sábado, 30 de junho de 2018

Ricardo Vélez-Rodríguez.ANA E AS SUAS IRMÃS: O ESTADO MAIS FORTE DO QUE A SOCIEDADE ESTÁ NA ESQUINA

ANA E AS SUAS IRMÃS: O ESTADO MAIS FORTE DO QUE A SOCIEDADE ESTÁ NA ESQUINA


Imaginamos que o Estado Patrimonial, caracterizado por ser mais forte do que a sociedade, está em Brasília. Ledo engano. Os seus tentáculos estão na esquina, topamos com eles em todas partes, perto de onde moramos. Aquele mostrengo antediluviano, que Thomas Hobbes chamou de "Leviatã" (apelativo de monstro bíblico que tudo engole) e que o grande Max Weber caracterizou como "Estado das Autoridades" (Obrigkeitsstaat) contraposto ao "Estado do Povo" (Volkstadt), ou simplesmente como "Estado Patrimonial" contraposto a "Estado Contratualista" reside, nos dias de hoje, perto de onde moramos, encarnado nas denominadas "Agências Reguladoras" que, no Brasil, têm como finalidade garantir que os serviços prestados pelo Estado e pelas empresas que o servem, beneficiem realmente aos cidadãos. 

Os nomes das Agências são monocórdios, parecendo mais as irmãs trânsfugas da Ana, a gastadora: ANA (Agência Nacional de Águas), ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), ANATEL (Agência Nacional de Telecomunicações), ANAC (Agência Nacional de Aviação Civil), ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis), ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica), ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar), ANCINE (Agência Nacional de Cinema), ANTAQ (Agência Nacional de Transporte Aquaviário),  ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres). Dez irmãs perdulárias que fazem as desgraças dos cidadãos. 

Com estatuto legal de "autarquias sob regime especial", as flamantes Agências viraram cabide de emprego para cumpinchas partidários dos donos do poder. Não servem ao cidadão. Servem, como diria Aristóteles dos corruptos, "a si próprias". Melhor: aos gatos gordos instalados comodamente nas suas dependências, que ganham os canos sem se incomodarem em dar satisfação à sociedade. É uma sem-vergonhice sem tamanho, ou melhor com tamanho gigantesco, que consome bilhões de reais para manter funcionando uma estrutura que não presta. 

É urgente reivindicarmos transparência  total no funcionamento dessas Agências Reguladoras. Mas sem subterfúgios parlamentares nestes tempos de CPIs fajutas (que, à semelhança da que pretende investigar a Operação Lava-Jato, são instaladas pelo Parlamento para desmontar uma ação saneadora que está dando certo). Precisamos de um mecanismo eficiente de prestação de contas dessas Agências, talvez um comitê misto, criado pela sociedade civil junto ao Ministério Público e integrado por pessoas idôneas indicadas pelos cidadãos e por parlamentares probos, aprovados pela sociedade civil.

O saudoso amigo José Osvaldo de Meira Penna chefiou, por dever de ofício uma dessas agências, a ANCINE, nos anos 80 do século passado. (O governo da época tinha decidido sanear esse canto colocando nele um diplomata alheio aos conluios partidários). Contava-me que ficou estarrecido com o que encontrou: um sem-número de oportunistas incompetentes, especializados em "ajudar" cinegrafistas falidos, cuja contribuição à cultura nacional consistia em produzir pornochanchadas de péssima qualidade. "Desse jeito, nem a cama aguenta" frisava o meu amigo, tal o acúmulo de vulgaridade e corrupção que encontrou na agência.

O jornalista Claudio Humberto, na sua coluna, tem informado, ao longo dos últimos meses, a situação atual de algumas dessas agências. Tudo se esvai num conluio de oportunismo, corrupção e incompetência, sempre com a mesma finalidade: favorecer amigos e lascar inimigos. Isso ocorre na ANVISA, na ANP, na ANATEL, etc. Essas agências foram ocupadas partidariamente pelo governo, com nomes indicados pelos políticos, a fim de manterem benefícios para minorias incrustadas na burocracia oficial. Sempre lesando os interesses dos contribuintes. 

