ÉTICA. SELVINO ANTONIO MALFATTI

Por Selvino Antonio Malfatti


SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
CAPÍTULO I- A EXPERIÊNCIA GRECO-ROMANA CLÁSICA.
1. Moral e Ética
1.1. Os Sofistas
1.2. Os Estóicos
1.3. Os Epicuristas
1.4. Céticos
A - Emergência Histórica dos Direitos do Homem
I. Judaísmo
II. Paganismo
1. Os gregos
1.1 Sócrates
1.2. Platão
1.3. Aristóteles
1.4 Cícero
2. Os Romanos
III. O Cristiansimo
1. Enfoque Oficial
1.1. Santo Agostinho
1.2. Santo Tomás de Aquino
2. Os Dissidentes
2.1. Dante de Alighieri
2.2. Marcílio de Pádua
2.3. Guilherme de Ockham
IV. O Renascimento
1. Nicolau Maquiavel
2. Thomas Morus
3. Tomaso Capanella
B - Sistematização dos Direitos do Homem
1. Os Jusnaturalistas
1.1. Jean Bodin
1.2. Hugo Grócio
1.3. Thomas Hobbes
1.4. Samuel Pufendorf e Jean-Jacques Burlamaqui
1.5. João Cristinao Wolff e Emer de Vattel
1.6. John Locke
2. Os Convencionalistas
2.1. Charles Louis de Secondat Montesquieu
2.2. François Vicent Toussaint
2.3. Claude-Adrien Helvetius
2.4. François Marie Arouet ou Voltaire
2.5. Denis Diderot
2.6. Barão d’Holbach
2.7. Jean-Jacques Rousseau




INTRODUÇÃO
O propósito de nosso estudo é pesquisar a emergência de normas morais na cultura ocidental. Estas normas surgem em sociedades concretas como respostas a problemas de convivência entre os seres humanos. Em cada sociedade histórica ocorreram problemas e respostas de relacionamento entre os seres humanos. Se, por exemplo, a mentira se disseminasse a tal ponto que fosse impossível a confiança mútua, afetando a convivência, eram estabelecidas regras para evitá-la, isto é, a mentira era proibida.
Dentre os diversos componentes da vida em sociedade, aquele que relaciona os indivíduos numa ordem de mando e obediência, certamente é um dos mais preponderantes pois são necessárias regras claras delimitando a esfera de quem e o que manda ou obedece. Por isso o espaço da política é o mais privilegiado para normas morais e em decorrência para a ética. Por isso, procuraremos encontrar no “modus vivendi” político aquelas normas que paulatinamente foram incorporadas na cultura ocidental como regras gerais e válidas para todos.
Optamos pela cultura política ocidental porque foi dela que determinadas normas morais concretas e históricas deram origem a valores permanentes e universais, isto é, à Ética. No entanto, podem ser encontrados vestígios destas normas em outras culturas, como na Ásia e na América. São exemplos da primeira o Código de Hamurabi, da Bibilônia, e o Código de Manu, da Índia. Trata-se de um conjunto de preceitos religiosos, morais e mesmo jurídicos os quais buscam a defesa da pessoa do homem principalmente no que diz respeito a sua pessoa, vida e propriedade. Nessas culturas já emerge a famosa dita “regra de ouro” que estabelece a reciprocidade de direitos: não faças ao outro o que não queres que te façam. Esta regra pode ser encontrada em Confúcio, na China, e no poema hindu Mahabarata. Já na América os Incas também tinham seus preceitos religiosos-sociais ao estabelecer que não se deve roubar, a ética da propriedade, não se deve mentir, a ética da verdade, e a proibição da preguiça, a ética do dever de subsistência através do trabalho.
Com efeito, no decorrer da História ocidental, emergiu um conjunto de normas relativas ao homem como ser social, que, conforme a época, recebeu as mais diversas denominações, tais como: direitos naturais, direitos fundamentais, direitos do homem, direitos humanos ou Declaração Universal dos Direitos do Homem e outras. Estes “direitos” são normas máximas de convivência, ou Ética.
 A problemática das regras do agir humano sempre esteve presente na história ocidental. Há, porém, momentos marcantes como a meditação grega, o decálogo judaico, o pragmatismo romano, o transcendente medieval e a culminância política dos modernos. No entanto é na atualidade que a Ética está se impondo, pois nunca como hoje os seres humanos necessitam de normas éticas e morais para sua, não só convivência, como sobrevivência. Certamente isto se deve ao fato de que em nenhum tempo e com tamanha dimensão as normas máximas da convivência do ser humano foram tão desrespeitadas como contemporaneamente. Com efeito, o século XX passou por duas guerras mundiais, experimentou três formas de totalitarismos, sem falarmos de centenas de ditaduras ou governos autoritários para os quais a ética pouco ou nada valiam. Milhões de pessoas foram torturados moral e fisicamente, mortas como vermes, os cadáveres expostos ou enterrados em valas comuns. Outros milhões foram privados da liberdade, jogadas em masmorras ou em campos de concentração. A própria consciência foi invadida e aniquilada no totalitarismo russo. A discriminação racial e de sexo, as perseguições e mesmo extermínios étnicos, os radicalismos ideológicos ainda ocupam a maior parte de nossos noticiários. E na atualidade os experimentos científicos envolvendo seres humanos conseguem manipular o corpo como se fosse um objeto disponível e depois descartado.
Uma primeira hipótese sobre o surgimento de uma Ética de normas universais seriam as revoluções burguesas dos séculos XVII e XVIII. No entanto, os pensadores do período fundamentavam estas normas em escritores anteriores, fazendo referências aos clássicos gregos e romanos, como foi o caso de Jefferson que citou Aristóteles e Cícero entre outros. Inclusive, alguns citavam a própria Bíblia como Locke. Isto nos leva a explorar uma segunda hipótese, qual seja, de que estas normas fazem parte do patrimônio da cultura ocidental que incorporou os preceitos éticos e morais judaicos.


CAPÍTULO I- A EXPERIÊNCIA GRECO-ROMANA CLÁSICA.
1. Moral e Ética
1.1 Os Sofistas
As magnas questões ético-morais irromperam na Grécia antiga no século V a. C. precisamente na transição de uma ordem política aristocrática para uma democrática. Neste regime destacam-se os mais convincentes, aqueles que detêm a capacidade de persuasão. Neste ambiente a retórica e a eloqüência tornaram-se a matéria prima por excelência. E como de pouco adiantavam os conhecimentos cosmológicos o eixo de debate deslocou-se para temas antropológicos que abrangia questões práticas. É nesse meio que mestres, mercenários ou desprendidos, encontram a terra fértil para praticar sua filosofia. Bifurcam-se em duas grandes vertentes as concepções ético-jurídico-morais. De um lado há os defensores de um relativismo moral e de outro os defensores de uma ordem permanente e necessária. Para os primeiros as leis morais não passam de convenções e para os segundos as leis morais são naturais, isto é, são ínsitas à natureza do ser humano.
Os protótipos do convencionalismo relativista foram os sofistas. Naturais da Grécia e da Grande Grécia, perambularam pelas cidades gregas atuando como professores populares. Embora defendessem as mais diversas doutrinas, possuíam entre si traços característicos, dentre os quais podemos destacar a contestação da opinião dominante, o descompromisso com a coerência, o ataque às autoridades e o solapamento da moral e da fé.A busca da verdade ficava em segundo plano, o que importava era o interesse de seus constituintes.
Destacaram-se neste magistério popular Protágoras, Hípias, Galice, Trasímaco, Pródigo e outros. Erigindo o “homem como medida de todas as coisas”, Protágoras instituiu o individualismo, subjetivismo e relativismo, pois liquida com a possibilidade de princípios gerais. Negando estes, não é possível a ciência, e até mesmo, a possibilidade de se estabelecer parâmetros ou princípios para a justiça. O direito não passa da lei do mais forte. Conforme Trasímaco, a Justiça é um bem do outro.
No que tange à idéia moral, os sofistas sustentaram duas teses fundamentais:
1º As leis morais são criações artificiais.
2º O Estado é convencional, e por isso, suas normas é o resultado do grupo no poder.
Os sofistas identificavam: a legalidade e a justiça com a força, conforme Trasímaco. A legalidade com a fraqueza, conforme Cálicles e lei e tirania, conforme Hípias.[1]
Em questões morais, os sofistas eram céticos. Esta postura favorecia seus fins lucrativos. Com isto, podiam provar tudo o que seus clientes lhes solicitassem
Os sofistas mais negavam e destruíam do que afirmavam ou construíam. Utilizavam-se da racionalidade para negá-la. Reduziram todas as regras a convenções. Tudo era permitido, desde que útil. Cada um é livre para seguir os instintos de sua natureza.[2] Acreditavam que as leis positivas seriam construções artificiais a serviço dos interesses de quem detém o poder e servem aos interesses das classes poderosas. As conseqüências de suas posturas foram indiretas, pois motivaram toda uma reação contra estes iconoclastas. Despertou o verdadeiro método crítico, procurando joeirar o bem do mal.
Contribuição política: nem todas as normas morais são gerais e universais. Uma boa parte, e provavelmente a maioria, originam-se da problemática local, histórica e grupal.
1.2. Os Estóicos.
O estoicismo originou-se também da Grande Grécia. O fundador, Zenão de Citium, fundou a antiga escola aproximadamente no século IV a. C. Os mais renomados estóicos foram Zenão, Cleante e Crisipo. Entre os romanos destacaram-se Sêneca, Marco Aurélio, Possidônio e outros.
Conforme o estoicismo a sabedoria reside na liberdade. Para se chegar a ela, o homem necessitava livrar-se das paixões e das influências exteriores. Este ideal era uma exigência da reta razão. O homem é partícipe da lei natural e da lei interior (consciência). Estas o levam para o ideal da liberdade. Por isso, para se chegar a ele, deveria viver conforme o lema: “segue a natureza”.
Os estóicos consideravam-se cidadãos do mundo e pretendiam erigir um Estado Universal. A sociedade, abrange todo o gênero humano. O próprio universo mitológico é incluído nessa visão cosmopolita. Marco Aurélio dizia que todos os homens são cidadãos da República de Zeus.[3]
Embora o universo esteja continuamente em movimento, as sociedades em permanentes mudanças e os homens constantemente se deslocando de um lugar para outro, sempre permanece a natureza comum dos homens. Dizia Sêneca: “Mas nos seguem em toda parte as duas coisas mais belas: a natureza comum a todos e a virtude individual.”[4]
É significativo, não só para a filosofia política, como para todo um ideal grego, acalentado por Platão e Aristóteles, a concretização da idéia de um rei-filósofo, na pessoa de Marco Aurélio.
Em seu livro “Meditações”, propõe uma filosofia político-social calcada sobre a virtude e a filosofia estóica. No livro I, após enumerar as virtudes que aprendeu de seus parentes mais próximos, descreve como leva sua vida de Imperador e partidário do estoicismo. Diz ele, que vive na corte sem guarda pessoal, dispensando roupagens aparatosas, ou ornamentação exagerada. Praticamente levava uma vida igual aos demais. Mas nem por isso deixava de cumprir suas obrigações de chefe de estado. A vida que levava, segundo ele, era de conformidade com a natureza. Apesar de não possuir boa saúde física, conseguia suportar as exigências de suas funções. Havia afastado as paixões amorosas. O relacionamento com o pessoal da corte era correto, pois de nada podia ter remorsos. Nunca pedia emprestado. Com sua esposa, Faustina, levava uma vida normal, pois, conforme ele, ela lhe obedecia, era afetuosa e simples. É grato aos deuses porque, quando conheceu a filosofia, não foi através dos sofistas.[5]
Após enumerar as virtudes, os cuidados, a verdadeira sabedoria do homem, aponta para a idéia de Humanidade, baseada na natureza.[6] Cada homem, e todos os seres, são efêmeros e partes do todo.[7]
A idéia de um Império Universal, calcado na idéia de natureza comum, ia ao encontro do “status quo” do Império Romano; por isso, identificava sua filosofia política pessoal com a oficial de Roma.
Conforme ele, o homem virtuoso está acima das leis. Aliás, não encontramos preocupações maiores com elas nas Meditações. Uma das virtudes que destaca é a tolerância. No entanto, parece que os cristãos fizeram-no perder a paciência...
Vê-se, portanto, que a idéia de uma lei da natureza embasava a filosofia política do estoicismo. Nele, natureza e virtude constituem o binômio básico para se chegar à liberdade. Em que pese o fato de não se prestar muita atenção às leis positivas, pouco se importando com as relações mútuas, natureza e positividade, subsiste a idéia de que a lei da natureza é sobremaneira, mais importante, inclusive, podendo-se dispensar as leis positivas, quando bem observadas as leis da natureza. Diante disso, poderíamos alinhar o pensamento político estóico, dentro da mesma linha de Aristóteles, qual seja, na vertente consensual, já que a lei comum da Humanidade dá sustentação às demais leis.
Concluindo, os estóicos pregavam que a ética norteava a sabedoria. A conduta ética, por sua vez, levava ao ideal de sábio. Este seria aquele que carrega a felicidade consigo, que não se deixa perturbar pelo mundo externo, não se movendo pelas paixões. Virtuosidade consistiria numa determinação positiva de conduta que gera um acordo entre a racionalidade interna e a natureza essencial do homem. Ou seja, natureza e razão poderiam ser consideradas como uma só coisa. Cícero defendia que são as leis naturais deveriam nortear a lei positiva, pois a lei positiva pode transformar em lícito comportamento contrário à moral, mas não pode transformá-lo em naturalmente certo.
Contribuição política: Existem normas morais que extrapolam o “hic et nunc” assumindo uma dimensão universal, perene e geral. Estas normas transpõem o tempo e o espaço e tornam-se éticas.
1.3 Os Epicuristas.
Esta Escola surgiu no século IV a. C. Seu fundador, Epicuro, fundou sua escola em Atenas em 306 a. C. nos jardins de sua vila.
Conforme os epicuristas e seus as sensações são acompanhadas de prazer e de dor. O homem busca o primeiro e evita a segunda. O objetivo é evitar a dor do corpo e a angústia da mente, e consequentemente a busca do prazer do corpo e a tranqüilidade da mente.[8]
A originalidade da Escola epicurista consiste em deslocar o eixo da meditação sobre a lei natural, moral ou ética. Enquanto os demais Sócrates, Platão, Aristóteles e estóicos - em Epicuro a virtude torna-se um meio para o prazer ou a felicidade. Nos anteriores era a virtude um fim em si, com epicuristas ela se torna meio para outros objetivos.
Para eles, a temperança constitui uma das virtudes cardeais para se obter o prazer. Conforme a filosofia epicúrea, o que vale é o resultado final. Cada um deve ser um calculista, e por isso um utilitarista. Na maioria das vezes, é preciso abstinência para se atingir um prazer maior, quer seja de ordem material ou espiritual. O utilitarista necessariamente é um prático. Deve ponderar os “prós” e os “contras” de qualquer ação para tirar dela o máximo proveito.
Devido a estas posições, o epicurismo foi mal compreendido, inclusive acusado de devassidão. Alguns viram nele somente uma fome de prazer e esqueciam-se da abstinência que indiretamente lhe estava afeta.
Como critério proposto por Epicuro, isto é, o utilitarismo a origem da sociabilidade do homem, conforme ele, não é natural, conforme propunha Aristóteles, mas, ao contrário, conflitiva. Os homens viviam em permanente conflito, a esta luta causava sofrimento, desprazer. Querendo evitar a dor, o homem afastou o conflito instituindo a sociedade e o Estado. Por isso, o Estado e com ele a lei, não emergem da natureza, à qual é contra, mas do apetite utilitarista que quer afastar o desprazer. O natural do homem seria o conflito, o artificial, o convencional, a sociedade, o Estado e a lei. Por outro lado, se o homem chegar à conclusão que o Estado é causador de sofrimentos, pode aboli-lo. Por isso, para Epicuro, a vida em sociedade e a própria organização política são oriundas de um contrato, de uma convenção, revogável sempre que o prazer causado seja menor que o sofrimento. [9]
Sinteticamente poderíamos dizer que os epicuristas consideravam o útil como natural no homem. O que dele fugisse, seria convencional, inclusive a própria lei positiva. Para eles, Estado e suas leis são decorrentes de um contrato, rompível sempre que não causar mais prazer. Não há uma vinculação mais profunda entre natureza, sociedade e Estado. São superpostas artificialmente. O limite da lei não está assentado na moral que deita suas raízes na natureza humana e natural cósmico. A própria moral tem uma finalidade utilitária, isto é, causar o bem físico e espiritual do homem. Por isso, a virtude, não tem uma finalidade em si, como acontecia com Platão, Aristóteles e mesmo os estóicos. A virtude não passa de um instrumento para o prazer ou utilidade.
A sociabilidade do homem não é natural, ao contrário provém do conflito. A luta causava sofrimento, desprazer e, portanto, o homem a evitou instituindo a sociedade e o Estado. Por isso o Estado, e com ele a lei, provém de um apetite natural utilitarista que quer afastar o desprazer. Por outro lado, se o homem perceber que o Estado novamente pode lhe causar sofrimento, opta pelo mais útil, suprimindo-o. Consequentemente a vida em sociedade, juntamente com suas leis ou costumes, não passam de um contrato social, revogável sempre que o prazer causado for menor que o sofrimento.[10] Uma ética consensual para toda uma sociedade, se torna praticamente impossível, visto que, para tanto, é necessário superar os utilitarismos individuais. A não ser que se chegue a um utilitarismo consensual.
Contribuição política: A moralidade tem por fim a felicidade do homem. A ética, embora supra temporal e histórica, tem sempre um fim prático: o bem de todos.
1.4 Os Céticos.
Os Céticos, surgidos com Pirro de Elis no século IV a. C., pregavam a indiferença e a descrença ascética como meio para a felicidade. Para eles, os sentidos não traziam conhecimentos e sim ilusões, afirmando ser a lei natural impossível, pois não se consegue perceber a essência ou natureza das coisas e do homem. Carnéades, em quem o ceticismo atingiu seu ponto mais alto, dirigiu sua atenção ao ataque à lei natural dos Estóicos, tentando sempre ridicularizar a justiça. Com os céticos a ética assume uma postura negativa, pois é não se fazendo que se faz o moralmente correto.
Contribuição política: crítica ao relativismo ético-moral e depuração das pretensões de uma moral absoluta.
5. A Democracia Grega.
No entanto, em que pese a postura dos sofistas, subjazia na cultura helênica clássica uma concepção de moral universal, um substrato ético que perpassava os diversos campos do saber: filosofia,Ciências, Artes e Religião. Cada uma a seu modo contém os elementos desses dessa moral. Contudo é na concepção política, mormente após a instituição da democracia em Atenas a partir do século V a. C., que aflora com clarividência este ideal. Um dos mais belos e eloqüentes testemunhos é o Discurso Fúnebre de Péricles, narrado pelo historiador Tucídides.[11]
Conforme este autor, os atenienses costumavam celebrar, às custas do erário público, os ritos fúnebres das primeiras vítimas da guerra. Os ossos ficavam expostos em lugar público durante três dias e o povo trazia oferendas para seus parentes. No último dia eram trazidos ataúdes, um para cada tribo. Os ossos eram postos no ataúde de sua tribo. Havia,ainda, um ataúde vazio destinado aos soldados desaparecidos. A esta cerimônia todos podiam comparecer:cidadãos , estrangeiros e as mulheres das famílias dos defuntos. No mausoléu do subúrbio mais belo da cidade eram enterrados os mortos da guerra. Após o sepultamento, um cidadão, escolhido pelos seus pares, ficava encarregado de discorrer sobre os mortos. Numa dessas celebrações falou Péricles, filho de Xântipos.
Diz ele que o ato supremo de um cidadão consiste achar melhor defender-se e morrer que ceder e salvar-se. Nesse instante, o cidadão joga na ação o que ele tem de mais precioso em si que é sua vida. Em todo o discurso, no entanto, Péricles enfatiza que a vida, por mais belo dom que seja, sem a honra e a liberdade de nada vale. O início de seu elogio principia mostrando que os atenienses receberam aquele império dos antepassados como homens livres e que por isso que agora muitos estão dando sua mais preciosa dádiva, a vida. Péricles nunca deixa de associar vida e liberdade. Além disso, esta vida livre, organiza-se politicamente sob um regime democrático, isto é, de igualdade entre os cidadãos Perante a lei todos são iguais e a ascensão aos postos de mando não se dá por pertencer a esta ou àquela classe, mas pelo mérito.Por outro lado, a pobreza não é motivo para alguém não prestar serviços a sua Cidade. Todos os cidadãos participam do governo da cidade como homens públicos, não importando sua condição privada. Vivemos, conforme diz Péricles aos atenienses, em liberdade e igualdade. Além disso, os atenienses procuram melhorar as propriedades para que elas dêem mais conforto e alegria. A riqueza não é usada para alguns se vangloriarem, mas como oportunidade de agir e melhorar. A pobreza não é uma desonra, mas o não tentar evitá-la.
Os grandes princípios do agir ético, aquele comum a todos, concretizavam-se no valor da vida, igualdade, propriedade e liberdade.
Os gregos, porém, mormente os atenienses elegeram a liberdade como bem maior. A simples distinção entre os gregos –livres- e demais povos bárbaros –escravos- revela o senso de liberdade presente na cultura grega. Evidentemente este valor máximo nem sempre e nem em toda parte foi unânime. No entanto, a idéia de liberdade como bem maior foi uma conquista paulatina. Os historiadores dão testemunho disso e obras literárias confirmam este fato, como é o caso de Hesíodo. O momento de consciência deste valor aconteceu nas guerras pérsicas. Nessas a idéia de liberdade moveu a Grécia    em duas frentes. Primeiramente repelir o estrangeiro e em segundo manter a autonomia de cada cidade-estado. Nas obras antigas de História, geralmente se encara a guerra como uma oportunidade de glória e coragem. Em Heródoto, a guerra é vista como um luta pela sobrevivência da liberdade. Inclusive, institui a teoria da liberdade como explicação para a vitória dos gregos sobre os persas. O contraste entre a idéia oriental e ocidental torna-se clara no tratamento com a autoridade máxima, o rei. Os gregos simplesmente o denominavam “basileus”, rei enquanto os persas o chamavam de “déspota”, o senhor. O despotismo oriental, como se pode ver, teve uma longa história. O estudioso da Civilização grega Mário Curtis Giordani vai mais longe ao afirmar que a extremada idéia de liberdade levou a Grécia antiga ao fracasso, pois provocou as rivalidades entre as diversas cidades-estado, mormente Atenas e Esparta.[12]
Cada cidade tinha também sua idéia mestra sobre a liberdade. Os espartanos, por exemplo, prezam a independência e autonomia de sua cidade. Por isso a vida pública e a vida privada confundiam-se, de tal sorte que o limite da liberdade individual era o interesse coletivo, que muitas vezes se confundia com a aristocracia. Em Atenas era diferente: cada um podia fazer o que quisesse, e o debate público era aberto a qualquer cidadão.
