo violento, radical, que é contrária aos ensinamentos da ciência que não confirma sua crença, com déficit moral (deseja o pior aos outros), possui medo do novo, do diferente, do estrangeiro, do estranho. Enfim, mais que ostentar uma fé que se abre ao transcendente, ele vive um conservadorismo adoecido de fundo religioso, que demanda um líder forte, um religioso radical que pense e lhes dê direção ou mesmo um líder político que o dirija no mesmo sentido (um guia, um Führer, um Duche), já que o indivíduo não tem capacidade de conversar com a realidade, de entendê-la. Ele não escuta quem entende e espera tornar-se protagonista do cenário.

Num tal cenário, desejo que a festa do natal ofereça a oportunidade, a cada pessoa de boa vontade, de aprofundar o sentido da cristandade e aprender a enxergar o que Deus espera de dele nesse mundo.

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