Ocorre assim, por exemplo, com a Agência Nacional de Saúde Suplementar, a ANS, cujo atual diretor era advogado das grandes empresas prestadoras de serviços ao Ministério da Saúde e cuja única preocupação consiste em encher as burras das indigitadas empresas, reajustando os planos de saúde suplementar por cima da inflação, onerando assim brutalmente os cidadãos que buscam esses planos, notadamente os que passaram dos 70 anos. A canalhice é de tamanho federal. O cidadão brasileiro, que já é descontado em folha para sustentar o Sistema Único de Saúde (que não funciona), paga somas escorchantes ao Plano de Saúde Suplementar para alimentar a burocracia corrupta. Haja paciência!

Algo semelhante acontece na ANAC (Agência Nacional de Aviação Civil) com os fajutos planos de "barateamento de passagens aéreas" que de barateamento não tiveram nada, desde a divulgação das novas políticas há dois anos atrás. O único que ocorreu de bom foi para beneficiar as empresas aéreas mancomunadas com a Agência Reguladora para não deixar entrar a concorrência estrangeira. Foram barradas as empresas europeias e norte-americanas de viagens "low cost", a fim de serem aumentados sem controle os preços dos serviços. O brasileiro passou a pagar caro pela bagagem transportada, sem que as passagens tivessem diminuído de preço. Nova sacanagem com o contribuinte. Evidente que os dividendos dos ganhos devem ter alguma destinação: o bolso dos funcionários corruptos, bem como os dos aproveitadores prestadores de serviço, as gloriosas "empresas nacionais".

Coisa semelhante ocorre com a ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis) que tem envidado esforços enormes para cometer duas irregularidades: importar etanol podre caro e forçar a venda do mesmo para as empresas distribuidoras, impedindo aos produtores nacionais de etanol limpo que o distribuam diretamente aos postos, a fim de não deixar baratear os preços. Tudo, claramente, em benefício dos gatunos intermediários mancomunados com a agência oficial. Causa indignação tanta desfaçatez praticada à luz do dia, sem que os organismos de controle do Estado tomem as dores dos lesados de sempre: os brasileiros.

De outro lado, as Agências Reguladoras saem caras para o bolso dos contribuintes. Claudio Humberto frisa: "As 'agências reguladoras', frequentemente acusadas de beneficiar empresas que deveriam normatizar, custam ao País R$ 1,575 bilhão por ano somente com o imenso cabide de empregos que criaram. No total, são dez agências ocupando quase 6 mil cargos. A mais cara delas é a de vigilância sanitária (ANVISA), com um orçamento total de R$ 535 milhões por ano. A de telecomunicações (ANATEL) é a mais barata, custa R$ 38,9 milhões, e nem por isso é a menos ineficiente" (In: Folha de Londrina, edição de 23 e 24 de junho de 2018, p. 4).

As Agências Reguladoras perderam a sua razão de ser. Ou trabalham em prol de beneficiar os contribuintes brasileiros, ou devem ser fechadas. Como seria bom se os holofotes do Ministério Público fossem projetados sobre esse emaranhado de oportunistas e incompetentes, sentados comodamente nas poltronas das Agências Reguladoras!

Pelo menos, na campanha presidencial que se avizinha, poderemos perguntar aos candidatos o que acham de todo esse despautério das Agências Reguladoras e quais são as suas propostas para esse setor em que ninguém mexe. Tais agências funcionam hoje de costas para a Nação, tributárias de um modelo absolutista, como o dos Conselhos que assessoravam o monarca francês Luís XIV que dizia: "Eu sou o Estado" (no século XVII) ou como os Conselhos Técnicos de Getúlio Vargas (inspirados no estatismo de Mussolini). 

Poderíamos contar com Agências Reguladoras que assessorassem o governo, mas sob rígido controle da opinião pública, prestando contas regularmente ao Congresso e aos cidadãos deste país. Estes, que são os reais detentores da soberania, deveriam ser também os únicos contemplados com a ação das Agências. Estas deveriam regular a prestação de serviços do Estado e das empresas que colaboram com ele.

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