Como se viu, os gregos, principalmente os atenienses, orgulhavam-se de não se submeterem a ninguém, a não ser às leis que eles próprios criaram, ou a descobriram na natureza pela razão, ou a receberam dos deuses. As leis que descobriram na natureza pela razão, chamavam-nas de leis naturais, porque deveriam ser objeto de consenso. Estas normas gerais seriam o fundamento do agir político. pois isolava uma esfera das discordâncias das facções políticas. Instituía-se uma esfera de consenso, conscientemente aceita, pela qual, os bens supremos da vida, liberdade, igualdade e propriedade estavam a salvo.[13]
Contribuição política: Em política existem alguns princípios éticos que dizem à sociedade como um todo. Estes princípios é o ponto de partida e de chegada da convivência política. Os princípios são: a vida, a liberdade, igualdade e a propriedade.
6. Os Clássicos greco-romanos.
6.1. Sócrates.
Contemporâneo dos Sofistas, estóicos, céticos e epicuristas outro pensamento vinga na Grécia Antiga, talvez até como uma reação ao caráter demolidor da sofistica e investidas populistas dos democratas.
À vertente convencionalista de conceito de lei, contrapôs-se a vertente da lei natural. Esta se opôs à pretensão de estabelecer um divisor intransponível entre o natural, dado pela natureza, e a criação do homem. Isto foi possível justamente porque a teoria da lei natural concebia o homem como parte integrante da natureza e sua atividade, embora racional e superior, estava adstrita ao seu contexto, isto é, ao natural.
Contra o pensamento dos sofistas se insurge Sócrates, (399-269 a.C.), precisamente na questão das generalizações. Para ele os conceitos tinham valor universal e, portanto, era possível o conhecimento, bem como, em moral, propor-se leis gerais de conduta. Ao relativismo científico-moral, opõe-lhe a certeza. Isto foi possível graças ao avanço introduzido na questão dos conceitos: são gerais, abstratos e necessários, enquanto as coisas, são particulares, sensíveis e contingentes. O homem, através de sua razão, capta o dado natural e o formula em conceitos. Há uma correspondência adequada entre aquilo que o homem elaborou com sua capacidade mental e aquilo que a natureza apresenta fenomenologicamente. O dado particular e o conceito geral estão em sintonia. Não é uma ruptura, mas uma continuidade. Esta postura gnoseológica levada à política e às leis, implicará em respostas diversas às dadas pelos sofistas e epicureus.
Sócrates não se referiu a uma lei natural propriamente dita ou a um direito natural. No entanto, ao proceder a crítica aos sofistas contrapõe-lhe a racionalidade das leis e da moral, apontando para a questão da racionalidade e generalidade em oposição aos instintos, aos sentimentos e à relatividade. Para ele, a virtude é inteligência, razão e ciência. Discorda, portanto, também dos epicureus, para os quais a virtude é um meio para o prazer. Em Sócrates, virtude é conhecimento e vício é ignorância. O fim do homem é o bem e não o útil. Ao declarar que era preciso alçar-se aos sentidos, propunha o ordenamento da ordem natural através da razão. Era preciso procurar os princípios na natureza e não segui-la cegamente. Por isso era preciso buscar a universalidade.
A Justiça não consiste apenas em normas e leis, mas numa Justiça Superior, oriunda da divindade, do daimon, ou da racionalidade. Nesse sentido há um “cum sensu” entre a ordem cósmica até mesmo teológica - e a atividade racional do homem.[14] A lei positiva não é mera criação do homem, mas descoberta daquilo que a natureza encerra em si. Por isso, até mesmo as leis positivas são invioláveis e soberanas. Em resumo, Sócrates, apresenta uma norma, acima da lei humana, a governar o universo e os homens. Não há oposição entre àquela Norma e a dos homens. Seguir a Lei Superior, dispersa na natureza, e descoberta pela razão do homem, traduzindo-a em lei positiva, seria concretizar a Justiça, ou a bondade.
Contribuição política: o empenho em pensar que governar não seja uma tarefa puramente técnica e mecânica, mas essencialmente humana e ética.
6.2. Platão
Platão nasceu em Atenas em 428 ou 427 a. C e morreu em 348 ou 347 a. C. Foi discípulo de Sócrates por oito anos.
Em filosofia pretendeu solucionar a questão da universalidade dos conceitos pela existência real, embora imaterial. Concebeu um mundo de Essências, às quais projetavam suas sombras sobre este mundo. A razão humana, que conhecera aquele mundo, reconhece as sombras daquelas essências, Idéias, e por isso pode conhecer as normas morais e a essência das coisas.
Sua concepção de norma está intimamente ligada à Lei Perfeita do Mundo das Idéias. E o tema central que anima a meditação moral é a idéia de Justiça, transferida, por ele, para o plano do Mundo das Idéias. A Justiça do Mundo das idéias identifica-se com o Bem Absoluto. E a Felicidade, por sua vez, se identifica com o Bem.[15]
Na visão de Platão há uma permuta entre asa essências e as sombras. Primeiramente, o homem deve dirigir-se ao mundo das idéias, apreender de lá o ideal e transportá-lo para este mundo.
A respeito da origem da sociedade, Platão atribui-lhe às necessidades mútuas dos homens.[16] Estas dão origem à divisão do trabalho, e consequentemente, a uma divisão de classes da sociedade, presentes no Estado. Este é constituído de uma multidão de indivíduos, grupos dessemelhantes e desiguais, intra-classes, inter-classes e extra-classes. Até mesmo a escravidão encontra justificativa na concepção de Platão, pois, conforme ele, trabalhos servis são incompatíveis para homens livres.
Se nas questões morais Platão extrai das Essências seus conteúdos, a organização sócio-política é elevada por ele ao plano “ideal”. Agora inverte a dialética. Na moral o ideal pode se tornar natural, nas questões sócio-políticas o natural pode tornar-se ideal. Para ele é possível constituir-se um Estado Ideal, com três grandes classes: filósofos, guerreiros e produtores, cada uma delas com funções específicas. Aos primeiros cabe a direção política, aos segundos a defesa do Estado, e aos terceiros a sua manutenção.[17] Quais as leis morais que regem este Estado? Evidentemente, agora, Platão não vai mais buscar na práxis, pois, provavelmente a experiência narrada na Sétima Carta, não foi das mais felizes.[18] O natural, serão as leis morais do mundo perfeito das Idéias.
Para ele, o Estado ou a Pólis, deve ser justa, isto é, deve reinar uma ordem e harmonia entre as classes. Para tanto, conforme ele, faz-se necessário estabelecer os limites entre o indivíduo e o social.
A justiça é uma virtude individual, mas seu parâmetro é social. O indivíduo será tanto mais justo quanto mais for pela sociedade. Para que aflore o social, é preciso que o indivíduo desapareça. Para tanto é necessário seguir os princípios do bem da coletividade: vontade comum, concretização das finalidades funcionais das classes e o Bem Supremo, isto é, Deus como “medida de todas as coisas”.
A harmonia e a ordem devem assentar-se sobre quatro virtudes cardeais: a sabedoria, para os governantes-filósofos, norteados pela prudência; a coragem, para os guerreiros, animados pela fortaleza; a avidez para os artesãos e comerciantes, guiados pela a temperança. A Justiça social tem por função estabelecer a harmonia entre as classes. Como garantia para a harmonia é vê às classes de governantes e guerreiros possuírem propriedades privadas.
Na Pólis ideal a individualidade desaparece, a começar pelo sexo, pois homens e mulheres não deverão ter nem educação, nem funções diferentes. Platão justifica sua posição, sustentando que a Natureza não faz diferença entre o homem e a mulher. Ambos possuem as mesmas aptidões físicas e domínios técnicos. Em seguida defende a supressão da família, devendo as mulheres ser comuns para guerreiros e guardiões. O Estado regulamentará a procriação, bem como se encarregará da educação das crianças, as quais ignorarão seus pais.
Politicamente a Polis será governada por sábios, por reis-filósofos. Os governantes seriam escolhidos entre as crianças que demonstrassem aptidões naturais, independente da origem social. Deveriam ter aptidão física, gosto pelo estudo, inteligência e memória, constância e esforço. Moralmente, irascibilidade, sabedoria, temperança e grandeza de alma. Os que preenchessem estes quesitos, receberiam do Estado uma Educação que duraria até os cinqüenta anos, quando então estariam aptos para o governo da cidade, protótipo dos Cosmos Universal.
Em que pese de que na sua última obra, “As Leis”, Platão tenha revisto muitos dos seus pontos de vista, como a família, propriedade, educação e igualdade dos sexos, o caráter utópico totalitário de suas propostas políticas não desaparecerem, nem mesmo propondo o Conselho Noturno e a Assembléia do Povo.[19]
Platão preconiza uma sociedade perfeita, regida por homens incorruptíveis e integrada por membros naturalmente bons. E é nisso que consiste seu caráter utópico. Há uma identificação do natural com o perfeito, ou divino. No entanto, concretamente não se constata esta realidade, como o próprio Platão narrou na Sétima Carta. A sociedade é minada de conflitos, os homens que governam são corruptos, e os membros integrantes da sociedade são bons, mas também há os maus.[20] Fechar os olhos para os conflitos, quer na sociedade, quer já prática política, significa fazer de conta, convencionar, que eles não existem. A partir disso, transplanta um modelo ideal, utópico para uma sociedade real. A priori, convenciona que, desde que o governante seja bem esclarecido, ele se pautará por leis justas, e os membros da sociedade individualmente e em grupos, as seguirão fielmente. Ficam, por isso, patentes as características artificiais, convencionais e utópicos das leis propostas por Platão.
Há ainda que se destacar o caráter totalitário das propostas políticas deste pensador. O Estado pré-estabelece todos os comportamentos lícitos da sociedade. O princípio é de que só é permito o que a lei estabelecer. Fecha, por isso, todos os espaços para a iniciativa individual ou grupal. O Estado sabe o que cada um necessita para ser feliz.
Contribuição política: A preocupação moral com a justiça social. A categoria política dos sábios, juntamente com a dos guerreiros, deveriam ser imunizados da ganância e da apropriação indevida, através da proibição da propriedade privada.
6.3. Aristóteles.
O maior representante da vertente da lei natural na Antigüidade é Aristóteles, natural de Estagira, colônia grega da Trácia, em 384 a. C. Com 18 anos fixa residência em Atenas. Lá conhece Platão, do qual se torna discípulo. Após o período em que foi preceptor de Alexandre o Grande, retorna à Atenas e funda o Liceu. Falece em 322 a. C. na Eufébia.
Nele, a idéia de um direito natural, isto é, uma norma moral inerente à natureza humana e, portanto, independente e superior à lei positiva reguladora, encontrou a mais coerente formulação. O problema levantado pelos sofistas de que as leis não passam de convenções, e por isso são artificiais, havia merecido de Sócrates a contra-proposta da racionalidade. No entanto, seus argumentos assentavam sobre a autoridade da divindade. Platão, embora abandone o argumento teológico, responde com um mundo ideal, utópico, que no fundo não deixava de ser também divino.
A originalidade de Aristóteles é de ter respondido à questão sem fugir para uma ordem extra-natural. Conforme ele, a realidade circundante de uma natureza imperfeita mas perfectível, potência, expressava-se na tendência de todo ser em busca da perfeição, ato. Aristóteles sintetizou na teoria do Ato e Potência e da Matéria e Forma. O desenvolvimento da potência encaminhava os seres para a sua forma e finalidade. Os seres em si continham em germe a sua própria perfeição.
No ser humano os instintos primários é potência para algo superior, qual seja, o homem político, o ato. O homem, por isso, ao desenvolver sua natureza está a caminho da Polis, e na Polis, ao desenvolver sua potência está à caminho da perfeição.[21]
Não é, porém, qualquer desenvolvimento que leva o homem a ingressar na sociedade superior, mas o desenvolvimento moral. O impulso intrínseco da natureza humana para a perfeição. O aprimoramento moral, que é individual, leva o homem à convivência política. Por isso, quando as leis coincidirem com o progresso moral, não há oposição entre a lei natural e a lei positiva. O elo de ligação entre a lei natural, normas gerais e universais, e a lei positiva, normas históricas e parciais, se faz pela moral. E como esta está em potência em cada homem, seu desenvolvimento dá origem ao consenso. Quando as leis positivas forem decorrentes do desenvolvimento consciente da moral, obtém-se uma ordem consensual. A lei natural pode ser identificada com a ética, enquanto as leis humanas com a moral.
Para Aristóteles, a sociedade política significa em estágio superior do homem, justamente pelo comportamento ético. No entanto, numa sociedade política, nem todos são cidadãos. Estes são membros plenos, enquanto os demais hierarquizam -se em ordem decrescente até o escravo. O cidadão era aquele que havia desenvolvido suas potencialidades naturais e chegara a ser membro do Estado. Este não é mero fruto da necessidade, como queriam os sofistas, mas uma união perfeita e orgânica de seus membros para a virtude e felicidade. O Estado, por sua vez, proporciona aos seus membros todo bem-estar. Indivíduo e Estado completam-se numa simbiose perfeita, cabendo a este regular a vida dos cidadãos.[22]
Nem em Platão e nem em Aristóteles, encontramos uma preocupação maior de estabelecer limites ao Estado. O pensamento destes filósofos partia do pressuposto de que o Estado sempre faria leis moralmente justas. Consideravam-no como uma Igreja que dá orientação moral e estímulo para seus membros. Daí se entende os diversos tipos de leis, as quais objetivaram sempre a justiça, a qual também se diversificaria. Haveria a distributiva, que atendia às desigualdades individuais. Para se atingir a igualdade, era necessário levar em conta a desigualdade, conforme Aristóteles. A justiça corretiva, que procurava estabelecer uma relação justa entre o delito e a pena. Em Aristóteles encontramos a noção de bilateralidade da justiça, isto é, uma proporção inter-cidadãos e não apenas intra-cidadão como ocorria com Sócrates e Platão. Conforme ele, não há justiça de um homem consigo mesmo. A justiça está inserida na sociabilidade.[23]
Como vimos, a perfeição das potencialidades inerentes em cada homem se concretiza no ato político. É o homem na sua plenitude moral. Daí que os fins e o bem do homem não são atingidos pela retórica, econômica, ou mesmo a ética. É necessário avançar até a Política, culminância do homem, somente atingida pelo cidadão.[24]
Segundo o Estagirita, a virtude pode ser dividida em duas espécies: a dianoética, que se adquire pelo conhecimento, e a ética, pelo hábito.[25] Nenhuma dessas virtudes se geram pela natureza. O mesmo se dá com a virtude, pois o ato precede a virtude. A virtude não está em potência no homem, ela é a perfeição do ato humano. O segredo para se atingir a virtude é a prática de atos bons, sem excessos, observando a justa medida26. Por isso, a virtude é o hábito de atos bons. A virtude, e somente ela, conforme Aristóteles, traz felicidade ao homem. Produz atos que são fins em si mesmos.
A sociedade política é essencialmente moral para Aristóteles. As leis originárias desta sociedade é o reflexo de uma comunidade de homens virtuosos que se pautam pela racionalidade. A convivência social é o resultado da congregação de famílias que abraçam, pela própria natureza, o homem, a mulher, os filhos e os criados. As várias famílias congregadas dão origem a aldeia, ou vila. E da união de vilas surge o Estado, que é a globalidade.27 E dentro do Estado, o membro superior, o “full member” como diria Locke, é o cidadão. Este “tem uma parte legal na autoridade deliberativa e na autoridade judiciária.28 O bom cidadão acompanha a organização política de sua cidade e sabe bem o que lhe compete.
Considerando o Estado a globalidade, no momento que se impuser, desaparece a parte, ficando apenas o todo. Visto concretamente, não na seqüência cronológica, mas como um fato político, o Estado precede o indivíduo e a família.29
Conforme Aristóteles o Estado é soberano interna e externamente.            Internamente, a quem cabe a soberania? Na maioria constituída de pobres? Evidentemente que não, pois estaria praticando a injustiça. Numa pessoa, geralmente um tirano? Também não, pois nem sempre agiria conforme a justiça. A minoria, constituída de ricos? Igualmente não, pois poderia praticar os mesmos atos da maioria. Conforme ele, a soberania cabe à multidão, comandada por homens eminentes. A multidão faz um homem só, com uma infinidade de pés, mãos, sentidos, costumes e inteligência. Há uma apreciação do conjunto, e disso sai o melhor julgamento, que é do povo.30 Mas não só porque a multidão é numericamente a maioria detém a soberania, mas também porque seria proprietária da maioria dos bens materiais.31
Quanto à forma de governo, Aristóteles constata três formas puras, as quais, degenerando, dão origem a três impuras. A realeza, opõe-se à tirania; a aristocracia, opõe-se à oligarquia; e a república, à democracia. Das corruptas a pior é a tirania, seguida pela oligarquia. A mais tolerável é a democracia.32 Mas por que ocorrem as corrupções? Conforme Aristóteles, é porque se desobedece à lei da natureza. Esta institui na sociedade naturalmente a diversidade. Existem funções diversificadas, classes mais abastadas e menos abastadas, talentos maiores e menores. Sendo a sociedade naturalmente diferenciada, a quebra dessa ordem provoca desvios, como é o caso das formas de governo. Além disso, não basta atender tão somente a aspectos materiais da vida em sociedade, mas também aos morais: “como se uma cidade só existisse para a satisfação das necessidades materiais e não para um objetivo moral - como se a virtude não lhe fosse mais necessária que sapateiros e lavradores.33 A ruptura da ordem natural em Aristóteles significa também uma violação de leis morais. O homem desrespeita a natureza, afasta-se da moral e implanta a artificialidade. Faz de conta que só existe o interesse de uma pessoa, a conseqüência será a tirania. Se pensar que existe o interesse de uma minoria somente, cairá na oligarquia. Se pensar que todos são iguais, produzirá a democracia.
Aristóteles enumera cinco espécies de democracias, conforme os critérios de organização político-social. A primeira delas é a que se fundamenta na igualdade. Faz “ tábula rasa “ entre ricos e pobres. Como, geralmente, os pobres são mais numerosos, esta democracia terá como opinião predominante a dos pobres. A segunda é quando se convencionar o censo como critério de participação política, teríamos, evidentemente, uma democracia censitária. Uma terceira espécie institui a moralidade como critério. Estando assentada na lei, não haveria injustiças. A quarta, estabeleceria que o simples fato de ser cidadão poderia tomar parte nas magistraturas.34 Estas quatro espécies de democracia não dispensam a lei, ao contrário a supõem. Há, porém, um quinto tipo de democracia: a popular, que transfere a soberania da lei para a turba eventual. Conforme Aristóteles, a lei perde a soberania sendo a comunidade governada por decretos. Não sendo mais a lei a soberana – revestida de conteúdos éticos - pululam os demagogos ou populistas. O povo se transforma num monarca, com poderes absolutos sobre tudo, todos em qualquer momento. Guia-se ao sabor das conveniências do momento. Uma esfera da lei, proveniente de um consenso moral, desaparece, para dar lugar ao momento. Crê-se que tudo não passa de convenção podendo-se modificar sempre que se achar conveniente. Os demagogos ou populistas adotam o processo de continuamente consultar o povo. Uma vez obtido o resultado, transforma-o em decreto que vigorará até próxima decisão popular. Seu poder não conhece limites, pois eles mesmos já sabem diante mão o que é mais agradável à turba. Se alguém se atravessar a lhes fazer oposição, não hesitam em consultar a multidão e jogar no ridículo qualquer autoridade.35
Por isso, conforme Aristóteles, o abandono da lei natural, isto é, despojando a lei de seu caráter moral, intimamente ligado à própria natureza do homem, põe por terra todo o respeito à lei, condição,“sine qua non”, de uma ordem político-social. As conseqüências desta conduta, levam a toda sorte de degenerações políticas, dentre as quais se podem apontar o democratismo. Aristóteles conseguiu captar os princípios e métodos dos governos populistas que podem ser denominado de democratismo.
Contribuição ético-política: a constatação de uma esfera de normas válidas para todos, a Ética e uma esfera dependente do tempo e espaço, moral. A lei, sem o conteúdo ético-moral, não passa de um decreto originário da vontade de um tirano.
6.4. Cícero.
Se os gregos se caracterizam pela discussão filosófica da política, os romanos têm a peculiaridade de pô-la em prática. Experimentaram todas as formas de governo: realeza, império, república e aristocracia; puseram em prática os mais diversos regimes \zdesde os ditatoriais até os populistas mais extremados; governaram-se desde o mais puro estado de direito até os mais violentos regimes de arbítrio. No turbilhão destas experiências políticas nasce o direito, exatamente da meditação moral, isto é, da necessidade de responder aos problemas de sociedades inseridas no espaço e tempo.
Dentre os vários teorizadores do direito romano, destaca-se Marco Tulio Cícero, nascido em Roma (106-43 a .C). Não se poderia enquadrar rigidamente Cícero numa escola exclusiva. Foi platônico, aristotélico, estóico. De uma coisa, porém, é certo, tinha aversão aos sofistas.
Cícero viveu a confluência da passagem da República para o Império. Na República havia um conjunto de instituições que de certo modo salvaguardavam alguns princípios éticos, extensivos a todos os cidadãos, mormente entre a aristocracia e o povo. O equilíbrio estava sendo atingido paulatinamente. Havia instituições que defendiam o povo e havia as aristocráticas. Os tribunos do povo era uma fortaleza contra as pretensões da aristocracia. Com isso, procurava-se possibilitar uma margem de liberdade, a qual poderia garantir os demais direitos, tais como a vida, propriedade e igualdade. Cícero se destaca na defesa da lei natural, universal, pela qual o mundo era governado por Deus, e através da natureza racional, o homem se torna um parente da divindade.[26] Através deste princípio advogava a igualdade universal dos homens. Desde o momento que os homens seriam iguais, todos os demais direitos adviriam por acréscimo. Com isso procurava isolar uma esfera de consenso pela qual se garantiria um respeito aos direitos fundamentais.
