sábado, 7 de março de 2015

Delfim Santos, a vida do espírito e a meditação ética. José Maurício de Carvalho - UFSJ






A crise instaurada no país pelo escândalo da Petrobrás mostra um triste aspecto do patrimonialismo nacional, a relação imoral (além de criminosa) entre funcionários corruptos, incluídos políticos e empresários sem escrúpulo, que se unem no propósito de se apropriar, de modo inadequado, das riquezas públicas. Assegurando o ganho fácil e a prestação inadequada do serviço, prejudicam duas vezes a sociedade a que pertencem. Nesse caso, o fato recentemente divulgado pela imprensa demonstra a falta de controle da empresa estatal, mas também a fragilidade moral de altos funcionários da República, aí incluídos políticos.
Há quem não considere a falta de preparo moral dos funcionários, ou a fragilidade da matriz cultural patrimonialista brasileira, onde os problemas morais não foram e não são devidamente discutidos, para centrar toda a carga na ineficiência dos mecanismos de controle da empresa. Esta perspectiva parece frágil. Primeiro porque desconsidera que em algum momento da vida social o sujeito estará só com sua consciência e tomará decisões. Mesmo em sistemas muito seguros há sempre uma forma de fraudar, em especial se estamos falando da equipe dirigente que não tenha internamente nenhuma restrição a cometer atos imorais.
Por outro lado, não há como consolidar uma boa vida em grupo sem base moral. O filósofo português Delfim Santos lembrava que uma participação qualificada na vida social depende da densidade da vida pessoal. Uma vida social qualificada não significa igualdade entre os indivíduos de uma nação, mas a possibilidade igual de serem eles diferentes uns dos outros na afirmação da própria singularidade. Só nessa desigualdade existencial, ou melhor, na diversidade de vocações encontram os indivíduos humanos um sentido pessoal para a própria vida e só assim ele será capaz de cooperar com os demais membros do grupo e sustentar os legítimos interesses nacionais, porque também desenvolverá elementos morais.
A afirmação da diversidade pessoal e realização de vocações particulares exigia, disse o filósofo português, a superação de dois graves problemas da cultura ocidental contemporânea. O primeiro é o afastamento do homem de si mesmo, o que redunda numa vida infeliz dedicada ao trabalho vazio e à distração sem sentido das horas de descanso. Daí resulta o segundo grave problema a superar que é a sociedade redutora, incapaz de alimentar a vida do espírito, o pensamento, a reflexão, caindo no vazio da existência, mas também na falta de meditação moral. Sem pensar rotineiramente no que é correto e no que não é, sem meditar sobre nossas escolhas diárias, a vida parece se perder em ações irresponsáveis, ou em opções descomprometidas do que é certo.
Quando realçamos, como parte de nossas dificuldades culturais, os problemas que emergem no país por não se discutir as questões morais, não é porque nossa sociedade seja naturalmente imoral. Nenhum povo é naturalmente imoral. É porque parece ineficiente o discurso moralista de ficar condenando os atos imorais quando surgem ou esperar da justiça a punição dos malfeitores. Melhor é a meditação ética que previne e produz efeito em indivíduos habituados a pensar sobre a correção de suas ações. E também se deve considerar que, por mais controle que exista, e deve mesmo existir, em algum momento o indivíduo estará só com sua consciência e fará escolhas de grande repercussão na vida da sociedade a que pertence. Se não tiver esse autocontrole acabará encontrando um caminho para fraudar o sistema, prejudicar alguém ou todo o grupo. Um comportamento mantido apenas com punição, sem recompensas sociais e morais, retornará diante da ausência do agente punidor.

Ao estudar as meditações de Delfim Santos sobre a vida social contemporânea, seus desafios e o futuro da sociedade, entendemos tanto o sentido da moralidade como uma das dimensões da existência, como seu papel na construção de um grupo socialmente bem estruturado. 

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