sexta-feira, 1 de agosto de 2014

Uma nova ferida que se abriu. José Maurício de Carvalho -UFSJ




A chuva desse último final de semana de julho no sudeste do país foi particularmente importante para a região e um alívio para a secura na cidade. Foi recebida como um alívio.
Esse último final de semana de julho, apesar dessa chuva bem vinda, não foi contudo, um momento feliz para a cidade. Nossa terra amanheceu sem outro de seus casarões centenários, nova ferida aberta no cenário urbano que surge pela destruição de um exemplar arquitetônico que deveríamos orgulhar de manter. Pior que das outras vezes é que a destruição também atingiu uma área verde ao lado da propriedade, uma área que precisava ser mantida junto com a edificação. Preservar para as futuras gerações, por Minas e pelo Brasil.
Ao insistir no tema da preservação de nossa memória e no cuidado ambiental como valores reconhecidos e legítimos, Miguel Reale os denominaria invariantes axiológicos, somos movidos pela esperança de que todos os cidadãos se sensibilizem com esses valores. E nossa comunidade vai, aos poucos entendendo essa mensagem. Esse novo clima é sentido de modo geral, mas episódios como o desse final de semana prejudicam a emergência do novo, trazendo de volta o pior do passado recente, concretizando interesses ilegítimos porque ilegais e que atacam valores reconhecidos.
Destruições como essa tornam-se o lado triste de nosso tempo. Elas acabarão vinculando a atual geração com aquelas parcelas que não souberam preservar a belíssima paisagem urbana legada pelos séculos XVIII e XIX. Tomar consciência disso é assumir um compromisso com o futuro. Para fazê-lo melhor é preciso mudar a insensibilidade para os valores ecológicos e de preservação cultural, reafirmando um tempo novo e uma nova compreensão de História pelo respeito aos bens culturais e ecológicos.
Essa concepção de História como criação humana e preservação de valores racionalmente reconhecidos e legitimamente consagrados nas leis do país precisa impedir ações especulativas como essa. O momento atual é um presente que se põe entre um passado importantíssimo e um futuro que temos que construir com a inspiração desse legado. Se fazemos dos dias de hoje um momento bárbaro de ignorância e destruição de nossa memória, não teremos um futuro alicerçado nesse passado construído e na experiência que ele propicia. O que existiu se degrada em pó e desaparece na recordação de alguns que levarão para o túmulo o que era para ser a base dos projetos de futuro de nossa cidade. Mata-se a esperança da renovação criativa,  destruindo os bens e os tornando objeto de nostalgia de velhas memórias que em pouco não existirão mais.
A história de uma sociedade não é um prolongamento automático do seu passado, mas também não é uma criação do nada que apaga o que foi deixado pelas gerações anteriores. E assim, numa cidade como a nossa o legado dos séculos XVIII, XIX e XX precisam conviver e inspirar o que hoje se vai fazer nesse início de século XXI. Contra a ilusão de que podemos viver sem esse passado inspirador, vamos fazer surgir a visão contrária. Esse legado de nossos avós não pode ser jogado fora impunemente.
Mesmo sendo esse o ambiente geral sabemos que a vida humana é marcada pelas escolhas e suas consequências. A base da responsabilidade é o reconhecimento de que o sujeito pode prever o resultado de seu comportamento e fazer suas escolhas. O filósofo alemão Immanuel  Kant disse algo parecido quando afirmou que a imputação é o juízo pelo qual alguém é considerado o autor, isto é, capaz de escolher uma ação que é submetida a leis e ser punido em razão do que fizer contra a sociedade.
Esperemos que a justiça reconheça esse ato contra nossa História e nossas leis e responsabilize o autor ou autores desse atentado triste. Não teremos um tempo novo de valores renovados para nos orgulharmos com atitudes como essa.  

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