Para ele, o homem é um ser capaz de prever, e deduzir. O homem é complexo, dotado de intuição, inteligência, memória e razão. E originário da divindade. O fato de o homem ser racional, o eleva não somente acima dos seres deste mundo, como iguala-se aos deuses. O homem e a divindade têm em comum a razão, por isso há entre eles uma associação, uma comum participação. Não só, porém, a razão é comum, como também a reta razão. E como esta é a Lei, podemos inferir, conforme Cícero, que homens e deuses constituem uma comunidade assentada na Lei. Evidentemente que esta não seria uma lei humana, senão os homens estariam submetendo os deuses e válida somente para os homens. Seria uma Lei superior, provinda da inteligência humano-divina, isto é, um conjunto de princípios ético-morais universais. E como aqueles que possuem uma Lei comum, também terão direito comum. Ora, o direito em comum dá origem à Cidade ou Estado. Por isso, o conjunto do mundo todo é uma Grande Cidade, comum aos deuses e homens. E, por sua vez, o que há nas cidades senão relações de parentesco que diferenciam as famílias? Logo, homens e deuses, tendo em comum a mesma Lei, formam uma Cidade, unidos por laços de família e de raça.
O homem e a divindade estão ligados entre si é através da alma. Embora possa haver povos que não conheçam a Deus, nem por isso deixam de ter parentesco com a divindade. O conhecê-lo significa um acordar ou se dar conta de sua origem. Finalmente, entre o homem e a divindade há em comum a virtude, que nada mais é que a natureza perfeita, levada a sua perfeição.
Diante disso, o homem, co-partícipe da divindade, recebeu da natureza todas as prodigalidades, desde os frutos da terra até os meios para chegar ao conhecimento, como é o caso dos sentidos.
Cícero pensa que todas as demais criaturas têm como fim o homem. E este, lançando mão dos recursos naturais, avança para o progresso, sempre tendo por faculdade a razão.
Após esta demonstração da comunidade da Lei, direito e cidadania, entre homens e deuses, Cícero passa a mostrar que existe uma comunidade universal entre os homens. Conforme ele, os homens nasceram para a justiça e o direito se funda na natureza, na moral, e não na opinião, conforme pensavam os sofistas.
Nada há de mais semelhante e igual, do que a semelhança e igualdade de nós mesmos. Partindo-se do princípio de o homem o é pela razão, as dessemelhanças não passam de manifestações secundárias. Podem, por exemplo, as palavras ser diferentes, o sentido, porém, é o mesmo. Uma segunda prova da identidade da raça humana são as reações psicológicas, e as fraquezas como a vergonha, alegria, dor, polidez, brutalidades e outras. Se todos tivessem uma reta razão, todos poderiam partilhar do mesmo direito, pois ele é decorrente da mesma Lei. O problema, conforme ele, foi quando os homens separaram o interesse e o dinheiro, isto é, foi sobreposto o que é particular ao geral, ou a separação entre natureza, lei e direito.
A terceira categoria de semelhança entre os homens é a moral. Afora casos patológicos, há uma moral universal, conforme Cícero. A idéia de bem, justo está presente na consciência de cada homem, que é, precisamente a justa razão, cuja origem está na natureza.[27] Esta moral da justa razão, universal, acima das sociedades concretas, raças e reações psicológicas é a esfera da Ética.
Erigindo a natureza como fundamento último de toda expressão do direito, Cícero atribui à lei um caráter universal, isto é, ela não é arbitrária, mas manifestação do próprio universo do qual o homem faz parte e nele está inserido. Sendo a natureza igual a todos, ela dá origem a leis de consenso entre os homens. Se elas se modificam conforme as circunstâncias, dão origem à sua concretização no “hic et nunc”, isto é, na moral. Pelo direito natural não deveria haver escravidão, mas em determinados momentos históricos, e em circunstâncias especiais - como a guerra - os homens a instituíram.
Em “A República” e “De Officis”, Cícero estuda as magnas questões das relações do poder público com o privado, bem como as competências do individual e do social. A lei da natureza tem conseqüências práticas nessas relações. Enquanto na convivência social prevalece a solidariedade racional, na esfera individual predominam os apetites individuais, com vistas a vantagens pessoais. Por isso o poder público, o Estado, deve envidar esforços na defesa da propriedade e não interferir nela. Conforme ele, foi na esperança de proteção às propriedades que os homens se reuniram em sociedade e instituíram o poder político, o Estado.[28]
Conforme ele, a “nação é o patrimônio comum de um povo”. Enquanto os gregos não chegaram a uma distinção clara de propriedade pública e privada, Cícero separa-as claramente. Queria que as duas esferas, “res pública” e a “res privada” tivessem titulares diversos, bem como tratamento diferenciado. Na gerência da “res publica”, afasta o igualitarismo democrático, pelo qual todo povo participaria diretamente na gestão pública, como legislador e executor.[29]
Inclina-se em favor de uma aristocracia, pois, conforme ele, a própria natureza teria dotado alguns de mais dotes que outros. Se concretamente optava pela aristocracia, como ideal, desejava uma forma mista, isto é, preconizava uma classe média majoritária e esclarecida.
Contribuição política: em Cícero encontramos uma lei natural – cósmica – e uma humana, das quais as instituições emanam pela atividade da reta razão humana. Na convivência política, há as esferas do público e do privado que não podem se imiscuir. A lei, não é uma criação a bel prazer do homem, mas está inclusa no complexo universal do qual o homem é agente passivo e ativo.
II- O CRISTIANISMO MEDIEVAL.
Um estudioso do pensamento cristão medieval, O professor Urbano Zilles, caracteriza o cristianismo como um aperfeiçoamento do Judaísmo , devido à doutrina contida nos Evangelhos. Os filósofos cristãos, por sua vez, consideram a cultura helênica como a suprema expressão do Paganismo. Daí que, os pensadores cristãos recorrem ao Evangelho em questões de fé, e à cultura grega quando se trata de questões relativas à razão. E é por isto que encontramos na Idade Média, ainda conforme Zilles, as mais diversas vertentes do pensamento grego, tais como o pitagorismo, platonismo, aristotelismo e estoicismo. Nos primeiros séculos predomina o platonismo. Já no século XIII, é o aristotelismo que assume a hegemonia. Mas as outras correntes também tinham seguidores, principalmente o estoicismo, devido à semelhança moral com o cristianismo. Na alta Escolástica, os pensadores cristãos esforçam-se para harmonizar os ensinamentos da Bíblia com o legado cultural grego.[30]
Entretanto, nenhuma outra cultura influenciou mais que o judaísmo na concepção ético-moral do cristianismo. Isso porque o cristianismo foi uma continuidade do judaísmo, em que pese sua a ruptura. Poder-se-ia dizer que as grandes questões morais do cristianismo já estão implícita ou explicitamente contidas no judaísmo. Por isso, faz-se necessária uma retomada desta cultura para se contextualizar o cristianismo.
O Legado Judaico.
Antes da Criação do Estado de Israel em 1948, a História política de Israel teria iniciado aproximadamente em 1800 a.C., com Abraão, e findado no século II d.C. com a Diáspora. A maior parte dela desenvolveu-se na Palestina.
Na doutrina judaica, ao contrário dos pagãos, o homem se relaciona com Alguém transcendente. Entre os gregos e romanos a referência do homem era com a cidade, com seus semelhantes. No judaísmo o homem se relaciona com um Ser que conhece indiretamente e por meio da informação. O ponto de partida e de chegada é sempre aquele Ser invisível mas existente e presente. Este é Deus, Javé ao qual o homem obedece sem vê-lo, sem senti-lo ou ouvi-lo.
Este Deus ensina que o homem é um composto. O corpo, iguala-se aos demais seres vivos do universo. Tem aparência terrestre, corruptibilidade, é sede de tentações e de pecado. Este corpo material recebeu, por intervenção pessoal de Deus, uma outra parte, a alma. Da fusão dos dois, corpo e alma, fez nascer uma outra realidade, diversa de todos os demais seres: o ser humano. Por outro lado, a alma, que em outros seres é princípio vital, no homem é vital e espiritual.Resumidamente poderíamos dizer que a doutrina judaica concebe a vida do homem como um ser criado por Deus.Tem vida semelhante a outros seres, próxima aos animais, mas diferencia-se deles pela “anima “’, de ordem espiritual. Esta é a imagem do seu Criador. Por esta alma espiritual o homem consegue alçar-se à natureza material e dirigir-se a seu Criador.
Pode-se afirmar que na narrativa da Criação do Homem, no Gênesis, estão contidos os valores fundamentais do judaísmo. Nela há três aspectos que se sedimentaram na cultura ocidental. 1º A existência de um ser Superior do qual originou-se toda a existência, inclusive a vida. 2º Os seres criados não se identificam com a divindade. 3º O apogeu da Criação é o homem, constituído de homem e mulher, iguais em dignidade perante o Criador.
O primeiro grande valor legado pelo judaísmo ao cristianismo é a vida. O pensamento judaico busca a justificação do valor ético da vida numa autoridade fora deste mundo, na Transcendência. Os pensadores cristãos acrescentaram que a vida é um valor natural, isto é, inerente à natureza do homem. Através desta concepção o valor vida pôde ser assimilado como um valor ético consciente e de consenso no convívio social. Já não era mais necessário referir-se à transcendência, mas ao natural. No entanto, a vida do homem, continua uma dádiva divina. Por isso ninguém, nem ele próprio, têm o direito de tirá-la. Desse modo a vida humana é um dom concedido ao homem inerente ao seu ser. E mais, o Criador, através da lei natural, gravou indelevelmente na consciência do homem o sumo e primeiro valor do homem, a vida.[31]
A dádiva da vida, porém, para o homem, conforme a Bíblia, extrapola o restante da Criação. Enquanto os demais seres estão submetidos às leis do instinto natural, o homem foi dotado de outra faculdade, natural também, a da razão e por ela escolher opções. O homem recebeu em sua natureza a liberdade. Este é o segundo maior valor individual do homem. Com esta faculdade ele diferencia-se de todos os demais seres. O judaísmo entendia três tipos de liberdade: a sócio-política, a moral e a religiosa. A primeira, a liberdade sócio-política, opunha-se à escravidão.[32] Em Israel havia dois tipos de escravidão:os israelitas natos e os estrangeiros. Os primeiros gozavam de alguns direitos, como proibição de mutilação, roubo ou rapto, se circunciso podia participar das festas religiosas, e outros. O estrangeiro, porém, estava condenado à escravidão por toda a vida.
A liberdade moral é a mais importante do ponto de vista das conseqüências culturais para o ocidente e atualmente disseminado por todo mundo civilizado. Conforme ela, o homem pode agir com independência de acordo com sua própria decisão.[33] Este conceito ficou conhecido como a doutrina do livre arbítrio que em todos os grandes momentos da História teve representantes, tais como Aristóteles e Cícero na Antigüidade, Santa Agostinho e Santo Tomás na Idade Média, Leibniz na Moderna e Kant na Contemporânea.
A Teologia cristã, porém, desenvolveu outra noção de liberdade, qual seja, de que o homem somente é livre para fazer o bem e quando o fizer. E, além disso, a Divindade libertará o homem, o qual, pelo pecado de Adão e Eva, perdeu a liberdade e tornou-se escravo do mal. Nesse sentido, quanto mais o homem se submeter a Deus, mais livre será. Seria o paradoxo da suprema liberdade através da “escravidão voluntária”, como um “servo de Deus”, “preso por laços sagrados”, “escravo de todos”.[34]
O terceiro valor ético-moral, já presente no meio cultural hebreu,é a igualdade. No Livro Sagrado a conceituação da igualdade restringe-se na relação do homem com Deus. Os homens são iguais perante o seu Criador. Deus proclama que nada pode igualá-lo, mas Ele não faz distinção de homens. Por isso na relação hierárquica vertical de Deus-Homem, Deus é inigualável, mas na relação horizontal homem-homem e Deus os homens são iguais. E por que são iguais conforme a argumentação bíblica? Por que Deus os criou a todos, por que os fez todos do mesmo sangue, por que Deus quer a salvação de todos, por que todos são chamados à Vida Eterna.[35]
Quanto às desigualdades sociais, econômicas e políticas acha que são decorrências da presença do pecado. Isto sugere que, se eliminado o pecado, instalar-se-ia a igualdade sobre a terra.A Teologia não registra muito esforço no sentido de buscar a igualdade econômico-social. Concentra-se, isto sim, na disseminação da caridade, isto é, no amor entre os homens.
Entre os israelitas a propriedade privada era considerada um direito dado por Deus ao homem, isto é, à natureza humana. Dependendo da situação histórica a forma de propriedade variava. Como nômade, propriedade eram o gado e as moradias, as tendas, já como agricultor eram as terras, as quais passavam para os herdeiros. A justificativa para a  conquista de Canaã pelos israelitas, vencendo os povos que lá estavam estabelecidos, teria sido a promessa de Javé aos patriarcas e a seus descendentes de Ele lhes daria uma terra: a Terra Prometida. Disso decorreu na crença de que a terra pertence ao Deus de Israel. Com isso, legitimavam-se diversas práticas referentes á propriedade da terra tais como resgate, jubileu e ano sabático. E mais, o próprio povo de Israel acreditava-se propriedade de Javé.[36]
Contribuição ético política: o judaísmo possuía em seu bojo alguns valores fundamentais religiosos que os modernos pensadores os redefiniram como naturais: vida, liberdade, igualdade e propriedade.
O Cristianismo
O cristianismo no período medieval (395-1453 d.C) incorporou os valores judaicos e os reinterpretou conforme a influência filosófica do momento. Não foi de forma alguma monolítica. Com certeza quase em sua totalidade era cristã, no entanto, nem sempre as posições assumidas pela Igreja eram aceitas por todos, mormente em questões políticas. A Igreja adota a idéia da supremacia do poder espiritual sobre o temporal. Esta idéia não é unânime entre os cristãos.Disso resultou a bifurcação de duas linhas: a oficial, que admitia a supremacia do espiritual, e a dissidente, que postulava a precedência do Estado ou poder temporal, ou, no mínimo a igualdade dos dois poderes.
A Oficial, inaugurada com Constantino, atribui à Igreja não só a autoridade suprema sobre questões de fé, como também é grupo hegemônico em política. Neste sentido o Papa é considerado super autoridade, árbitro internacional e parâmetro da legitimidade dos governantes. A Igreja detém as diretrizes políticas e arvora-se o direito de desobrigar súditos de obediência a qualquer príncipe que não seguir suas orientações.
A segunda linha de atuação, a dissidente, insurge-se exatamente contra esta situação, defendendo posições contrárias. Pretende não questionar, por parte dos governantes, a legitimidade da autoridade do papado em matéria de fé, mas não aceita suas incursões no domínio do temporal. Preconiza, por isso, um divisor, uma esfera de Cezar e outra de Deus. Além disso, propõe uma maior liberdade, inclusive em alguns casos, em matéria de fé, e propugna pelo fim do patrulhamento religioso-político. Neste aspecto, torna-se precursores do protestantismo.
Destacam-se como pensadores da linha oficial, principalmente Santo Agostinho (na Patrística), e Santo Tomás (na Escolástica), além dos Santos Padres e outros seguidores desses grandes filósofos.
Entre os dissidentes, podem ser citados João Salisburgo (1118-1180), Dante Alighieri (1285-1321), Marcílio de Padua (1728-1342) e Guilherme de Ockham (1300-1349).
Duns Scotus (1270-1308), tanto pode ser considerado da linha oficial, como da dissidente, isto porque não critica a Igreja, mas apresenta propostas diversas.
Enfoque oficial.
2.1.1. Santo Agostinho
O Cristianismo realizou a grandiosa síntese entre o Judaísmo e o Paganismo. Do Judaísmo herdou o Depósito da Fé atribuindo-se a concretização das promessas divinas ao povo de Israel. No paganismo buscou a fundamentação filosófica para apologia de seus dogmas e de sua doutrina de uma maneira geral. Não há, por isso, uma ruptura radical entre o que pregava o Judaísmo em questão de fé, nem o que alcançaram os gregos e romanos em questões culturais. A fé judaica e a cultura greco-romana se fundiram no Cristianismo. Por isso, as questões ético-morais não somente não sofrerão quebra de continuidade, como receberão novo alento e maior aprofundamento.
Santo Agostinho (354-430), um dos maiores expoentes da cultura cristã, em relação á ética apresentou uma visão radical, pois opunha inconciliavelmente o bem e o mal, a Cidade de Deus e a Cidade Mundana. Ele que passou pela experiência do paganismo e depois da fé, ao abraçar o Cristianismo faz a síntese entre ambos. Evidentemente a seu modo, isto é, submetendo os valores éticos pagãos ao cristianismo. O que não servia ao cristianismo, exclui. Para ele, o único valor que conferia ao homem a dignidade de ser humano era ser cristão. Os que estivessem foram dessa redoma, estariam em situação de pecado. Nem mesmo os reis escapavam de sua classificação dicotômica: bons ou maus. Daí que vida, liberdade (livre arbítrio), igualdade perante Deus, e bens terrenos tinham uma interpretação, “sui generis”, limitada. Estes valores somente faziam sentido na fé cristã. Sua elaboração das diversas categorias de leis, irá inspirar os filósofos e teólogos durante toda a Idade Média. Inclusive o próprio Santo Tomás de Aquino irá se inspirar nele mil anos após.
Para Santo Agostinho as normas morais são criações extra-mundanas. Elas fazem parte do divino e exigem do homem obediência, através da obrigação moral.
Seu pensamento político e social, encontra-se principalmente na “De Civitate Dei”, que é uma interpretação cristã da História. O viés do divino perpassa toda sua concepção. A Queda de Roma em poder dos bárbaros não significava nada. O que se devia salvar é a Nova Jerusalém, a Igreja e a Fé.
Para ele, todos os homens são iguais por natureza, possuindo poder para dominar os animais, mas não se dominarem mutuamente. A natureza ainda faz com que os homens se congreguem para, vivendo em paz, atinjam a felicidade e se defendam contra os inimigos. Para ele, a sociedade nasceu da concórdia, da caridade, e do amor mútuo.
Concebe a Humanidade dividida em duas categorias: a terrena e a celeste. Até mesmo na organização político-social, Agostinho vê a dicotomia entre o bem e o mal. Os membros da cidade terrena amam-se a si mesmos e desprezam a Deus. Os membros da cidade celeste desprezam-se a si mesmos e amam a Deus.[37] Consideram-se em exílio aqui na terra, vivendo imiscuídos com os da cidade terrestre. Sendo o objetivo do amor o parâmetro para se diferenciar os terrenos e os celestes, os primeiros amam os bens terrenos e os segundos, apenas os celestiais. Estes últimos constituem a grei da Igreja.
Toda sociedade alicerça-se sobre a autoridade. Esta provém da natureza, pois ela exige que sempre alguém dirija, e consequentemente, outros que obedeçam, obtendo-se assim, a unidade do corpo social. A autoridade é um produto da natureza a qual origina, dentro do social, alguém melhor. Nesse aspecto segue o ensinamento do pagão Cícero.[38]
Esta porém, foi apenas a origem fenomenológica da autoridade. A moral mesmo é divina, conforme diz São Paulo: “Omnis potestas a Deo”. Deus dispõe o curso da História de modo que seus escolhidos, para participarem da sua autoridade, naturalmente coincidam. Para tanto, Deus se vale dos próprios acontecimentos, eleições, instituições, costumes e outros fatos. A Providência deixa os homens agiram livremente, mas seus desígnios sempre se cumprem.
A autoridade possui o poder moral e físico de decretar leis. A legitimidade, poder moral, pode ser medida pelo grau de justiça.[39] Às leis justas se deve obediência como a Deus, e às leis injustas se deve resistir passivamente. Para que o poder moral possa ser eficaz, deve estar acompanhado pelo poder coercitivo, físico, o qual obriga o cumprimento da lei.
Nas relações entre Igreja e Estado, Agostinho entende que ambas são sociedades perfeitas e soberanas, cabendo à Igreja o espiritual e ao Estado o temporal. O Estado, porém, está subordinado à Igreja, porque a vida terrena é um meio para se atingir o verdadeiro fim, que é a salvação. O Estado e seus membros, devem ser subordinados à Igreja.
Com Agostinho, estava firmada a doutrina da supremacia do espiritual sobre o temporal, cujo debate ocupará a intelectualidade durante toda a Idade Média e até mesmo no século XIX encontrará defensores, principalmente no Sillabus do Papa Pio IX. Esta doutrina da Supremacia do poder espiritual sobre o temporal é essencialmente moral, no entanto provocará as mais sangrentas guerras de Papas contra príncipes e de príncipes entre si.
Quanto à concepção de norma ou Lei, Agostinho segue a linha pagã de Platão e Cícero, pois, busca a fundamentação na divindade. Para ele, primeiramente há a norma eterna, invariável e universal, com a qual a Providência dirige o Mundo e a História dos Homens. Estes têm uma obrigação moral em obedecê-la, e nisto estaria a liberdade do Homem. Os seres possuem um fim, um destino a cumprir, imposto pela Providência através da Lei Eterna. Todos os seres tendem para um fim, e este movimento é precisamente a lei natural. Os irracionais seguem-na cegamente, mas os seres livres obedecem-na como uma necessidade de obrigação moral. Cada homem a traz gravada em sua consciência. Como, porém, o pecado a embotou, Deus quis relembrá-la e o fez através da Revelação. E esta Revolução constitui a Lei Divina. Os deveres mais gerais e universais da vida humana, pública e privada, bem como as relações internacionais, estão expressos na Lei Divina. Quando, porém, se tratar de particularidades da vida em sociedade, incluindo a convivência política, surge a Lei Humana.
Vê-se, portanto, que Agostinho introduz mais duas categorias de Leis: a Eterna e a Divina. Inclusive, a lei natural, indiretamente é a lei divina. A lei humana, ou as leis positivas, deverão estar em conformidade com as outras leis, não podendo contradizê-las.
Em Agostinho, as leis não são criações arbitrárias dos governantes, mas obedecem a todo um universo teológico. Não são também, meras convenções, pois estão dentro de um plano, o da Providência, por isso são morais. Agostinho, portanto, dá continuidade à linha platônica, formulando sobre princípios perfeitos numa sociedade perfeita.
Contribuição ético-moral: a Lei Eterna e a Divina são emanadas diretamente de Deus, a lei natural origina-se indiretamente de Deus e a lei humana emana dos homens. Por isso, conforme Santo Agostinho, as normas eterna e divina são obedecidas em todo cosmos, a lei natural deve ser obedecida por todos os homens em todos os tempos e lugares, são normas éticas e as leis humanas são produtos de cada sociedade, e por isso são normas morais.
2.l.2. Santo Tomás de Aquino
Quase mil anos após Santo Agostinho, quase no final da Idade Média, surge o ímpar pensador Santo Tomás de Aquino (1225-1274). Em todo aquele período, pontificou o pensamento de Santo Agostinho, que havia tomado emprestado do pagão Platão para defender o Cristianismo. Santo Tomás se valerá de outro grego pagão, Aristóteles para doutrinar em favor do Cristianismo.
Quanto à doutrina da concepção de lei, praticamente nada mudará. Santo Tomás distingue três espécies de leis:
1º Uma lei divina universal, que se estende a todos os seres: inanimados, animados e racionais. É proveniente da divina sabedoria, somente conhecida plenamente pelo próprio Deus e parcialmente por alguns a quem Deus revelar.[40]
2º Uma lei natural , a qual, o homem pode conhecê-la diretamente através da razão, pois, por ela, o homem participa da lei eterna, com a capacidade de criatura humana.[41]
3º Uma lei humana, as leis positivas, elaboradas pelo homem. Não são, porém, arbitrárias, mas calcadas nos princípios da lei natural, para casos particulares.[42]
Em Santo Tomás fica mais clara a concepção hierárquica das normas. Há as divinas, obrigatórias para todos os seres, as naturais, obrigatórias para todos os homens e por isso são éticas e há as humanas, morais, obrigatórias para sociedades particularizadas.
Santo Tomás, supera, pelo menos, duas grandes questões ético-morais deixadas por Santo Agostinho. Para este, tudo o que dissesse respeito à matéria - e por extensão, corpo, bens materiais, alimentação, bebidas, diversões, cultura laica, poder político, leigo – era considerado um valor inferior ao seu oposto: alma, bens espirituais, oração, cultura religiosa, poder eclesiástico e outros. Santo Tomás, invocando Aristóteles, o qual sempre se pautou pelo meio-termo, resgata os valores materiais. Desde que não se façam excessos, nada é um mal em si.
Outra questão era o Estado. Agostinho o via numa etapa inferior. Santo Tomás, o considera decorrente da natureza do homem, de conformidade com Aristóteles. Sua finalidade é promover o bem comum e propiciar a segurança dos cidadãos. No que diz respeito, às relações entre o poder temporal e espiritual, porém, este hierarquicamente lhe é superior.
Em relação à justiça, também segue Aristóteles. Este havia distinguido a justiça comutativa, a das trocas iguais, e a justiça distributiva, a dos desiguais. Tomas de Aquino acrescenta mais uma: a justiça legal. Ela significa a relação do todo com as partes. É o outro lado da justiça distributiva. O que os indivíduos farão para o todo, sociedade e Estado? E aqui existem obrigações desiguais. Se o Estado trata diversamente o bom cidadão do mau, em compensação espera deles, retribuições também diferentes. É isto que o Santo entende por justiça legal, a qual, nós a chamaríamos atualmente de justiça social.
Embora se possa individualmente ser comedido, corajoso, não se pode ser justo apenas consigo mesmo. Há sempre um “alter”. Por isso, a justiça como virtude é objetiva, em oposição a outras virtudes, que são subjetivas, pois não necessariamente envolvem outras pessoas. A justiça, por isso, tem um caráter bilateral.[43]
Os valores fundamentais do homem em Santo Tomás, estão inseridos dentro do contexto de sua doutrina. A visão cosmológica do Universo do Aquinate engloba a totalidade dos seres, incluindo Deus, Anjos, homens, animais, seres vivos e inanimados. Estes seres estão hierarquizados a partir de Deus até o mais ínfimo dos seres. À natureza do homem Santo Tomás reserva uma posição privilegiada. O homem não somente um ser corporal, mas racional e espiritual. E todos os homens são seres humanos, sem distinção de raça, cor, sexo. Essa igualdade reclamada para todos é devido ao fato de todos os homens provirem do mesmo casal criado por Deus. O homem recebeu como uma graça a vida de Deus, o qual lhe deu a razão e a alma. Por este último elemento aparenta-se com Deus. Pela razão e espiritualidade todos os homens recebem em si a lei natural, pela qual o homem pode escolher entre o bem e o mal. Se o homem peca, não pode invocar ignorância, pois a lei natural lhe diz o certo e o errado. Mas para que o homem tenha mérito ao escolher o bem, ele é dotado de livre arbítrio, isto é, o homem é um ser livre.
A propriedade é defendida por Tomás de Aquino como uma conseqüência da dignidade do trabalho humano. Através do trabalho o homem imita a Deus no seu ato criador. Como resultado de seu trabalho, o homem tem bens particulares, individuais ou privados, os quais ele os deve utilizar para seu próprio aperfeiçoamento e de sua comunidade. A propriedade, porém,não é ilimitada em Santo Tomás. Deve obedecer aos princípios comutativos e distributivos. O primeiro procura atingir a justiça através da igualdade de vantagens e desvantagens nas relações de troca e o no segundo a justiça se obtém ao distribuí-la na medida da colaboração de cada um. Santo Tomás procura ,através da propriedade, livrar o indivíduo da dependência total do Estado. Na propriedade o indivíduo estaria numa esfera autônoma, podendo assim exercitar sua liberdade. Por outro lado, o próprio poder de acesso à propriedade iguala os indivíduos na liberdade de possuir. A questão das diferenças sócio-econômicas, pensa que elas derivam da Providência e do trabalho pessoal. Quanto à primeira, é a ordem estamental desejada e aprovada por Deus, e quanto à Segunda depende do esforço pessoal, sua capacidade, e a sua própria disponibilidade de querer mais bens ou menos bens, ou mesmo não querê-los como acontece com àqueles que seguem a vida religiosa.
2.2.OS DISSIDENTES
A ala que não seguia literalmente a orientação da Igreja, os dissidentes, teve como preocupação maior subtrair o poder civil da submissão da Igreja. Embora tenham contribuído sobremaneira para um posterior governo calcado na moral, na questão dos valores éticos a preocupação foi mínima. Nesse sentido, o cuidado em reservar ao indivíduo uma esfera imune à ação avassaladora do Estado ou mesmo de maiorias, ou minorias, não mereceu a devida atenção dos dissidentes. Frisamos, contribuíram na renovação do pensamento político em outros ramos desse saber, mas descuraram na questão dos direitos fundamentais.
As correntes dissidentes apareceram no fim do século XIII e início do XIV, quando o Papa já não possuía mais uma incontestável autoridade sobre os príncipes. Nas várias lutas em que tomou parte, acabou corroendo-lhe o prestígio, principalmente o moral.
Um dos exemplos de tentativas de submissão do poder temporal ao espiritual ocorreu com o Papa Bonifácio VIII, que se opôs às pretensões de Felipe, o Bello, e seu ministro Nogaret, que queriam tributar os bens eclesiásticos. O Papa emite três bulas, reafirmando que “omnem creturam humanam subesse romano Pontifici”.
2.2.1. - Dante de Alighieri
Um dos mais destacados representantes da doutrina que discordava da submissão do Estado à Igreja, foi Dante Alighieri (1285-1321 d. C.).
A obra maior de repercussão, na época, que procurava combater a doutrina oficial da Igreja, foi a “De Monarchia” de Alighieri. Defende o governo romano, de um só homem, sobre todo o mundo. Isto porque, tal soberano, traria paz à humanidade e com ela adviria o desenvolvimento intelectual. Refuta a idéia, então em voga, de que o Papa é o Sol, e o Imperador, a Lua.
Se nas relações, entre Igreja e Estado, Alighieri se alinha na corrente dissidente, quanto à concepção da norma, permanece com a vertente naturalista. Pensa que haveria uma hierarquia de normas para se obter a harmonia dos cosmos. Primeiramente viria uma ordem natural. Nesta ordem natural, no pensamento de Alighieri, há uma disposição que deve ser mantida, tanto por si mesma como pelo homem. A ordem natural deve ser seguida, e não modificada. É universal e necessária. Seriam as normas éticas válidas para todos. O direito, a ordem humana, e por isso moral, deve esforçar-se para não quebrar a ordem dada pela natureza. Por isso, o ponto de partida, e o termo final, será sempre a ordem natural. Legislar significa respeitar a própria natureza, e nisso reside a legitimidade do direito.[44] E, conforme ele, o Império Romano é obra da própria natureza. Quando os romanos submeteram os povos, estavam agindo de acordo com a natureza, que tinha destinado um povo para governar o universo.
No Livro III, Dante tenta provar que o poder do monarca romano proveio diretamente de Deus, e não através de “algum vigário ou ministro de Deus”. Havendo uma continuidade entre natureza e Deus, o Império Romano é fruto da lei natural, e a Igreja, da lei Divina. Conforme ele, não consta na lei divina que os sacerdotes tivessem recebido poderes para instituir ou destituir soberanos.[45]
Contribuição ético-política: O fato de Dante ter deslocado o eixo da legitimidade do poder, a ser buscado na natureza, e não na Religião - como se fazia na Idade Média - possibilitou uma abertura para o avanço do pensamento político, que, de teocrático, evoluiria para antropológico. Quanto ás normas buscou fundamenta-las no lei natural.
2.2.2 - Marsilio de Pádua
Provavelmente, o maior crítico da subordinação do poder temporal ao religioso, na Idade Média, tenha sido Marsilio de Pádua (1275-1343 d. C.). A principal obra deste pensador, é a “Defensor Pacis”.[46]
Na questão ético-moral, embora Marsílio cite Aristóteles, a interpretação que lhe dá é bem diversa da dada por Aristóteles, e outros intérpretes da Idade Média. A questão do “natural”, por exemplo, é típica. Em Aristóteles, o natural, e com ele a lei, englobando aspectos materiais, culturais e morais. Em Marsílio, somente os aspectos materiais são levados em conta. Assim, o fundamento da sociabilidade do homem, para ele, está nas necessidades materiais - físicas e biológicas - desprezando o componente espiritual, como a linguagem e a comunicação, citados por Aristóteles. O aperfeiçoamento, a virtude, não consta em Marsílio, enquanto em Aristóteles são essenciais. A idéia de lei como parte de um contexto natural, desaparece, para dar lugar tão somente a convenções cuja finalidade é o bem estar material da sociedade. Em Aristóteles, o natural não é apenas o originário, mas também o teleológico, o “para o qual” dos seres. Marsílio considera o “natural”, apenas o primitivo, no caso do homem somente seus atributos físicos e biológicos. São apenas predicados nativos, esquecendo-se os adquiridos.
E como, os atributos físico-biológicos são comuns a todos os homens, a conclusão de Marsílio é pela igualdade. E, se os homens são iguais, o poder Supremo não pode estar com um ou alguns, mas com a totalidade deles, ou o conjunto dos cidadãos, ou uma parte preponderante, eleita pela totalidade.
O respeito do conceito de Lei é decorrente, em Marsílio, da lei natural num sentido “equívoco”, isto é, a lei natural não fundamenta o direito positivo no sentido diverso de Aristóteles e Cícero.[47] Aborda-o em si e justificando-o por si. Para Marsílio, a lei deve obrigar, nisso residindo sua essência. Enquanto na linha Aristotélica a grande preocupação era a justiça, em Marsílio, era a vontade do legislador. Conforme ele, haveria duas espécies de leis: a divina e a humana, ambas porém, escritas, isto é, positivas. Na primeira, estaria expressa a vontade de Deus, na segunda, a “valentior pars” ou “universitas civium”. E, como o povo transfere a soberania para o governante, a vontade do governante, expressa na lei, deveria obrigar todos os cidadãos.
No que tange à política não só defende a separação do poder temporal e espiritual, como a subordinação deste àquele. Diz ele que a Igreja é formada por todos os cristãos que têm por objetivo a felicidade eterna. Todos os cargos eclesiásticos são iguais, e não deve haver limites territoriais para o exercício das funções religiosas. Para ele, São Pedro era igual aos demais, não tendo primado algum sobre os outros, inclusive, é duvidoso que tenha estado em Roma. O poder do Papa foi usurpado dos Bispos e fiéis, com condescendência dos imperadores. O poder supremo da Igreja não está no Papa, mas no Concílio Ecumênico, cujos representantes seriam eleitos pelos fiéis. Quem deve convocá-lo é o executivo do povo romano, isto é, o imperador. O poder dos papas não pode ir além do conferido pelo povo cristão através de seus representantes e o imperador. Igualmente, caberia ao povo aos fiéis, elegerem e depor o Papa, com a sanção do Imperador. O mesmo se daria com os Bispos e presbíteros. A Igreja não tem poder coativo sobre os fiéis, cabendo este poder ao civil. Para haver paz e tranqüilidade, pensa Marsílio, a Igreja deveria estar subordinada ao Estado.
Três conceitos fundamentais compõem o pensamento político de Marsílio: o povo, a cidadania e a parte preponderante (valentior pars). Para ele, povo abrange a totalidade da sociedade, aproximando-se de Cícero, com o significado do termo populus, mas afastando-se de Aristóteles que abrangia uma parte da sociedade. Para Marsílio, povo abrange agricultores, operários, nobres e clero. No que concerne o conceito de cidadania, Marsílio segue Aristóteles, para quem os cidadãos eram os que tinham parte ativa na comunidade civil, quer nas funções deliberativas, quer judiciárias, excluindo-se as crianças, os servos e mulheres. Quanto à representação, Marsílio antecipa-se a Rousseau. Embora as leis possam ser elaboradas por um grupo restrito, elas somente terão validade se tiverem a sanção popular:[48]
A “valentior pars” entende uma significativa participação numérica e ao mesmo tempo o destaque na sociedade, em outras palavras, implica na quantidade e na qualidade. Dela fazem parte todos os que potencialmente podem exercer alguma função na vida pública. Por isso, povo e “valentior pars” praticamente se identificam. O povo deve participar diretamente na elaboração das leis.
Contribuição ético-política: a proposta de Marsílio inclui uma subordinação da Igreja ao Estado. Em relação à ética isto institui a possibilidade de uma autonomia em relação ao poder religioso e como tal uma moral ou ética consensual. Uma ética decorrente de uma religião só unanimemente ou autoritariamente pode ser estendida a toda uma sociedade.
2.2.3 - Guilherme de Ockham
Diferentemente de Marsílio, Guilherme de Ockham (1270-1347 d. C.), em vez de propor a submissão do poder espiritual ao temporal, distingue os diversos poderes e atribuições, através de categorias de leis. No “Diálogos”, procura delimitar a esfera de ação de Igreja e Estado. A estratégia, evidentemente, seria a oposição às pretensões papais, ou o domínio do espiritual sobre o temporal.
Para justificar seu pensamento, Ockham apela para a origem diversa de direitos. Há, conforme ele, normas que provieram de Deus, da natureza e do homem. As primeiras seriam divinas e como váludas para todos seriam éticas, enquanto as segundas seriam criadas pelo homem e por isso morais. Não caberia ao Papa suprimi-las, perturbá-las ou violá-las. Se às normas divinas se deve obediência as humanas surgidas por desígnio de Deus ou da natureza, teve uma evolução laica, dever-se-ia respeitá-las.
Quanto à fundamentação da ética, Okham se faz seguinte pergunta: o que é mais útil para a Igreja e Estado? À Sociedade e ao Indivíduo? A resposta lógica, encontrada por Ockham é a Liberdade de cada um na sua esfera. O que acarreta prejuízos: União de Igreja e Estado, a intromissão mútua, desrespeito às crenças pessoais, ataque à liberdade. Por isso, deve ser isto afastado. Logo, o utilitarismo deveria ser o fundamento da ética e da moral.
No que se refere ao político, para ele, o Papa teria recebido de Cristo um poder restrito, tanto temporal como espiritual. Este poder governaria a comunidade de fiéis, mas despojado da possibilidade de converter-se em poder tirano. O poder papal teria como limite o direito natural, o direito das gentes e a leis civis. Vê-se, por isso, que a lei natural é distinta das demais leis, e se apresenta como instância da natureza humana. Das sociedades entre si, valeria a lei das gentes, dos membros de uma determinada sociedade entre si, valeria a lei civil daquela sociedade, e da humanidade valeria o direito natural.
A autoridade papal não vai além das questões que têm fundamento no Evangelho, como sacramento, ordenação, formação do clero. Além da lei do Evangelho, não pode exigir obediência de ninguém, embora pudesse aconselhar.[49]
Contribuição ético-política: por caminhos diferentes dos de Marsílio propõe também uma ética consensual e em vez da subordinação do poder espiritual ao temporal, a separação.


III- A EXPERIÊNCIA ÉTICO-MORAL DA IDADE MODERNA.
1. O RENASCIMENTO
O fenômeno mais marcante, constituindo-se num divisor entre a Idade Média e a Idade Moderna, foi o Renascimento que se estende do século XV ao XVII d.C. A Idade Média está impregnada pela idéia de autoridade, presente em todos os campos do saber e da convivência política. A autoridade religiosa (o Papa), a autoridade política (Imperador), a autoridade filosófica (Aristóteles e Santo Tomás), a autoridade científica (a Bíblia), enfim, a autoridade fonte de conhecimento e comportamento.
Alguns acontecimentos ocasionaram a mudança do autoritarismo, baseado em fundamentos externos ao homem, para um autocratismo, sustentado no julgamento pessoal e no convencimento. Por ocasião da Queda de Constantinopla (1453), os maiores intelectuais gregos tiveram que se refugiar na Europa, mormente Itália, injetando nela uma genuína cultura grega ainda não atingida pela "cristianização". Desse fenômeno surge um novo humanismo, diferente do medieval, este impregnado de ascetismo. Evidentemente o intercâmbio entre Oriente e Ocidente começara bem antes, mormente com as cruzadas. No entanto, a vitória do Islamismo sobre o cristianismo em Constantinopla precipitou uma fuga em massa dos intelectuais para o Ocidente, onde o Cristianismo era ainda a religião oficial da Europa.
Outro fenômeno relevante foi a invenção da imprensa, que permitiu difundir, no meio laico, a cultura, até então quase exclusivamente reservada aos que se dedicassem à vida religiosa.
Uma terceira causa, foi o alargamento do conhecimento da terra bem como as mudanças na concepção de universo. Nesta última, ressalta-se o abandono do sistema ptolomáico, pelo copernicano.
O fenômeno da cisão da cristandade ocidental constituiu-se no fato da maior importância, pois os princípios advindos da reforma protestante influenciaram sobremaneira a religião, economia e política, sem falar na moral, que terá repercussões sobre as três anteriores.
Na política, o advento de novas doutrinas, que, embora antevistas na Antigüidade e Idade Média, não lograram uma sistematização, de modo que pudessem ser propostas visíveis ou ao menos tentadas na sua operacionalização. As grandes questões que surgem são a discussão do poder em si, seu fundamento, origem e finalidade. As relações entre indivíduo e sociedade, governantes e governados, as relações entre indivíduo, sociedade e Estado, e vice-versa, são alguns dos temas centrais do novo debate político. A grosso modo, duas grandes vertentes surgem nessa época: o poder absoluto do Estado, dispensando-se a participação popular e a liberal, exigindo a participação da comunidade na política. A prática consagra primeiramente a liberal e, posteriormente, através de um movimento "a se", de dentro do próprio liberalismo, chegar à democracia. A proposta "democrática", pela tergiversação em torno da representação, tem como conseqüência o democratismo, apresentando-se com versões autocráticas ou mesmo totalitárias.
Na Renascença tem lugar um movimento intelectual denominado de Humanismo. Ele significa a valorização do homem, elevado quase à categoria divina, senhor de si e do universo. É, na verdade, o retorno às fontes primeiras na concepção de homem. No entanto, este conceito nunca mais poderia ser da mesma natureza que a concepção pagã. Quinze séculos de cristianismo não poderia, de uma hora para outra, serem sepultados. O Cristianismo já havia assimilado tanto o paganismo como o judaísmo e fundidos numa só cultura, embora as duas vertentes anteriores continuassem. Significa que nem judaísmo, e em maior escala o paganismo, haviam sido eliminados. De modo que, os Renascentistas ao se proporem a volta às fontes pagãs não pretendiam sepultar os mil e quinhentos anos de cristianismo. O Cristianismo era uma realidade que havia impregnado toda cultura européia.
Como a Renascença a ética e a moral foram predominantemente neo-platônicas. A preocupação com um conjunto de valores consensuais em torno do homem ficou prejudicada pois a maior parte das grandes propostas renascentistas foram coletivistas, como, por exemplo, Tomás Morus. No contraponto, Nicolau Maquiavel, com autocratismo político e liberalismo econômico. Apresentaremos estes dois pensadores como protótipos da ética renascentista.
1.1. Thomas Morus.
Thomas Morus (1478-1535 d.C.), pode ser considerado um modelo de coletivismo ético emerso na Renascença. Era um alto membro da hierarquia eclesiástica na Inglaterra, bispo, e canonizado como santo pela Igreja católica, por Pio XII. Viveu sob o governo de Henrique XVIII, num ambiente de tensão religiosa, causado pelos atritos entre a as pretensões de Henrique XVIII e a Igreja, disputas políticas, devido ao avanço das pretensões absolutistas da coroa em detrimento do Parlamento e desafios morais, pela determinação do rei de anular seu primeiro casamento e casar-se com Ana Bolena. Tomás Morus, tinha que conciliar a amizade do rei e a fidelidade a Roma. Não demorou em que teve que optar: ou rei ou o Papa. Optou pelo Papa, e pagou com a vida.
Morus não podia falar abertamente e nem diretamente, por isso, no seu livro Utopia utilizou um artifício, isto é, um discurso indireto e jocoso.
Um estranho, Hythloday, de Antuérpia, Holanda, conversa com Morus e descreve a vida de uma comunidade numa ilha chamada Amaurote. Nesta vivia a comunidade de Utopia. Os termos designativos de lugares, instuições ou mesmo modus vivendi foram buscados no grego, usados de tal forma que sempre se negam, como Utopia significa “lugar sem lugar”, o rio Anidra que quer dizer água sem água, ou a instituição política do Insenato Mentirano, querendo dizer um Senado de mentira e assim por diante.
Saltam à vista dois aspectos fundamentais da obra de Morus: um é o político e outro é o social. Quanto ao primeiro,o político, Thomas propõe nada mais e nada menos que a eleição dos governantes máximos. Descreve a Utopia, apresentando uma intrincada organização política, mas que, no final, quer sob formas diretas, ou indiretas, os governantes emergiam de eleições. As cidades de Utopia eram organizadas em comunidades de trinta famílias que elegiam seus líderes, os sifrogantes. Estes elegiam uma espécie de Conselho e este elegia o Rei. O rei provinha de eleição e não por hereditariedade, como acontecia, e sua legitimidade dependia da aprovação popular e não por “direito divino”.
Em questões éticas com exceção da igualdade,os demais valores são tidos como inferiores. Ninguém possuía uma liberdade pessoal, muito menos propriedade, considerada coletiva. A vida era totalmente tutelada pelo poder público.[50]
Contribuição ético-política: a participação da comunidade na constituição e exercício do poder.
1.2. Nicolau Maquiavel
Nicolau Maquiavel (1469-1527 d. C.) apontado como o pensador político que por primeiro tratou a questão política como tema autônomo, tanto da religião, como da moral religiosa. Por isso, sua grande contribuição ter estudado o fato político em si e dele se extraindo conseqüências úteis para o conhecimento e a prática política. Com ele surgia um ética e uma moral desprendida da religião.
Um dos grandes objetivos desse pensador será estudar a causa da decadência dos Estados, e os meios de que os governantes dispõem para torná-los permanentes. A preocupação será manter-se no poder e garantir a soberania do Estado, tanto interna, como externamente, através do governante inatacável. Mas onde deve se apoiar o governante, para ser forte o suficiente para que ninguém lhe faça oposição? Paradoxalmente, Maquiavel defende um governo autocrático, com apoio popular. Inúmeras são as passagens em que aflora essa idéia, tanto no Príncipe, como nos Comentários sobre a Primeira Década de Tito Lívio. Insinua um pacto direto com o povo, em detrimento dos poderosos, quer dos nobres ou dos burgueses. Para tanto, o Príncipe deve tornar-se protetor dos mais fracos, o verdugo dos mais fortes e couraça contra os estrangeiros.[51]
O poder, para Maquiavel, deve ser exercido em plenitude pelo seu detentor. Para atingir tal objetivo pode lançar mão dos meios lícitos e ilícitos, mas sempre contar com o apoio popular, porque sem este, conforme Maquiavel, ninguém poderá manter-se muito tempo no governo. Para tanto, deve ser mau, quando for necessário, ou bom sempre, ao menos que o povo creia nisso. Por isso, o governante dever ter a prudência necessária para parecer: ora ladrão, ora pródigo; ora cruel, ora piedoso; perjuro ou leal; pusilânime ou truculento; humanitário ou soberbo; lascivo ou casto; estúpido ou astuto; grave ou leviano; religioso ou ateu. De conformidade com a conveniência das circunstâncias, para manter o apoio popular, ter a firmeza necessária perante os poderosos pode escolher a "virtude" mais apropriada.[52]
Em Maquiavel, encontramos três princípios ético-morais fundamentais que regem as relações políticas:
1º) Indiferença moral. O governo e o governante devem estar acima do povo, e das questões morais. O fim sempre é o bem do Estado. E neste caso, os fins justificam os meios. Não há um limite, ou uma esfera intocável, ou até mesmo um conjunto de valores éticos consensuais. O governante, através do Estado, está autorizado a fazer tudo o que achar que for necessário para defender o Estado.
2º) A natureza humana é essencialmente egoísta. Os indivíduos somente são bons por conveniência. O natural é a agressão mútua. Por isso, há necessidade de um governante que os defenda. Todos sempre querem mais. Ninguém se contenta com o que tem. O bom governante não deve reprimir este desejo inato, mas promovê-lo. É nisso que está o sucesso de seu governo. Se todos progredirem, ou quantos mais houver quem progrida, mais aceito é o governante. Além disso, em decorrência do desejo de querer sempre mais, todos querem viver e ter propriedades. O governante deverá promover este desejo, e nunca se apropriar de propriedades dos súditos. É preferível que o governante mate, mas não roube. Neste aspecto a ética de Maquiavel afasta-se totalmente do protecionismo econômico e antecipa-se aos princípios éticos do liberalismo.
3º) Legislador onipotente. O governante é o legislador, função esta que deve ser exercida por uma única pessoa, que, de preferência, faça de imediato todas as leis, e boas, para não haver necessidade de futuras reformas. Uma vez feitas as leis, estas devem ser obedecidas. Através das leis, o legislador ou governante, fará a sociedade. Esta é a imagem de seu governante. Para tanto, deve manter uma força militar para ter poder efetivo e manter o povo submisso.
Conforme Maquiavel, as leis são meras criações da vontade de alguém. Não há, conforme ele, nenhuma relação com a ordem universal, vontade divina ou expressão da natureza. Na Introdução dos “Comentários”, diz as leis não passam de sentenças dos jurisconsultos. Para ele, portanto, as leis são de origem moral, isto é, dos costumes de uma sociedade localizada. São por isso meras convenções ou instrumentos de que os governantes podem lançar mão para poderem se manter no poder. As leis são feitas pelo governante para que o povo obedeça e com isso, conforme ele, seja feliz e livre.
Maquiavel insiste em diversas passagens, da necessidade de o povo participar. Esta participação se daria, conforme ele, na possibilidade de o povo poder de denunciar os assessores do governante. O chefe supremo deveria estar imune às críticas, mas seus coadjuvantes poderiam ser criticados.      Maquiavel coloca esta questão no problema de equilíbrio de poder. A quem se deveria confiar o fiel da balança: ao Senado, ou ao povo? O primeiro possui os privilégios, não os quer perder, ao contrário, quer aumentá-los. O segundo, não possui nada, quer agora um pouco, e mais tarde tudo. Inevitavelmente as inimizades entre ambos, nobreza e povo subsistiriam. Pensa ele, no entanto, que caberia ao povo, ou a seus representantes, o poder de denunciar publicamente os escândalos dos colaboradores do governante. Isto por duas razões capitais: a primeira, porque serviria de dissuasão para todos os que pretendessem atentar contra o Estado. Caso se concretizasse, os que se atrevessem seriam, de imediato, castigados. A segunda, porque seria uma válvula de escape às paixões latentes de uns cidadãos contra os outros. Quando não encontram meios previstos em lei, assumem proporções ilegais, desestabilizando o Estado. Uma punição legal uma vez ou outra impõe a ordem pública e ela sempre é melhor que exercida por particulares.[53]
Vê-se, portanto, que Maquiavel politicamente alinha-se numa vertente populista. Há, sempre, nesta linha de pensamento, uma associação entre o absolutismo e o apelo popular. Não se considera a norma como resultado de um amplo contexto, o consensual ou mesmo natural mas meras criações voluntaristas dos legisladores. O governante, desde que consiga o respaldo popular, pode dispensar grupos intermediários e governar discricionariamente.
Contribuição ético-política: Maquiavel inaugurou uma ética e uma moral laica. Com isso abriu caminho para uma ética consensual, a qual, num ambiente de predomínio religioso, era muito difícil senão impossível.
2. O Iluminismo.
Durante a Idade Moderna, no século XVII, tornou-se hegemônica uma idéia-eixo que imantou em torno de si pensadores políticos de diversas tendências ideológicas. Trata-se do contratualismo que, politicamente, propugnava para a queda do Absolutismo, divisão e limitação do poder e instituição de um governo de origem popular. O contratualismo, porém, não só dizia respeito a questões de governo- relações entre governantes e governados- mas também na convivência dos cidadãos, na participação dos bens, na submissão às mesmas leis, e principalmente no esforço de salvaguardar o indivíduo perante o poder. E nisso desenvolveu eminentemente um pensamento ético.
Precisamente na concepção de lei que se estabelecerá o divisor ideológico dos contratualistas. Neste particular a divisão que se estabeleceu foi entre os partidários do jusnaturalismo e os partidários do convencionalismo. Entre os primeiros podem ser citados Jean Bodin, Hugo Grócio, Thomas Hobbes, Samuel Pufendorf, com John Locke, culminando com Emanuel Kant. Entre os segundos poderiam ser enumerados François-Vicent Toussaint, Claude- Adrien Helvetius, François-Marie Arouet, Denis Diderot, Paul Henri Dietrich e Jean-Jacques Rousseau.
Os jusnaturalistas defendem uma moral natural (evidentemente além de um direito positivo), e lhe atribuem procedência e supremacia em relação aos demais direitos e leis. Pela moral natural ou pela lei da natureza o homem se torna partícipe da natureza, do cosmos e mesmo da divindade. A moral natural dá origem a um conjunto de direitos naturais que não podem ser objeto de questionamento por parte do poder político, pela maioria, pela minoria ou por quem quer que seja. Eles, a priori, devem ser reconhecidos. As leis naturais, contextualizadas no direito natural, devem ser acatadas de imediato, como normas gerais a nortear as leis positivas. Neste sentido, a natureza seria um modelo e uma fonte inesgotável de pesquisa por parte do homem. Não, porém, qualquer natureza, mas a humana. Por isso a lei natural é a lei presente no homem, que chega mesmo a ser atribuída à divindade por alguns autores. Mesmo em pensadores autoritários como Hobbes, a transferência de todas as prerrogativas ao Leviathan, faz-se para garantir os direitos primeiros e a lei natural.
Os convencionalistas, por sua vez, são contra a existência de uma moral natural e dão uma interpretação diferente à lei natural. Ela não pode ser buscada na experiência, na História ou em qualquer que seja a sociedade constituída. Nesses casos concretos ela já está deturpada. Eliminada a experiência, e afastada a hipótese de uma dádiva divina, resta a razão. Seguindo os passos da razão o homem pode chegar ao verdadeiro ser humano, individual, puro, dotado do sentimento geral de “humanidade, sem ciência ou arte,”. Este homem, concretamente não existe mais, pois foi corrompido pela ciência e técnica. Por isso, é necessário encontrá-lo em seu estado natural na razão. A razão elaborará as leis, aquelas que a razão dos homens convencionarem que sejam as melhores. Por isso as leis não têm outro fundamento senão a razão.
2.1. Os jusnaturalistas.
2.1.1. Jean Bodin
A questão fundamental e política, trazida para o debate por Jean Bodin (153O-1596 d.C.), foi a soberania e dela decorre a ética. Nos períodos anteriores, o tema foi quase sempre tergiversado. Bodin o encarou de frente e se não conseguiu dar uma resposta satisfatória, à altura dos  conhecimentos em ciência política da época, cabe-lhe o mérito de ter procurado a solução. Não se pode dizer que tenha conseguido uma distinção clara entre governo e soberania, distinção esta conseguida com Rousseau. Conforme ele, há três formas de soberania: monarquia, aristocracia e democracia. Outros pensadores haviam proposto, mas como forma de governo, inclusive, Aristóteles. Esses aceitavam formas mistas. Bodin rechaça-as, qualificando-as de "corruptiones rerumpublicarum". E sua preferência será pela monarquia, pois, conforme ele, a mais eficaz, pois na pessoa do rei concentram-se a força, o poder e a unidade do Estado. Os caracteres essenciais da soberania são poder absoluto, ou indivisibilidade e a unidade, bem como a perpetuidade, que estão então afetos à soberania do poder de fazer leis.
No pensamento de Bodin, quem faz alguma coisa é superior à sua criação. Logo, quem faz as leis é superior a elas. Só não superior àquilo que foi feito por outros, tais como as normas divinas e as leis naturais. Internamente, o legislador não tem limites. Só presta contas a Deus e à Natureza. Os cidadãos sequer têm o direito de rebelião contra a tirania. Além dessas funções legislativas, a soberania ainda exercia funções executivas e judiciárias, tais como: castigar os delitos, perdoar os condenados, declarar a guerra e fazer a paz.
O sujeito da soberania é o corpo político, o conjunto dos cidadãos, ou as famílias, pois estas se constituem na primeira comunidade natural, o grupo social criado pelo próprio Deus. No corpo social está depositada a soberania e nele se perpetua. Como, porém, o povo, na prática, não pode exercer a soberania, ela é delegada a um ou vários representantes. E sendo a monarquia a melhor forma de governo, conforme Bodin, ela representa, na prática, o corpo social. Quem recebe a delegação da soberania, recebe também seus caracteres, qual seja, a unidade, a indivisibilidade, o absolutismo e a perpetuidade. O monarca, detentor da soberania, pode ditar leis sem consultar seus súditos, pode intervir em todas as atividades da sociedade, públicas ou privadas, escolher a religião. Não pode ser julgado, nem deposto. Somente perante Deus responsável. Em Bodin, encontramos a idéia de soberania depositada e exercida pelo monarca. Em decorrência, o regime proposto é o absolutismo, cuja legitimidade teria por pilastra a delegação do corpo prático. Nem por isso, no entanto, o monarca tem o direito de governar com tirania. Neste aspecto, contraria Maquiavel, pois Bodin entende que o governo do monarca deve se pautar pela moralidade e levar em conta o direito natural. Opondo-se ao tirano, o rei, conforme Bodin, deve realizar a piedade, a justiça e a fé[54].
Apesar destas ressalvas individualmente, ninguém tem garantia nenhuma. Tudo depende da boa vontade do monarca, que presta contas natureza, a Deus, mas não ao indivíduo ou à sociedade. Os indivíduos ficam dependentes da moralidade do monarca. Se a nação tiver a ventura de ser governada por um monarca que respeito as leis morais, então os valores morais serão respeitados. Caso contrário, imperará a tirania.
1.2 - Hugo Grócio
Tomando como tema de fundo os problemas internacionais, pois no período nem Papa, nem Imperador podiam exercer efetivamente uma hegemonia nessas questões, Hugo Grócio (1583-1645 d. C.)  enfrenta os problemas morais e éticos ma obra: "De Iure Belli ac Pacis".[55]
Para ele, o direito natural tem sua razão de ser na própria natureza humana. Como o homem é um ser criado por Deus, por extensão, o direito natural deriva do próprio Deus, como ensinaram Santo Agostinho e Santo Tomás. O homem, considerado puramente natural, conforme Grócio, não teria direito nenhum. Seus direitos emergem de sua natural sociabilidade, que lhe é intrínseca, e não decorrente apenas da necessidade, interesses ou conveniências. Embora não tivesse necessidade ou interesses, assim mesmo o homem procuraria seus semelhantes para constituir uma sociedade pacífica e racional. Diz ele: "Nam naturalis iuris mater est ipsa humana natura, quae nos, etiamsi re nulla indigeremus, ad societatem mutuam appetendam ferret."
Grócio vincula o direito natural, não propriamente ao homem em si, ou a sua natureza, mas a sua sociabilidade. Consequentemente, só enquanto o homem for um ser social, e não individual, ele será sujeito direitos naturais. Inexistindo sociedade, desaparece o direito natural. Esta idéia será retomada por Rousseau, concluindo que todos os direitos decorrem da sociabilidade, inclusive os naturais.
Para ele não há uma ética extensiva a todos os homens. Apenas aspectos morais que se manifestam em sociedades concretas ou históricas. Embora diga que o direito natural, ditado pela reta razão, indica a bondade ou maldade da ação, sua conveniência ou inconveniência com a natureza racional, não lhe opõe limite à esfera do social. Disso decorre que a moral é fruto do grupo hegemônico do momento. Consequentemente, na prática, será absoluto e exclusivista.
O direito, por sua vez, é conseqüência de convenções, ou apenas sociais. Não há direitos individuais, apenas sociais. Não sendo os direitos decorrentes da natureza humana ou inatos, mas conseqüências do princípio da sociabilidade, eles são tão somente corolários do social. E se a sociedade os dá, ela também pode tirá-los.
Em que pese o fato de separar a moral da teologia, significativo avanço, no sentido de evitar o exclusivismo confessional, não isola alguns princípios básicos referentes à natureza humana, sem os quais o homem, ou ficará mutilado em sua dignidade, ou deixará de ser homem.
Grócio distingue contrato social e pacto social. Pelo primeiro se constitui a sociedade e pelo segundo o governo. A sociedade nasce do "appetitus societas". Para Grócio, diferentemente de Locke, a passagem do "estado de natureza" para o convívio social, deu-se, de fato, historicamente. Desde o momento em que o homem se congrega com os semelhantes, aflora a sociedade e, a partir de então, começa a ser elaborado o direito civil positivo. No entanto, não foi um ato racional, premeditado na sua concretização, mas circunstâncias, fortuitas, oportunistas, ou até mesmo opiniões, que levaram o homem ao contrato. Foi, portanto, um ato externo.[56]
Ocorrido o contrato, de imediato nasce o pacto, isto é, um governo, uma autoridade, uma "praesuntio iuris e de iure". Feito o pacto, a comunidade passa a ter uma obrigação de obedecer para sempre ao soberano. Supõe-se que doravante a obra dos governantes esteja de acordo com a comunidade. O aceno de Grócio , portanto, aponta também para o absolutismo. De origem popular, pelo pacto, torna-se definitivo para as gerações vindouras. Por esta doutrina instala-se o relativismo moral em relação ao respeito à vida e à propriedade, bem como o exercício de liberdade em condições de igualdade.[57]
1.3 - Thomas Hobbes
Embora seguisse uma linha de pensamento coletivista, como o fizeram Maquiavel e Grócio, Thomas Hobbes (1588-1679), foi um dos maiores jusnaturalistas da época Moderna. Com ele a questão dos direitos do homem começou a ser tratada sistematicamente, isto é, discute-se em si a vida, a liberdade, igualdade e propriedade. Nos pensadores anteriores os direitos do homem eram abordados no contexto e como conseqüência, como por exemplo, a questão do depositário da soberania. Se toda soberania é entregue a um determinado indivíduo, como um rei, qual a margem de liberdade que sobraria para os indivíduos? Com Hobbes,os direitos do homem começam a ser debatidos diretamente. Como podem e qual a melhor maneira de os indivíduos sobreviverem? Como é possível os homens conviverem e ao mesmo tempo serem livres. Podem os homens serem iguais e ao mesmo tempo livres? Iguais em tudo ou em quê?Aquilo que o homem consegue com seu esforço, trabalho, capacidade e dons naturais, pode reservar para si, ou terá que colocar à disposição dos demais? Todas estas questões, a partir de Hobbes são colocadas para discussão, sobre o grande princípio do direito de natureza.
O princípio supremo da natureza o poder de usar a liberdade e, por isso, lançar mão de todos os meios, para que cada um defenda sua própria vida. Consequentemente, o bem maior, o bem-tronco do qual outros adviriam, seria apenas a vida. Diferencia-se, portanto, Hobbes, da vertente de Santo Tomás, Aristóteles, Cícero e Santo Agostinho, para os quais, além da vida, há outros valores igualmente válidos que engrandecem o homem, tais como: a liberdade, a propriedade, o aprimoramento moral e outros.
Conforme ele, em estado de natureza, cada homem pode dispor totalmente de sua liberdade. Ora, se todos assim o fizerem, maxime na defesa de suas vidas, ocorrer uma guerra de todos contra todos. Daí surge a primeira lei da natureza:
1ª) Procurar a paz e segui-la.
Ora, para conseguir isso, o homem não pode poupar esforços. Deve tirar proveito de todas as circunstâncias para manter a paz. Disso decorre a segunda lei:
2ª) Defendermo-nos por todos os meios possíveis.
Ora, se assim todos o fizessem, teríamos o caos da guerra generalizada, logo, será necessário encontrar uma fórmula, que também seja um meio, para se assegurar a paz. Esta fórmula consiste em que cada um aceite transferir seus direitos, sem restrições. É o contrato. A partir deste ato, contrato, não há mais retorno, isto é, a terceira lei:
3ª) Cumprimento dos pactos.
Nisso consiste a justiça, no cumprimento dos contratos, porque conforme Hobbes, no período anterior, estado de natureza, nada seria injusto, pois todos teriam direito a tudo.
Há dois tipos de transferência: o do contrato e o da graça. O primeiro transfere direitos mútuos, mas o segundo uma doação, ou graça. Este também pode perturbar a paz, pois o doador, não vendo cumprida sua expectativa, pode revogar seu ato, e, consequentemente, voltaria ao estado de guerra, ou de natureza. Por isso, a quarta lei:
4ª) O benefício por uma graça, satisfaça a expectativa do doador.
A vida em sociedade exige certas renúncias, sem as quais seria intolerável. De certo modo, cada um deve renunciar a certas comodidades para o bem de todos. Disso decorre, a quinta lei:
5ª) Esforçar-se para ser sociável.
Outra exigência é pôr uma pedra em cima do passado, e fazer “tabula rasa" do período anterior. É preciso começar tudo com uma forte inspiração moral, de bondade e de boa vontade de uns para com os outros. Disso resulta a próxima lei:
6ª) Perdoar as ofensas passadas e arrepender-se delas.
Como conseqüência, provém a sétima e oitava leis da natureza:
7ª) Banir a vingança.
8ª) Ninguém deverá devotar, nem demonstrar, por qualquer sinal, desprezo pelo outro ou declarar ódio a seu semelhante.
Conforme Hobbes, foram as leis civis que determinaram a desigualdade dos homens. Em estado de natureza, todos são iguais. Expressamente, contradiz Aristóteles, na Política, que fundamenta a desigualdade na natureza. Pensa que todos são iguais por ela. Daí a nona lei:
9ª) Que cada um reconheça o outro, igual, por natureza.
E dessa lei decorre outra, isto , que, ao se abandonar o estado de guerra, ninguém queira adiantar-se aos demais:
10ª) Começar em igualdade de condições.
Em relação à divisão dos bens, Hobbes pretende que se busque justiça, por isso, a lei.
11ª) As coisas indivisíveis, sejam comuns, as divisíveis sorteadas.
No caso de alguém bem que não possa ser dividido, nem gozado por todos, Hobbes apela para a experiência grega, utilizando-se do critério do sorteio, que pode funcionar de duas maneiras: arbitramento, chamado de arbítrio, e o natural, que  dado por sorteio, chamado pelos gregos de cleronomia [58]
Ponderável, como se percebe, a influência moral que Hobbes atribui ao estado de natureza. Há um "ethos" subjacente transformação pretendida, isto é, passagem da situação "bellum" para a "pax". E, no fundo, há, também uma fortíssima dose de romantismo, pois tudo depende de uma decisão voluntária e coletiva, como se, de um momento para outro, todos se tornassem bons, só porque passaram da individualidade coletividade.
A vida em sociedade, e com ela a instituição de uma autoridade, distingue os homens dos animais. Estes instituem naturalmente a sociedade e seu governo. O homem deve fazê-lo artificialmente, ou através de um pacto. Diz Hobbes:
"Por último, o acordo vigente entre essas criaturas  natural, ao passo que o dos homens surge através de um pacto, isto é, artificialmente." [59]
Por que, deve haver um acordo artificial, convencional, um pacto entre os homens para surgir a sociedade e a autoridade? Porque, conforme Hobbes, os homens estão sempre envolvidos numa competição pela honra e dignidade. Disso decorre a inveja e o ódio, e destes a guerra; entre os irracionais não há distinção entre o bem comum e o individual. O homem, ao contrário, só sente satisfação quando se compara com os demais, e percebe que os superou. Entre os brutos, por lhes faltar a razão, ninguém se julga melhor que o outro, enquanto que no homem há um desejo inato de uns se julgarem mais sábios que os outros, uns mais capacitados que os outros. Cada um, portanto, quer exercer o mando político. Os animais expressam pelos sinais o que de fato vai pelo seu interior. O homem, nem sempre manifesta a realidade, muitas vezes dissimulando as verdadeiras intenções. Nas criaturas irracionais basta a satisfação para que não se ofendam. O homem, ao invés, quanto mais satisfeito estiver, maior será sua ganância, e mais disposto estará para injuriar ou danificar os demais. Sendo assim, a instituição da sociedade e governo, entre os homens deve dar-se através da delegação de toda a força e poder a um só homem, ou a uma assembléia de homens, e que reduza as diversas vontades a uma só vontade. Todas as vontades devem ser submetidas à vontade de uma pessoa, ou assembélia,  reconhecendo-se cada um naquela vontade. A partir de então, a sociedade se chamará Estado, ou Civita, conforme os romanos, e Polis, conforme os gregos. Assim nasce o Leviatã, ou Deus Mortal, apenas abaixo do Deus Imortal. O titular dessa pessoa, ou entidade, se chama soberano, possuindo um poder soberano. Os demais, são súditos, cabendo-lhes total e irrestrita obediência.
O Estado, portanto, para Hobbes artificial e convencional. É uma máquina onipotente que anula todas as demais vontades reduzindo-as, como diria mais tarde Rousseau, vontade geral.
Há, como se percebe, uma aproximação das doutrinas jusnaturalistas dos mais ou menos contemporâneos: Bodin, Maquiavel, Hobbes e Grócio. Todos defendem um absolutismo de origem popular. Assentam-se sobre a lei natural, mas no momento em que ela não se apresentar como limite de poder, descambará no absolutismo.
A proposta de Hobbes,que alguns seguidores da atual social-democracia o tem como fonte de inspiração, no afã de querer garantir tudo ao homem, mormente os direitos individuais, postulam a defesa da liberdade real, em oposição à formal do liberalismo. Para tanto, não bastaria que o Estado garantisse a liberdade para que os indivíduos pudessem agir, pensar e sentir mas que fizesse por eles. O Estado não somente seria o guardião dos indivíduos, mas seus procuradores.
1.4 - Samuel Pufendorf e Jean-Jaques Burlamaqui
Os pensadores a seguir, Samuel Pufendorf, Jean Jacques Burlamaqui, João Cristiano Wolf e Emer de Vatel, depositam a soberania em parte no monarca e em parte no povo. Não são, por isso, radicalmente absolutistas e com isso deixam aberto um espaço para os direitos do homem. O homem tem uma esfera que o poder político deve conter-se.
Para Samuel Pufendorf (1632-1694), as leis são revestidas de um caráter moral. A moral é responsável pela autoridade, propriedade e obrigações. Confere legitimidade às autoridades, dá garantias de posse de coisas ou crédito de bens, além de obrigar a fazer, receber ou sofrer algo. Antes de existir sociedade, o homem recebe do próprio Deus uma lei, a lei natural. Esta lei natural contém em si, em germe, o direito positivo. A lei natural, que  essencialmente moral, nas relações sociais, produzirá o conjunto de normas que regularão a vida em sociedade. As leis divinas emanam da teologia e as leis humanas decorrem da lei natural "ex lumine rationis". As leis humanas atingem somente externamente o homem, e não vão além desta vida. Os deveres naturais do homem, os morais, que em última instância foram dados pela divindade, podem ser assim resumidos:
1. Conhecer, amar e cultuar a Deus.
2. Conhecer-se a si mesmo, submetendo-se a Deus e respeitando o próximo.
3. Buscar a estima e a honra.
4. Trabalhar com moderação para enriquecer.
5. Submeter as paixões à razão.
6. Defender-se.
Pufendorf entende que os homens criam seres morais (entia moralia), acrescentando qualidades às coisas para ordenar, valorizar o embelezar a vida humana.[60] Estes seres morais regulam as ações humanas e distinguem os brutos dos racionais.
Embora a natureza do homem seja boa, é também corrompida. Por isso o homem deve valer-se da moral para limitar a liberdade no âmbito do bem. Através dos "entia moralia", o homem se distingue dos animais, vivendo racionalmente, cultivando seus talentos e tendo uma conduta correta.
Conforme Pufendorf, há dois estados: o de natureza e o civil. O primeiro decorrente de sua própria natureza, da "humanitas". Está regido por normas morais, direitos e deveres, originários da vontade divina. Para ele a lei natural estendia-se a todos os setores da vida em sociedade, inclusive a própria economia. Com isso introduzia um método original, a observação da natureza para descobrir-lhe as leis, cujos seguidores se estenderão pelos séculos posteriores.
O amor próprio do homem e a indigência do estado de natureza, fazem nascer a sociedade. Nela procura estabelecer relações com seus semelhantes para que se ajudem mutuamente. Em estado de natureza o homem vivia pacificamante, não fazendo o mal, respeitando a propriedade e cumprindo as promessas.
Como se percebe, partindo de uma inspiração moral, Pufendorf procura proteger a dignidade do homem em sua individualidade. Não dilui no social, embora não prescinda dele. Embora em sociedade, cada homem, através dos "entia moralia", desenvolve suas potencialidades em si mesmo e nas relações com seus semelhantes. A forte influência cristã, permite-lhe descobrir a transferência da pessoa humana, que não apenas um apêndice da vida social, mas inerente pessoa.
Na organização da sociedade política, pensava que se devia fazer leis fundamentais, para delimitar o âmbito do exercício da soberania, isto , para que o rei governasse dentro de certas regras, tais como a da convocação da Assembléia. Esta limitação, evidentemente, excluía o absolutismo. No entanto, estas regras, Leis Fundamentais, não anulavam a soberania real. O rei era o soberano, e não o povo, embora se pautasse por normas préestabelecidas.
Há, na verdade, um compromisso moral entre o rei e o povo. O poder, por isso, é limitado moralmente. Disso resulta que a soberania moral do povo é um valor que será respeitado pelo rei.
Seu discípulo e seguidor, J. J. Burlamaqui, no século XVII, vai mais longe quando advoga para a sociedade não só um compromisso moral do rei, mas reais possibilidades de controle da soberania. Sempre que houvesse desrespeito às leis fundamentais, obrigatoriamente era necessária a consulta ao povo. As leis fundamentais não eram apenas garantias, mas expressão da liberdade da nação. Burlamaqui não pretende atribuir a soberania ao povo, mas garantir sua liberdade.[61]
1.5 - João Cristiano Wolff e Emer de Vattel
Seguindo a mesma linha da moralidade, João Cristiano Wolff (1679-1754) quer buscar bases políticas estáveis. Busca sua inspiração no tomismo, mas com marcantes influências de Leibniz e do estoicismo. Conforme Wolff, todas as coisas tendem para a perfeição, e todo ser natural possui em si a sua razão suficiente.[62] Identifica a perfeição com a conformidade do ser com sua natureza. Esta harmonia criada por Deus, quando alcançada, estar  também de conformidade com o seu Criador:
"Qui vitam perfectam vivit, vitam voluntati divinae conforme vivit."[63]
Dos princípios morais, o maior diz respeito ao aperfeiçoamento pessoal: "perfice te ipsum". Wolff aproxima-se do imperativo categórico de Kant ao propor leis morais universais, tais como: faça aquilo que proporcione sua perfeição e a do próximo.
Wolff procura princípios morais independentes da teologia, como o fez Grócio. A perfeição se consegue na busca do bem e não do útil, e o bem significa a perfeição da natureza própria de cada um. A idéia de lei natural está inserida neste mesmo contexto. A lei natural não externa, pois não é dada por nenhuma autoridade, mas uma lei "a se" e não "ab alio". As leis naturais juntam-se as leis positivas, mas estas não anulam aquelas. Conforme ele, há direitos e obrigações morais naturais (connatae), que deitam suas raízes na natureza do homem, e direitos e obrigações adquiridos que se assentam sobre a ação humana, e portanto são hipotéticos.
A sociedade nasce no momento em que os indivíduos se comprometem com o bem comum. Deste momento em diante, a regra de conduta generaliza-se, passando a enunciar-se: faça tudo o que possa contribuir para o bem estar geral e para a manutenção da ordem e da propriedade comum. E a partir de então, inclusive as autoridades, e mesmo o monarca, deverão se submeter às leis.
O jusnaturalismo de Wolff está inserido, também, num contexto de proteção da dignidade do homem. As leis não são meras convenções, mas têm um suporte moral, proveniente da lei natural. As leis positivas, oriundas das leis naturais, não são criações arbitrárias do homem, mas têm um fundamento no próprio contexto da natureza.
Quanto às relações da sociedade com o rei, atribui a soberania à comunidade. Ela livre e independente, tendo em si mesma, a soberania. Quer governe absolutamente, quer limitadamente, o poder do rei proveio do povo. As restrições impostas a ele, as chamou também de Leis Fundamentais. Para Wolff, as Leis Fundamentais não são um ato bilateral entre a nação e o rei, mas condições impostas pela primeira, ao segundo. O Príncipe ficava na obrigação de respeitá-las, não podendo modificá-las.
Apontava para o controle permanente dos atos do príncipe, evitando, assim, possíveis opressões por parte do governante.
Por sua vez, Emer de Vattel, no mesmo período, identifica as Leis Fundamentais com a constituição do Estado.[64]  A tarefa de elaborar a Constituição caberia a cada Nação, e devia fazê-lo atendendo às suas circunstâncias peculiares. A Constituição, ou a soberania da nação, seria o estabelecimento da ordem na qual trabalham em comum para obter as vantagens a que se propôe. À constituição tudo estaria submetido: governo, legislativo e cada indivíduo particular. Nesta linha de pensamento, Vattel comet um poder representativo ao monarca, submetendo-o às regras constitucionais.
1.6- John Locke
O mais acabado jusnaturalista da Idade Moderna, da vertente liberal foi John Locke (1632-1704)[65]. Este pensador inglês conseguiu reunir os diversos fragmentos da doutrina liberal, esparsa nas tradições e leis do Reino Britânico. Deu-lhe coerência e sistematização, buscou fundamentos filosóficos, e justificou sua prática. Insere-se dentro da grande tradição da "Lei natural", que vinha de Sócrates, Aristóteles e Cícero, bem como da doutrina estóica, no período da Antigüidade. Na Idade Média, a vertente  retomada, principalmente com Santo Tomás. E na Idade Moderna, sintetiza as diversas manifestações liberais surgidas na Europa. Ninguém, como Locke, procura salvaguardar o indivíduo de possíveis ataques da maioria, do Estado e minorias. O homem, para ele, é um valor em si, que não necessita de referências para mostrar sua dignidade.
Este pensador tem por preocupação primordial estabelecer uma redoma intransponível, pelo poder público, em torno do indivíduo. Para tanto, procura, primeiramente, derivar a sociedade e sua organização política do "estado de natureza". Pensa que, através da natureza, o Criador colocou no homem necessidades tais como: sexo, procriação, sustento e educação da prole, as quais levaram o homem a optar pela sociedade, mas, concomitantemente, cada um continua livre, isto é, goza dos mesmos benefícios que possuía em "estado da natureza"
Em Locke a doutrina da lei natural e os direitos do homem atingem o apogeu. Nele, lei natural, a do estado de natureza,e os direitos do homem fundem-se harmoniosamente. A primeira pergunta que Locke se faz ao estudar o poder político,é como eram os homens naturalmente, e para ele, era um estado de perfeita liberdade para ordenar as próprias ações, para dispor sobre suas pessoas e possessões, como achasse mais proveitoso para si mesmos, dentro dos limites da lei natural, sem necessitar de pedir autorização a quem quer que seja, ou depender de alguma vontade alheia. Neste estado, todos eram iguais, porqueo poder era igual para todos, e ninguém possuía nada mais que outro. Pensa Locke que isto é evidente por si, pois criaturas da mesma espécie, gozando todas das vantagens da natureza, todas usando as mesmas faculdades, no estado de nenhuma soberania a mais numa pessoa que na outra. Isto, porém, que é o estado de liberdade e igualdade pela lei natural, não é absolutamente um estado de licenciosidade. O estado de natureza, possui uma lei natural, a qual todos estão submetidos, e cuja transgressão acarreta a reação de todos os demais sobre ele. Aliás, os próprios transgressores reconhecem que merecem reparar os danos causados a outrem na mesma proporção de sua ofensa. Locke cita a passagem bíblica na qual Caim reconhecia que qualquer um podia matá-lo, pois ele havia matado seu irmão. Isto para ele seria o racional. A lei natural guiava os homens em estado de natureza.
Em decorrência do princípio de liberdade e de igualdade, Locke institui o princípio da vida. Este é o único direito natural que o homem é limitado para si mesmo, e não pode dispô-la como os demais direitos. Em estado de liberdade, e observada a lei natural, o homem pode fazer o que bem entender. Da mesma forma, não precisa se submeter a nenhuma vontade. Mas, no que diz respeito à vida, o homem tem um limite: não pode tirar-se a própria vida, porque esta não foi dada ao homem, apenas emprestada. O verdadeiro proprietário dela é Deus, isto é, o seu autor. O direito à vida, também é o único que Locke lança mão de argumento externo à razão.
O quarto direito do homem, o de propriedade, Locke o justifica dizendo que o mundo e a natureza foram dados por Deus aos homens em comum. Deus, com forme ele, não é por isso o autor da propriedade e não é por esta razão que ela se justifica. A terra com tudo o que ela produz, pertence ao gênero humano em comum naquilo que ela naturalmente gera de seu seio. Se a terra , juntamente com aquilo que produz, foi dado em comum ao homem, donde deriva a propriedade? Locke responde que vem do trabalho, e com isto, amplia o sentido de propriedade, isto é, vai além da exclusivamente fundiária. Embora a terra e os animais inferiores pertençam a todos em comum, cada homem possui em sua pessoa uma propriedade. Esta não é comum, mas privada, individual, indivisível e intransferível. Ninguém possui qualquer direito sobre ela. Esta propriedade, a própria pessoa, ao entrar em ação produz algo. A ação humana chama-se trabalho e o resultado disto é um bem, o qual, com justiça deve pertencer para quem o produziu. Em outras palavras, o direito de propriedade nasce do trabalho do homem, quer seja manual, quer seja intelectual. Dessa maneira cada homem pode transformar algo que em princípio é de todas em propriedade sua pelo trabalho. Mas, somente aquilo que ainda não pertence a alguém individualmente, e nesse caso deve ter o seu consentimento para poder ser proprietário,ou que ainda não seja comum de todos, e nesse caso já uma propriedade pública.
O homem que nasceu livre e igual, por natureza não somente deve defender sua vida, sua liberdade e propriedade, mas encontrar meios eficazes para prevenir-se de quem quer que seja que possa prejudicá-lo nos seus direitos. E como de todos os bens, maior e primeiro é sua própria pessoa, isto é, sua propriedade matricial os homens instituem a sociedade civil para preservar seus direitos.[66] O objetivo que levou os homens a abandonarem o "estado de natureza" em troca de uma sociedade civil é a defesa da propriedade. Com efeito, é nesta que o homem põe a salvo sua individualidade e sua liberdade. Para tanto, faz-se necessário que o poder político seja controlado pelos proprietários, considerados responsáveis diante dos próprios interesses. Desse modo, Locke transfere para os proprietários a incumbência de representar toda a sociedade. A eles, como "full members", cabe dirigir o poder político, para que avance até o limite da propriedade, o que constitui o patamar do "estado de natureza".
Elegendo os proprietários para exercerem a representação, Locke inaugura o "liberalismo possessivo", como foi bem interpretado por C. B. Macpherson.[67]
Fazendo repousar a representação sobre a propriedade, Locke imprime-lhe, também, um caráter pragmático, isto , o móvel do poder político o interesse.
A sociedade, por sua vez, vista por ele como um conglomerado de interesses conflitantes. A fórmula, para fazê-los coexistirem pacificamente, está na representação. Os representantes, uma vez reunidos, estabelecem o estado de direito - o legislativo -, o qual, obtendo o consentimento tácito ou expresso dos membros da sociedade, passa a gozar da liberdade do "estado de natureza" numa comunidade organizada politicamente.
Percebe-se, portanto, o núcleo moral de que está revestido o poder, no pensamento de Locke. Primeiramente, o poder é limitado, isto é, se nem os indivíduos em "estado de natureza" possuem sobre si poderes absolutos, logicamente, ao delegar o poder, não poderão criar um poder absoluto. A segunda característica do poder é sua racionalidade. O poder não uma imposição, mas uma delegabo de homens livres que, conscientemente, criaram o poder, e mantém sobre ele o controle, através de representantes, e, excepcionalmente, a comunidade poder  lançar mão de seu poder natural. Em terceiro lugar, o poder  representativo. Não é a comunidade toda que o exerce, mas representantes, no caso de Locke, os proprietários. O quarto lugar está associado idéia de interesses diversificados, os quais, na lei, encontrarão seu denominador comum. Em quinto, o poder não pode ser exercido arbitrariamente, mas pautar-se pela legalidade e legitimidade. O estado de direito, respaldado pelo consentimento, proporciona uma perfeita fusão da legalidade e legitimidade.
Para que isto se realize, torna-se necessária uma divisão funcional do poder. O primeiro poder a se constituir, quando uma comunidade sai do "estado de natureza", o poder legislativo. Uma vez constituído, ele passa a ser a voz da comunidade e as leis promulgadas por ele estendem-se aos membros da sociedade, indistintamente, inclusive para os próprios legistas. Instalado o estado de direito, réplica do "estado de natureza", os legisladores dissolvem-se, deixando o encargo do cumprimento da lei a uma outra representação: o executivo. Este permanente e estável. Por sua vez, a interpretação da lei não pode ser exercida por aquele que a aplica, mas "por intermédio de juízes íntegros e imparciais, que resolvam as querelas, de conformidade com a lei". O executivo detém ainda mais um poder: o federativo, pelo qual mantém a segurana interna e externa da comunidade.
Há ainda funções extras, as que dizem respeito  salvação da comunidade como um todo: a prerrogativa. Caracteriza-se pela flexibilidade, na aplicação da lei, ou até mesmo supera-a, quando invocar a máxima: “salus populi maxima lex est”.
2.Os convencionalistas
2.1 - Charles-Louis de Secondat Montesquieu
Montesquieu (1689-1755)[68] é conhecido pela famosa divisão dos poderes. No entanto, sua influência fez-se sentir principalmente em outra questão, qual seja, a dependência das instituições de seu meio-ambiente. Ao desenvolver a tese de que as condições geográficas possibilitavam a emergência destas ou daquelas instituições, levou outros, como Helvetius, a imaginar não só ambientes físicos, como culturais. Conforme Montesquieu, cada país tem suas próprias instituições. Esta afirmativa, que a princípio poderia ser conservadora, como no caso de Burke, na França da primeira metade do século XVIII, foi revolucionária. Pois, foi a partir desta questão que a elite pensante francesa se perguntou pela validade, legitimidade, enfim, pela racionalidade de suas próprias instituições políticas. Montesquieu não poderia jamais ser enquadrado entre revolucionários, ao contrário, era monarquista, aristocrata e parlamentar. Mas, aí, o feitiço volta-se contra o feiticeiro. As condições culturais-ambientais francesas o adotaram como revolucionário. Isto porque sua tese, em França,  assimilada peculiarmente, pelo menos em três aspectos:
1º) Ele chama a atenção do político e do social. Despertou, na   elite, e indiretamente no público, a questão ambiental. Com ele efetuou-se uma auto-reflexão, avaliação e crítica. As discussões acadêmicas, que até então se travavam, interessavam a uma diminuta elite de escol sobre questões que somente os preparados estavam em condições de absorver, como a razão eterna e a natureza comum. Montesquieu inverte. Traz ao debate a razão  "hic et nunc" e a natureza própria de cada sociedade. Isto provocou uma auto-avaliação das instituições sócio-políticas.
2º) O academicismo de seus predecessores foi substituído por   problemas vivenciados, existenciais. À essência, Montesquieu   contrapôs a existência. Nesse sentido, supera ou avança, ao   cartesianismo, propondo uma lógica do existencial, independente   de premissas pré-estabelecidas como na matemática e geometria.   Enfim, chama a atenção do experimental, do empírico, do   concreto, do fato a cuja teoria até pode contradizer.
3º) E, finalmente, a relatividade das leis. Mostra como as leis são   amorais, isto , são boas enquanto produzem o bem. As leis não   possuem parâmetro de aferição a não ser seu desempenho. As   leis nada têm a ver com a idéia de justiça ou moral. Não são   boas ou más em si, mas por aquilo que produzem.
Embora Montesquieu fale em “leis da natureza”, certamente não é no mesmo sentido dos jusnaturalistas. Sua preocupação é encontrar o “espírito”das leis, sua alma, mas, pelas conclusões, não foi na lei natural que ele pôde encontrar. Pela ênfase que confere a outros fatores, como clima, técnica constitucional,não parece muito preocupado com questões filosóficas ou culturais. Aliás, a lei da divisão dos poderes ele a deduziu de uma situação geográfica, a da Inglaterra.
Daí que, pelo fato de chamar atenção para o clima e a terra, fez com que se vissem os costumes e tradições, não como algo sagrado, proveniente de algo superior, como a lei eterna ou lei natural, mas simplesmente um dado que, se modificadas as condições, faria tudo diferente. A idéia de uma monarquia absoluta, ligada a uma vontade divina, e o rei, um delegado desta, foi posta em cheque. E o debate envereda para outras questões, existenciais também, e dentre as quais a mais importante: as leis francesas dão felicidade aos franceses?[69]
2.2- François Vicent Toussaint
Geralmente, este pensador esquecido é como um dos ideólogos do ideário revolucionário francês. Mas se verificarmos a simples quantidade das sucessivas edições dos Moeurs[70], catorze, poderemos constatar sua procura. Por outro lado, suas teses são largamente consagrados na Enciclopédia. Toussaint, iluminista francês, com efeito, trouxe terra a questão da felicidade sustentada por uma moral laica e humanitária. Até então, havia fortes indícios dessa tese. No entanto, a ele coube formulá-la, numa forma cartesiana, com idéias claras e coerentes. Abandonou os postulados religiosos para basear a moral, deduzindo-a de postulados racionais. Ao perguntar-se o que  virtude, responde: "É a fidelidade constante no cumprimento das obrigações que a razão nos dita". E o que ela nos diz? A felicidade está precisamente na saturação das paixões. Com isto ele recupera um aspecto do homem, isto é, sua animalidade, negada e condenada pela moral religiosa. Faz desaparecer a dicotomia irreconciliável entre o bem e o mal. Aproxima ambos, de tal forma, que o divisor tão imperceptível que praticamente a diferença está nas condições momentâneas. Na Enciclopédia, ao se tratar da questão da liberdade moral, esta idéia está consagrada. A moral  uma questão de escolha pessoal sujeita às circunstâncias e aos motivos. As paixões não são más em si, mas boas, úteis e necessárias. Se os devotos acharem que a virtude é o desprezo de si mesmo, estes são motivos de devotos. Todos querem ser felizes, mas cada um a sua maneira. E apelando para a mesma razão, constata que a felicidade somente  possível com moderação, temperança e humanidade. Amar os homens porque são homens, e não por mandamento divino. Eis a verdadeira humanidade, conclui Toussaint.
2.3- Claude-Adrien Helvetius
Um dos pensadores que mais irá influenciar no espírito da Encicopléia  Helvetius (1715-1771)[71] isto porque, por trás há uma aparente filosofia tradicional, essencialmente espiritualista, seus fundamentos são materialistas. Na definição que se dá de homem, por exemplo, como um ser composto de duas substâncias, matéria e alma, a implicação posterior nega completamente, tanto a idéia de substância, como a de alma. Ao fazer derivar pensamentos, moral, direito, integralmente, das sensações materiais e imprimindo-lhes um caráter relativista, nada sobra de substância e alma. Tudo não passa de matéria. nesse sentido que Helvetius ter influência. Sua obra de 1758 teve uma ressonância ímpar na intelectualidade. Materialista, demolidor da religião e da moral, traz ao debate a influência do meio ambiente, tal como Montesquieu, relativizando a cultura e, através dela, todas as demais realidades. Não será difícil, posteriormente, retomar estas questões e considerá -las puramente supraestruturas. Será a tarefa de Karl Marx.
Para Helvetius, o homem, ao nascer, é uma tabula rasa, e com isto, todos são iguais, justamente porque nada têm. A diferença começar e se impor a partir da educação do meio ambiente, que pode ser direta, a formal, e indireta, através dos costumes. Daí que, é possível ter-se uma sociedade desejada, bastando direcionar, via de ação política, a educação. Conforme ele, se poderia obter o domínio das mentes pedagogicamente influindo sobre a sociedade. Evidentemente, Helvetius não discutiu e nem levou às últimas conseqüências a possibilidade da teoria ser implantada. No fundo mesmo, nega a própria liberdade e avança na crença de um totalitarismo, como, no século XX, Orwell, em "1984", irá patentear.
A implicação dada ao processo de conhecimento irá ser consagrada integralmente na Enciclopédie e quase repetida por D'Alembert no Dicours Préliminaire. No homem, somente há um princípio: o da matéria sensível. As impressões dela recebidas, as sensações, dão origem às aparências que nós denominamos pensamentos, alma, bem e mal, Deus e outros. Nada disso tem existência real, pois são apenas extrapolações do homem pela sua capacidade de criar seres semelhantes a si, dotá-los de virtudes ou defeitos, inventar qualidades morais. Com a matéria, desaparecem, também, estas aparências, pois elas não têm subsistência por si, mas tão somente enquanto as impressões do homem lhe dão vida.
Sendo a matéria do homem a mesma em todos os homens, de onde provêm as diferenças? através da diferença da educação, recebida desigualmente. A Enciclopédie irá mais longe. Dirá que, as diferenças provêm da diferente constituição física de cada um, que recebe de formas diversas as sensações. No raciocínio de Helvetius, para que se possa ter sucesso na educação, necessário levar em conta que o homem somente se move pelo prazer e dor, pois a matéria somente a eles sensível.
Não parece que o autor de L'Esprit esteja preocupado com as conseqüências de seus princípios. O empenho tem outro objetivo, qual seja, a felicidade dos homens, aliás, questão esta, comum a praticamente todos os pensadores enciclopedistas. Se para fazer o homem feliz for necessário o materialismo, ninguém titubearia em adotá-lo. Se o hedonismo faria a felicidade, ele seria escolhido. E se necessário fosse controlar e direcionar ideologicamente a educação, sem pestanejar e sem remorsos, se faria. A meta é a felicidade, os meios não importam, desde que racionais.
 2.4 - François Marie Arouet ou Voltaire
A produção intelectual deste pensador  assaz é fecunda. Sua preocupação maior é escancarar os abusos da sociedade, governo, religião e costumes franceses. No mesmo sentido que Burke tentava descobrir sentido na História e nas tradições, Voltaire (1694-1778),[72] numa trajetória inversa, quer patentear suas incoerências, incongruências e irracionalidade. Em cada livro, alêm da abordagem específica, insiste no seu "Deleuda".
No seu livro "Siècle de Louis XIV", pretende demonstrar que a História não é de uma dinastia, nem de um punhado de homens de escol, mas da nação. É ela, como um todo, fanática e supersticiosa, que faz guerra, política e cultura. A idéia de nação se desdobrará posteriormente, já na Revolução Francesa, em nacionalismo, componente básico do ideário revolucionário. Esta mesma idéia  é retomada no "Essai sur les Moeurs".[73] A nação  algo distinto da dinastia, dos feitos dos reis e suas falhas. Ao debater esta idéia, Voltaire pretende mostrar como os reis nada têm a ver com a nação. A idéia corrente, então, era de uma identificação do rei e nação. Os "gesta regum" eram "nationis". Voltaire estabelece uma separação. E, por isso, ao separar o rei da nação, quem levará a pior será o rei, pois será visto como um apêndice dispensável, mostrando como a nação pode subsistir sem o rei e algumas vezes até mais vantajosamente. A monarquia, portanto, não está inserida na ordem natural, e analisando-a racionalmente, um absurdo. Mas, sutilmente, Voltaire vai mais longe. Ele aproxima a Religião da Monarquia. Mostra como todos os males da História são devidos ao fanatismo religioso, causando toda sorte de desgraças para a nação. Este mesmo fanatismo foi o móvel que promoveu movimentos como dos iconoclastas, dos savonarolas, dos albigenses, da Inquisição, da conquista da América, provocando matanças racionalmente inconcebíveis. E, atrás de todo este fanatismo, estava um rei. Ele, "le roi chrètien", responsável por todas estas hecatombes bestiais. Por isso um rei tal e uma tal religião devem ser banidos. O altar e o trono são os inimigos da felicidade. Mas quem, em seu lugar? Primeiramente, a religião. Voltaire aponta para a religião natural, apresentando, amiúde, como protótipos, as orientais. O cristianismo, para ele, alicerçado na Bíblia, contraditório, antinatural, desumano. Todo o mal que se abateu sobre a França e outros países cristãos é devido à sua religião. O cristianismo não passa de um instrumento de sujeição dos povos nas mãos dos reis. E na religião natural, aponta para o deísmo. Este crê num ser supremo - Deus criador, mas nega a existência da providência, como demonstrou Voltaire em "Le desastre de Lisbonne". O mundo criado por Deus uma máquina, entregue às suas próprias leis, sem necessidade de intervenção da divindade. Disso decorre que, além da negação da providência, são dispensadas também revelações e graça. A grande característica da religião natural seria a tolerância. E quanto proposta política? Não há em Voltaire clareza neste aspecto. O "État Police", não acena para uma democracia direta, como se pode ver nos Essai. Está longe de ser democrática. O povo, conforme Voltaire, precisa ser bem conduzido, tal como uma tropa, ora furiosa, ora tímida. Há algo de místico nas suas propostas políticas. Crê num governante bom, sábio, generoso que paternalmente conduz seu povo. Aliás, esta mesma idéia aparecerá na Enciclopédie. Para ele, a República fica afastada, pois só conviria a pequenos países como a Suíça. Não acredita também na representação ou em cargos intermediários. O bom soberano, munido de leis justas, apascentaria o povo e o conduziria felicidade.
Voltaire não foi propriamente um pensador original. Mas os pensamentos dos outros, ditos ou publicados por ele, tinham outro sabor. Era um exímio escritor, que dominava as formas de expressão. Mas de todas, a mais terrível, era a ironia, aliás, técnica esta, empregada também na Enciclopédie.
2.5 - Denis Diderot
Ele foi o líder, mentor, diretor, enfim, a alma dos enciclopedistas. Nele se pode encontrar a síntese dos diversos aspectos abordados pelos demais. O materialismo, utilitarismo, deísmo, religião natural, sociedade concebida a partir de um ideário romântico, são algumas facetas deste pensador. O pressuposto gnoseológico de Diderot (1713-1784)[74] que todos os fenômenos devem ter uma explicação sensível, material. Deus, alma, justiça, nada têm a ver com o sobrenatural. São criações da razão humana sobre dados sensíveis, como explica no "Discours Preliminaire", D' Alembert.
Deísta e materialista, simultaneamente, Diderot tenta descobrir a identidade entre os fenômenos físicos, químicos, biológicos e espirituais. Para ele, todos aqueles fenômenos são o resultado da mesma matéria, diferenciado apenas em graus. Este pressuposto o levou a intuir a doutrina evolucionista e até lhe deu a forma precisa. Toda forma de vida e de pensamento está associada  matéria. Esta  a idéia fundamental expressa em "Penses sur l'Interpretation da la Nature". Combate a superstição e o fanatismo, e acredita que a verdade pode ser encontrada unicamente pela razão. Daí, que condena, na teologia, o argumento da autoridade, e principalmente o cristianismo.
Defensor eloqüente de uma moral laica e humanitária, tendo como ponto de partida os instintos, não se apercebe das contradições. Se tudo não passa de matéria, a começar pelos instintos, não deveria haver lugar para a liberdade e para a virtude. No entanto, em "Pére de Famile", "Fils Naturel", a virtude e a liberdade encontram o mais alto moralismo lírico. Tal como Rousseau, desponta nele a crença na bondade natural do homem, sua inclinação para a virtude, bem, justiça e liberdade. Rousseau atribui a corrupção  sociedade, Diderot ao fanatismo, vale dizer, ao cristianismo. Ambos crêem na bondade dos instintos, pois, seguidos como a natureza no-los deu, nos levam felicidade. Para ele, a natureza boa e não corrompida, ou atingida pelo pecado original. Somente seguindo seu amor próprio, os instintos, e a bondade do egoísmo, o homem pode chegar felicidade. Os egoísmos individuais levam os homens a despertarem em si os instintos de afeição, generosidade, bondade, dando origem a outro tipo de sociedade: a humanitária e benfeitora. Disso nasceria a religião natural, isto , a religião da virtude.
2.6. - Barão d`Holbach (Paul - Henri Dritrich)
Nos aspectos científicos, gnoseológicos e morais, Holbach (1723-1789)[75] identifica-se com os demais enciclopedistas: materialista, sensista, determinista, de ética naturalista e anticristão. Na proposta política, porém, bem mais explícito que seus colegas. Para ele, a legitimidade da autoridade provém de um pacto entre a nação e o soberano. Este pacto, porém, deve, continuamente, ser renovado, pois a autoridade legítima enquanto o soberano ouvirá a nação. A soberania reside, permanentemente, na sociedade e o monarca deve escutá-la sempre. Entre ele e a sociedade há representantes aos quais o monarca está submetido, e os representantes, por sua vez, submetidos  vontade de quem os constituiu. Se o monarca se tornar despótico, o povo pode lançar mão da revolução. Conforme ele, uma turbulência revolucionária passageira é melhor que uma eterna tirania. Obediência somente se deve lei, e não ao soberano ou representantes.
O estado, por sua vez, tendo presentes os instintos, elaborar uma moral de Estado, a Etocracia, assentada sobre os instintos de humanidade, benquerença, justiça, enfim, nas virtudes sociais. Quais as conseqüências dessa proposta política? Evidentemente, Holbach não era um absolutista, e muito menos um genuíno liberal. Depositando a soberania no povo, poderia ser entendido como um democrata. No entanto, a questão da moralidade estatal o levar necessariamente ao autoritarismo ou ao totalitarismo. Se a moral não emerge consensualmente da sociedade, consequentemente ela terá que ser implantada através do Estado, por meio da educação. E  precisamente assim que Holbach entende. Quer um monarca rodeado de um pequeno número de sábios, que conduzam paternalisticamente o povo. Os sábios, representantes, não perturbarão a tranqüilidade do Estado. O povo, detentor da soberania,  feliz porque tem um monarca-cidadão que o ama, e lhe diz, através da educação, qual deve ser o caminho a seguir. O rei não se desvia das leis, nem dos princípios morais, mas se o fizer, o povo estará pronto a levantar-se.
2.7- Jean-Jacques Rousseau
Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) situa-se no outro extremo do jusnaturalismo. Caudatário da vertente coletivista consegue, também, reunir as diversas propostas coletivas de organizações político-sociais, montando uma proposta democrática. A lei natural, quando instituída a sociedade, dá lugar às convenções cujos valores dependem tão somente da vontade popular.Os direitos do homem, depositados nas flutuações da vontade popular não poderia, e como de fato aconteceu na Revolução Francesa Ter gfarantias de cumprimento ou respeitabilidade. Em Rousseau, o homem  diluído no social, perde sua personalidade, para fazer parte de outra entidade que lhe dá vida: a sociedade.
Nele podemos destacar, por isso, três aspectos dos quais os demais serão corolários: o individual, o social e o político.
A concepção de homem individual, em Rousseau, encontramos principalmente no "Émile".[76] Conforme ele, há uma oposição entre a educação da natureza, livre, e a educação da sociedade, deformadora. O homem e o cidadão distinguem-se. O cidadão é o homem em sociedade. O cidadão e o homem são inimigos, pois enquanto o homem  universal, a unidade numérica, absolutamente inteiro, sem relação com nada, a não ser consigo mesmo ou com seu semelhante, o cidadão é apenas uma fração com denominador e seu valor depende do social. As instituições sociais, por sua vez, quanto mais desnaturarem o homem, transformarem o "moi" em "commum", melhores o serão, pois é exatamente esta a função da vida em sociedade: liquidarem com o homem.
Ainda, conforme ele, há dois tipos de educação: a pública e a doméstica. A pública é a educação do cidadão. Educação para se fazer os homens se parecerem uns com os outros.  a educação para a contradição.
A educação doméstica é a do homem, ou da natureza. Por ela, se conseguiria formar uma sociedade constituída de tipos ideais com "Emílios", "Sofias", "Vigários", "Empregadas", e outros. E instituições sociais como "Religião", "Moral", "Educação", "Casamento", praticados na educação do Emílio.
O homem individual, natural para Rousseau, seria puro, casto, bom, generoso, isto , teria todas as qualidades que a bondade natural tem. Para ele, progresso, a ciência, como por exemplo a Medicina, são desprezados, e considerados anti-naturais. O homem, quando de posse da ciência e tecnologia, deturpa a natureza.
O homem da natureza, errante nas florestas, sem indústria, sem ciência nem tecnologia, sem domicílio, sem guerra e sem ligações com seus semelhantes, sem desejo de prejudicar ninguém, sem reconhecer sua própria individualidade, auto-suficiente e único, não tinha passado nem continuidade. Era o homem sempre criança. Neste estado, não havia desigualdade entre os homens. Isto tudo se quebra quando o homem dá o salto para a sociedade. Como isto ocorreu? Diz Rousseau:
"O primeiro que, tendo cercado o terreno, se lembrou de dizer: isto  meu, e encontrou pessoas bastante simples para acreditar, foi o verdadeiro fundador da sociedade civil".[77]
Nesta citação, os dois direitos,o de igualdade e de propriedade, nascem de um ato anti-natural, violento. E por ele, o direito de liberdade do outro, ficou limitado perante o usurpador de uma propriedade.O direito de ;propriedade, que para os jusnaturalistas era um direito natural, para Rousseau não passa de um roubo. Para ele, somente alguém poderia invocar este direito quando a sociedade lhe conferisse, e assim mesmo, sempre provisoriamente.
A multiplicação da espécie humana, somada às dificuldades de subsistência , geraram as dificuldades. Estas premiram os homens no esforço de utilizarem sua inteligência e conseguiram inventar. As invenções provocaram relações: grande e pequeno, forte e fraco, devagar, medroso, ousado. Surge, então, o interesse comum, e com ele, a concorrência. Estabelecem-se compromissos. E quanto mais o homem era estimulado, mais usava sua razão para progredir. Começou a usar instrumentos, fez habitações, e com elas, surgiu a família. Na família, nasce a linguagem. Reunião de famílias dá origem às tribos. O homem começa a elaborar conceitos e com eles as desigualdades. Nascem os deveres civis, e com eles a idéia de prêmio e castigo. O passo seguinte será a moralidade.
Quando o homem descobre a agricultura e a metalurgia, provoca a escravidão, cujo ato não somente limita a a liberdade do outro através da propriedade, mas avança para tornar o outro uma propriedade sua, arrancando-lhe a liberdade e liqüidando com a igualdade. A partilha de terras causou as guerras. Neste momento, a sociedade precisa de líderes, nascendo, então, a organização política e as leis comuns, autoridade, corpos políticos. Estava configurada a sociedade que, basicamente, conforme Rousseau, se assenta sobre três pilares: lei e direito de propriedade, magistratura, e poder político.
Apesar de Rousseau discutir a questão do surgimento da desigualdade, por trás está o progresso, culpado pelas desigualdades e por todas as mazelas sociais. A grande vilã, em todas as explicações de Rousseau, é a modernização. Propriamente não está contra o progresso em si, mas aos efeitos maléficos que ela traz. Daí a pretensão romântica de se querer destruir os efeitos perversos, isto é, viver como um "bom selvagem" juntamente com as benesses do progresso.
Mas, quem é o propulsor do progresso? Evidentemente a cinêcia e a tecnologia. E estas são o resultado da vida racional. Por isso, a razão  condenada pela própria razão e o apelo se faz em favor dos sentimentos.
E a conseqüência do progresso, ciência e tecnologia, numa palavra, a modernização, se reflete na política. Não se quer a vida de cidadão, mas de homem selvagem, considerado bom e feliz, em oposição ao cidadão, mau e infeliz. No fundo, parece uma revolta de Rousseau Revolução Industrial, que, através da ciência e tecnologia, modernizava a economia, e encaminhava-se para tornar o maior número possível de pessoas, cidadãs. Era a incorporação paulatina das camadas sociais participação dos bens da modernização, entre eles, a participação política, ou a vida de cidadão.
Se no "Èmile" temos um projeto de preparação de cidadãos conforme as leis da natureza, no "Contrato Social" Rousseau nos diz como seria esta sociedade política de "Emílios" e "Sofias". O primeiro livro inicia com a conclusão do "Discurso sobre a desigualdade": "o homem nasce livre, e por toda parte encontra-se a ferros". Embora diga que não saiba, pois não é este o objetivo, todo livro supõe o conhecimento do conteúdo do "Discurso da Desigualdade". Acontece que Rousseau, no "Contrato Social", quer estabelecer as bases puramente racionais do sistema político, independente do  "status  quo",  particularidades  locais,  ou peculiaridades históricas. É um modelo transcendente.
Para tanto, primeiramente refuta a teoria do direito divino e do direito natural, do poder e da autoridade. Mas como chegou o homem ao social e como instituiu a autoridade?
Rousseau responde que foi através da família, aliás, como tantos outros o fizeram. A família , conforme ele, "é a mais antiga e a única natural". Esta "naturalidade", porém, é efêmera, pois perdura tão somente enquanto os filhos necessitem dos pais.[78] Rousseau afasta-se da vertente que considera o homem naturalmente social. Para ele, o que faz o homem viver em sociedade é a necessidade. Conjugando-se a multiplicação da espécie com a escassez, a vida humana se tornaria inviável. Daí, a necessidade absoluta da vida em sociedade para não perecerem todos. Era preciso unir esforços, pois só assim soobrariam.
A sociedade, por isso, não é natural, mas decorrente da necessidade de sobrevivência. Se as dificuldades para sobrevivência não adviessem, o homem, naturalmente, quereria viver livre, ou insocial. Se a sociedade não é natural, o que será ela para Rousseau? Um conjunto, ou sistema de convenções. A sociedade, portanto,  uma criação artificial dos homens para poderem subsistir. Tudo, portanto, que está aí são meras criações a favor do grupo hegemônico, ou grupos que detém, ou detiveram, o poder econômico e político. De posse do poder político, os grupos legislaram em causa própria.
Mas, no momento que se institui a nova realidade, isto é, a sociedade, esta situação difere quantitativamente da vida natural. Enquanto nesta cada indivíduo é sua unidade integral, no estado convencional, cada indivíduo não passa de uma parcela do todo.
Para Rousseau, ao se instituir a sociedade os homens abrem mão de seus direitos individuais, para entregá-los à vontade do coletivo.Para explicar melhor sua idéia, Rousseau lança mão da alegoria do organismo. Os membros compõem o corpo, e separados dele não fazem sentido. A perda da autonomia, porém, é compensada pela inserção numa unidade maior da qual se torna parte indispensável. O "eu" individual extingue-se, nascendo uma nova realidade, o "eu" comum. Este é um corpo moral e coletivo, conforme ele. Uma pessoa pública, uma república, ou um corpo político. Este poder pode simplesmente ser inerte, e por isso "Estado Passivo"; pode exercer ação, e portanto, "Estado Soberano"; pode relacionar-se com outros Estados, daí, "Estado Potência". Os associados do corpo político, coletivamente, são denominados "povo" e, particularmente, são "cidadãos", enquanto partícipes da "soberania", e "súditos" se considerados submetidos lei.
Um dos elementos do corpo político a que Rousseau dá mais enfase é a soberania. Conforme ele, a soberania é absoluta. Enquanto a doutrina liberal procura garantir a autonomia do indivíduo em relação ao Estado, Rousseau inverte: procura garantir a autonomia do Estado em relação aos indivíduos. A soberania significa a associação de todos os particulares que formam um corpo, um organismo, de tal sorte que se algum membro afetado, todo o corpo também ou, e vice-versa. A soberania, portanto, não está neste ou naquele associado, mas no todo, incluindo-se, inclusive, o supremo mandatário da sociedade. Ele tão soberano como qualquer outro e qualquer outro é tão soberano como ele. É a igualdade, no Estado civil, em oposição à igualdade do estado natural. Em sociedade, o indivíduo perde a liberdade natural, mas em compensação ganha a civil que lhe permite ser livre nos limites e garantias da lei, enquanto na natural eram os instintos, os limites.Em sociedade o homem tem somente direitos de cidadão, não de homem.
De conformidade com Bodin, para Rousseau, a soberania do corpo político, em seu Estado ativo, possui duas características: inalienabilidade e indivisibilidade. Isto porque a soberania se assenta sobre a vontade geral. Pensa Rousseau que a sociedade se formou devido ao conflito insustentável de interesses. Era de tal monta que poderia levar ao perecimento de todos os homens. Diante do perigo, entenderam os homens, que era necessário isolar moralmente os interesses comuns, isto é, aqueles que dissessem respeito a todos. Era necessário um acordo em torno deles. Foram, precisamente, os interesses comuns que deram origem ao acordo, ou vontade geral. Por isso o corpo político, emerso do acordo, soberano porque está acima dos interesses particulares.
Ora, se os homens contrataram de viver em sociedade, e esta tem como fundamento a vontade geral, que é soberana, tornam-se indissociáveis a soberania e o corpo político. Se o corpo político alienar sua soberania, o elemento perde seu conteúdo essencial, e, portanto, aniquila-se. A não alienação da soberania traz trás conseqüências, conforme Rousseau:
1º) O poder se transmite, não a vontade.
2º) O povo nunca se submete a quem quer que seja: maioria, minoria, ou a uma pessoa.
3º) O consentimento tácito é sinal de que as ordens emanadas estão de acordo com a vontade geral.[79]
A segunda característica da soberania é de ser indivisível. Para Rousseau, há somente um poder, o legislativo, pois os demais devem pautar-se por ele. Em Locke, o legislativo detém a preponderância, mas não elimina os demais. Rousseau entende que os demais poderes não são soberanos, mas emanações do poder legislativo. Os demais poderes têm somente capacidade de emitir atos ou decretos. Legislar somente atribuído a quem for soberano, e sendo que a soberania não se transfere, ou se divide com outro, , "ipso facto", indivisível.
Além dessas duas características maiores, a vontade geral ainda  indestrutível, infalível e coercitiva. Diz o genebrino sobre a infalibilidade:  "Jamais se corrompe o povo, mas frequentemente o enganam e só então que ele parece desejar o que é mau".[80]
A infalibilidade da vontade geral, por sua vez, baseia-se no interesse comum e só nele.
A vontade geral não é a mesma coisa que a vontade de todos, porque esta pode estar mesclada com interesses particulares. O interesse comum, ou a vontade geral, pode estar com uma pessoa ou algumas, como mais tarde interpretará Robespierre, dando origem  democracia totalitária ou  democracia oligárquica.  Independe, por isso, do número. A vontade geral é síntese, e não soma. Ela dá origem a uma realidade objetiva, externa e coercitiva em relação aos indivíduos, grupos ou facções. O grande perigo, conforme o autor, é de que uma vontade particular consiga fazer crer que a sua vontade geral.
A coercitividade da vontade geral significa a capacidade de o corpo político exigir de todos obediência, e absoluta. A submissão vontade geral pode operacionalizar-se pela lei ou pela moral.
As penas legais são positivas, isto é, previstas antecipadamente, enquanto as morais, dependem das circunstâncias. Se uma determinada sociedade resolver que a família seja constituída pelo casamento, por exemplo, os que infringirem este pacto, convenção, sofrerão sanções legais e morais. Pela primeira, os filhos poderão ficar sem a paternidade e sofrerem uma série de conseqüências pelo resto da vida. As sanções morais, dizem respeito à repulsa da sociedade, comentários desairosos, discriminações e outros.
Concretizada a convenção, o corpo político começa a viver, isto é, ter movimento, vontade e decisão. Isto se faz pela lei. Seu objetivo será a justiça. Para tanto, a lei nunca pode legislar sobre questões particulares. Pode prever exceções, privilégios, prerrogativas, mas nunca destiná-los a particulares. Poderia estabelecer, por exemplo, a forma de governo monárquica, mas não pode nomear a família.
Os dois grandes objetivos da legislação são preservar a liberdade e a igualdade, conforme Rousseau. Como indivíduo, o homem é livre, porque está submetido à natureza. É ela que lhe diz o que pode fazer ou não. Mas desde o momento que o homem ingressa no estado convencional, na sociedade e suas leis, deverá se submeter à vontade geral. Em ambos os casos, pensa Rousseau, os homens são livres e iguais, pois cada um é igual aos demais e livre tanto quanto os demais no estado de natureza, bem como igual aos demais e partícipe da mesma liberdade como membro do corpo político, não, porém como pessoa.
A legislação, porém, não pode ser igual para todos os povos. Tomando por fundamento Montesquieu, aconselha que cada povo, dependendo de suas próprias condições, siga sua vocação natural.
Para Rousseau, por mais que os interesses particulares aflorem no corpo social, por mais que se degenerem os homens, ou dissensões internas grassem na sociedade, a vontade geral não perece, apenas não se manifesta:
Ao tratar da questão das várias formas de governo, Rousseau parte da distinção das causas da ação livre. São duas: moral e física. A primeira é a vontade e a segunda é o poder, uma é a possibilidade, outra, é a condição, pois nem toda vontade é realizável. Necessita vir acompanhada de condições.
Para ele, o legislativo é a vontade do corpo político, ou povo, e o executivo, é o poder. Este é um agente intermediário entre o Estado e o soberano,  o nexo de união entre o social e o individual. Disso resulta o governo, agente, corpo intermediário entre os súditos e o soberano. O governo em sua totalidade - magistrados, reis - denomina-se Príncipe.
Como se percebe, Rousseau despojou o  agente do executivo, da representação. Na filosofia política liberal, mormente no seu pensador clássico, Locke, o rei era o representante da nação, para executar a vontade dela. Em Rousseau, não passa de um empregado da vontade geral.
Outro aspecto que merece atenção de Rousseau é o que diz respeito ao que ele denomina regime de governo. Há três: monarquia, aristocracia e democracia, aliás, a clássica divisão de Aristóteles. Quanto  à monarquia, pensa que teoricamente é possível um governo monárquico com respaldo popular. Mas sempre se estará a um passo do absolutismo. Para ele, a monarquia conviria a grandes Estados, para que, em torno do rei, se mantivessem a coesão, tanto territorial, como institucional.
A respeito da democracia, pensa Rousseau que haveria uma identificação entre o legislativo e o executivo, pois príncipe e soberano são a mesma pessoa. Este fenômeno criaria uma situação singular, isto é, um governo sem governo. Parece que Rousseau não acreditava numa democracia pura, pois somente seria possível, conforme ele, com um "povo de deuses".
A terceira forma, a aristocracia, que pode ser natural (idade), hereditária (transmissível), e eletiva (sufrágio), merece a opção de Rousseau. E dentre estas, a melhor seria a eletiva, desde que viesse acompanhada pela virtude. Como se vê, única garantia é a moralidade do governante ou sua boa vontade.
No que diz respeito a propostas concretas, Rousseau pôde tentá-las com a Ilha de Córsega e com a Polônia. Para a primeira, aponta para uma democracia patriarcal. Está presente, porém, novamente, o componente romântico. Deseja que os ricos não sejam gananciosos, e que, portanto, não sejam tão ricos, por isso, diminuam a pobreza.
Quanto Polônia, a condição para serem implantadas as novas instituições políticas, a reforma do coração.122 Sempre é o mesmo "leiv motiv": a bondade do homem. Para ele era preciso formar cidadãos e posteriormente organizar a república, ou, fazer proceder a política da moral. Era preciso, por isso, começar com um plano de educação cívica.
As grandes idéias do contrato social estão sempre presentes, no "Considerações sobre o Governo da Polônia e sua Reforma Projetada". O legislativo, as dietas, deveriam exercer um rígido controle sobre o executivo. A representação  aceita, desde que o povo a controle. O caráter totalitário sem nenhuma garantia individual, aparece com toda clareza quando manda que as leis punam os núncios, e que se fosse necessário até se devia corta-lhes a cabeça. Ainda, que se submetam totalmente às leis, sem protesto e que arquem com todas as conseqüências de seus atos. [81]
Como vimos, o advento da Idade Moderna marcou também, em filosofia política, o surgimento da doutrina contratualista. Seus seguidores não eram unânimes nas idéias, e por isso bifurcaram-se em duas grandes vertentes: o jusnaturalismo e o convencionalismo. Ambas as vertentes manifestaram suas posições em relação à lei, cujo conceito atingia os direitos do homem. Os jusnaturalistas reconheciam um conjunto de direitos inerentes ao homem na condição de ser humano, já os convencionalistas negavam estes direitos defendendo que tudo ficaria na dependência das decisões populares, ou a quem lhes foi confiado o governo. A prática posterior mostrou que o convencionalismo levou às mais funestas conseqüências para o ser humano. À mercê do grupo dominante, a vida, a liberdade, propriedade e igualdade de nada valiam. Pode-se apontar como exemplos as matanças da Revolução Francesa, a ferocidade e perseguições na Revolução Russa e seus governos posteriores, os hediondos crimes contra os judeus e contra a Humanidade do Nazi-fascismo. Já onde prevaleceu o consenso sobre os direitos do homem como uma esfera neutra politicamente, houve problemas, mas as proporções são incomparavelmente inferiores e auto-sanados com instrumentos institucionais.
Os dois grandes protótipos dos modelos jusnaturalista e convencionalista ocorreram com a Revolução Francesa e com a Revolução Americana, respectivamente.


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8. ARISTÓTELES.  Política. L. III, 21, 3.
9. Górgias, op. cit., p. 92.
10. A República, op. cit., p. 72-83, L. II.
11. A República, op. cit., p. 72-83, L. II.
12. PLATÃO. Sétima Carta. Revista: Humanidades. Brasília, UnB, Vol. I, nº 2, Jan/Mar/1983, p. 171-184.
13. MAIRE, Gaston. Platão. Trad. de Rui Pacheco, Lisboa, Edições 70, 1966, p. 50-63.
14. Sétima Carta, op. cit., p. 184.
15. ARISTÓTELES. Ética. Trad. de Cassio M. Fonseca. Rio de Janeiro, Edições de Ouro, 1968, L. I, 5.
16. A Ética, op. cit., L V, cap. I.
17. ARISTÓTELES. A Política. Trad. de Nestor Silveira Chaves. 5ª. ed., São Paulo, Atenas Editora, (s.d.), L. I, cap. I, 12.
18. A Ética, op. cit., L II, IV, 2.
19. A Ética, op. cit., L. II, IV, 2.
20. Id., L. II, I, 4.
21. A Política, op. cit., L. I, cap. 1, 4 a 14.
22. Id., L. II, cap. I, 8.
23. Id., L. I. cap. I, 11.
24. Id., L. II, cap. VI, 4.
25. Ibid, 12.
26. Meditações. L. IV, 23 e BRUN, Jean. O Estoicismo. Trad. de João Amado. Lisboa, Edições 70, s.d., p. 88.
31. SÊNECA, Lúcio Aneu. Consolação à Minha Mãe Hélvia. Trad. de Giulio Davide Leoni. Os pensadores. São Paulo, Abril Cultural, VIII, 2.
32. Meditações, L. I, 17.
33. Id., L. III, 4.
34. Id., L. VIII, 34.
35. EPICURO. Epístola a Meneceu. Apud. FARRINGTON, Benjamin. A Doutrina de Epicuro. Trad. de Edmond Jorge. Rio de Janeiro, Zahar Editores, 1968, p. 129-132.
36. Id., 127-128.
37. VECCHIO, Giorgio del. Lições de Filosofia do Direito. Vol. I. Trad. de Antonio José Brandão. 4ª ed., Copimbra, Armênio Amado, 1972, p. 63-65.
38. CICERO, Marco Túlio. De Legibus. L. I, Caps. VI a XVII.
39. CICERO, Marco Túlio. De Republica. L. I, XXXII-XXVI.
40. Id, L. I , XXVIII-XXIX.
41. Id., L. I, XXXV.
42. SANTO AGOSTINHO. De Civitate Dei. 1, XIV, cap. XXVIII.
43. Id., 1, IV, cap. VI.
44. CICERO, Marco Túlio. De República. L. II, 19.
45. SANTO AGOSTINHO. De Libero Arbitrio. 1, I, cap. V, v. 12.
46. SANTO TOMÁS. Suma Theologica. 1, 2ac. q. 93, art. 2º.
47. Ibid., q. 91, art. 3º, q. 95, art. 2º.
48. Summa Theologica, op. cit. 1a, 2a, q. 5, art. 1º.
49. Summa Theologica, op. cit. 1a, 2a, q. 5, art. 1º.
50. ALIGHIERI, Dante, De Monarchia. L. II, VII.
51.Ibid., VII.
52. Id., L. III, XIV.
53. PADUA, Marsilli de. Defensor Pacis. Monumenta Germaniae Historiae. Ed. dirigida por Richard Scholz, apud: Fontes Iuris Antiqui.
54. Defensor Pacis, D.P. I, XII, 3.
55. Id., D. II, XII, 8.
56. SOUZA, José Pedro Galvão de. O Totalitarismo nas origens da Moderna Teoria do Estado. (Um Estudo sobre o Defensor Pacis, de Marsílio de Pádua). São Paulo, Indústria Gráfica Saraiva, 1972, p. 212-213.
57. TOUCHARD, Jean. História de Las Ideas Politicas. Trad. de J. Pradera. Madrid, Editorial Tecnos, 1975, p. 166-168.
58. MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. Trad. de Lívio Xavier. São Paulo, Victor Civita. 1973. Capítulo III.
59. Ibid.
60. Id., Cap. XV.
61. MAQUIAVEL, Nicolau. Comentários sobre a Primeira Década de Tito Lívio. "Discorsi". 2ª ed., Brasília, UnB, L.I., caps. 1º ao 9º.
62. Id., Introdução.
63. BODIN, Jean. Six Livres sur la République. II, 4, (S.l.:s.n.), p. 246.
64. GRÓCIO, Hugo. De Iure Belle ac Pacis. Versão espanhola por Jaime Torrubiano Ripoli. Madrid, Reus, 1925.
65. Id., L. I, cap. III, nº 8.
66. Ibid.
67. Id., L. I, cap. 4.
68. HOBBES DE MALMESBURY, Thomas. Leviatã ou Matéria, Forma e Poder de um Estado Eclesiástico e Civil. Trad. de João Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nizza da Silva. São Paulo, Victor Civita, 1974, p. 82-89, ou L. I, cap. XIV e XV.
69. Id., p. 1O9, ou II, cap. XVII.
70. Id., p. 1O8 -11O, ou II, cap. XVII.
71. PUFENDORF, Samuel. De Iure Naturae et Gentium Libri Octo. L. I, I, L. 9, parág. 20 e 21.
72. Id., L. I, L. 4.
73. Id., L. I, L. 3, L. 11, 2, 8.
74. Id., L. 11, 2, 8.
75. PUFENDORF, Samuel. Droit de la Nature et des gens. T. II, Amsterdam, Pierre de Coup, 1712, p. 3O2.
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96. MORNET, D. Op. cit. , p. 1OO-1O4.
97. ROUSSEAU, Jean-Jacques. Émile ou De l'Éducation. Introduction par Michel LaunaY. Paris Garnier-Flammarion, 1966.
98. Id., p. 39.
99. Id., p. 41.
100. ROUSSEAU, Jean-Jacques. Discurso sobre as Ciências e as Artes e sobre a Origem da Desigualdade. Trad. de Maria Lacerda de Moura. Rio de Janeiro: s.d., p.118-119.
101. Id., p. 124.
102. Id., p. 126-161.
103. ROUSSEAU, Jean-Jacques. Émile. Op. cit., p. 38.
104. ROUSSEAU, Jean-Jacques. Du Contrat Social. Paris: Garnier, s.d., L. I, Cap. I.
105. Id., Cap. II.
106. Id., Cap. VI.
107. ROUSSEAU, Jean-Jacques. Discurso sobre as Ciências e as Artes e sobre a Origem da Desigualdade, p. 144-145. L. I, cap. VI.
108. ROUSSEAU, Jean-Jacques. Du Contrat Social, L. I, cap. VI.
109. Ibid.
110. Id., cap. VII
111. Id.,, L. II, cap. I.
112. Id., cap. III
113. TALMON, J. L. Los Orígenes de la Democracia Totalitaria. Trad. de Manuel Cardenal Racheta. Madrid: Aguillar, 1956, p. 13O-155.
114. ROUSSEAU, Jean-Jacques. Du Contrat Social, p. L. II, cap. VI.
115. Id., cap. XI.
116. Id., L. II, cap. I.
117. Id., L. III, cap. VI.
118. Id., L. III, cap. IV.
119. Id., L. III, cap. V.
120. ROUSSEAU, Jean-Jacques. Considerações sobre o Governo da Polônia e sua Reforma Projetada. Tradução, apresentação e notas de Luiz Roberto Salinas Fortes. São Paulo: Brasiliense, 1982, p. 25.
121. Id., 36-4O.
122. Id., 47-49.
123. Id., p. 5O.


BIBLIOGRAFIA
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3. EPICURO. Epístola a Meneceu. Apud: FARRINGTON, Benjamin. A Doutrina de Epicuro. Trad. de Edmond Jorge. Rio de Janeiro, Zahar Editores, 1968, p. 129 a 132.
4. FARRINGTON, Benjamim. A Doutrina de Epicuro. Trad. de Edmond Jorge. Rio de Janeiro, Zahar Editores, 1968, p. 132 ss.
5. FURET, François e RICHET, Denis. La Revoluzione Francese. Vol. I, Roma-Bari, Editora Laterza, 19889, p. 65.
6. FARRINGTON, Benjamim. A Doutrina de Epicuro. Trad. de Edmond Jorge. Rio de Janeiro, Zahar Editores, 1968, p. 132 ss.
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8. MARCO AURÉLIO,  Meditações. L. IV, 23 e BRUN, Jean. O Estoicismo. Trad. de João Amado. Lisboa, Edições 70, s.d., p. 88.
9. PLATÃO, A República. 5ª ed., São Paulo, Atena, s.d., p. 26 a 30.
10. PLATÃO. Diálogos. II Vol., Fédon, Sofista, Político. Trad. de Jorge Paleikat e Cruz Costa. Porto Alegre, Globo, 1955, p. 270 a 296.
11. PLATÃO, Górgias ou a Oratória. Trad. de Jaime Bruna. São Paulo, Difusão Européia do Livro, s.d., p. 70 a 90.
12. PLATÃO. Sétima Carta. Revista: Humanidades. Brasília, UnB, Vo. I, nº 2, Jan/Mar/1983, p. 171 a 184.
13. SÊNECA, Lúcio Aneu. Consolação à Minha Mãe Hélvia. Trad. de Giulio Davide Leoni. Os pensadores. São Paulo, Abril Cultural, VIII, 2.
14. VECCHIO, Giorgio del. Lições de Filosofia do Direito. vol. I, Trad. de Antonio José Brandão. 4ª ed., Coimbra, Armênio Amado, 1972, p. 63 a 65.


LEI NATURAL X CONVENÇÃO DOS ANTIGOS
Selvino Antonio Malfatti
(Resumo)
O presente artigo traz o debate havido entre os gregos antigos sobre a natureza da lei. Basicamente duas correntes defrontaram-se: os defensores de uma “lei natural” e os convencionalistas. Entre os primeiros podemos citar Sócrates, Platão, Aristóteles e os estóicos. Nos segundos encontram-se os sofistas e os epicureus.
Os partidários da idéia de lei natural argumentavam que o homem nascia com uma lei e que ao cumpri-la se estaria fazendo justiça. Em torno desta idéia se poderia obter o consenso da sociedade sobre o que fazer e o que não fazer. O consenso dar-se-ia em questões fundamentais e com isso a lei poderia ser duradoura, geral, acima dos interesses dos grupos, e principalmente justa. Os convencionalistas, ao contrário, pensavam que o dito consenso era só disfarce do grupo hegemônico. E se a lei fosse um mero capricho do grupo dominante, ela seria efêmera, particular, casuísta, e principalmente uma força impositiva.
Este debate foi tão significativo que não se extraviou na História mas suportou a Idade Média e reacendeu na Idade Moderna com o contratualismo, subdividido entre jusnaturalistas partidários de uma lei natural e convencionalistas, defensores da relatividade absoluta das leis.
Até mesmo na Idade Contemporânea se defrontaram e se defrontam as duas vertentes, evidentemente revestidas com outras roupagens. Boa parte dos liberais, por exemplo, são caudatários do jusnaturalismo e boa parte dos marxistas seguem a linha convencionalista. Com certeza, atualmente os defensores do “direito alternativo” deitam suas raízes no convencionalismo, e os alinhados na idéia de um direito impessoal devem sua inspiração ao direito natural.


CONCLUSÃO
Basicamente quatro grandes grupos, na Grécia Antiga, concorreram para o debate em torno da idéia de lei: os sofistas, os platônico-aristotélicos (os socráticos estão incluídos), os epicureus (Escola do Jardim) e os estóicos. O divisor maior se estabelece entre os sofistas e os platônico-aristotélicos. Os estoicos se aproximam destes e os epicureus daqueles.
O início do confronto ideológico deu-se por iniciativa dos sofistas que, no intuito de defender os interesses de seus constituintes passaram a contestar o “status quo” institucional. A estratégia foi relativizar idéias e instituições para justificar as pretensões de seus clientes. A defenderem que a Justiça é a lei do mais forte, anulavam a idéia de uma Justiça geral, imparcial e duradoura. A lei não passava de uma convenção, como diziam.
A resposta veio primeiramente por Sócrates e depois por Platão e Aristóteles. Estes posicionaram pela imanência, cada um a seu modo, de uma lei na natureza humana, e ao seguí-la se faria a Justiça. Além disso, patentearam as contradições dos sofistas, os quais queriam que suas idéias fossem verdadeiras, mas defendiam a relatividade de tudo. Platão e Aristóteles diferem no que concerne à fonte primeira da lei. Para o primeiro é o sobrenatural o mundo perfeito das idéias; para o segundo é o mundo natural. Em ambos, porém, há uma lei da natural. Em ambos, porém, há uma lei da natureza.
Os estóicos, pautados pelo “sequere naturam” incluíam no conceito de natureza, a razão. Defendiam o cosmopolitismo, isto é, uma cidadania universal. Para eles, o homem acima de tudo deve ser virtuoso e, para tanto, basta seguir a lei natural, a qual lhe dará também a felicidade.
O epicurismo, a escola do maior prazer possível com o mínimo de sofrimento, envereda para o materialismo, o qual causa o relativismo ético-moral. Nada haveria nada de permanente, imutável. Embora Epicuro não fosse partidário de uma anarquia institucional, ao contrário defendia sempre a moderação, suas idéias desembocaram no descompromisso do indivíduo para com seus semelhantes, podendo,
Os princípios dos epicureus levavam ao convencionalismo e dos cada um agir como lhe aprouvesse.estoicos à lei natural.
Por isso, com os antigos gregos teve início o debate que daria origem ao contratualismo da Idade Moderna, que por sua vez, se desdobrou em jusnaturalismo e convencionalismo, no que se refere ao conceito de lei.



[1] PLATÃO. A República. 5ª ed., São Paulo, Atena, s.d., p. 26-30
[2] PLATÃO. Górgias ou a Oratória. Trad. De Jaime Bruna. São Paulo, Difusão Européia do Livro. S.d. p. 70-90.
[3] MARCO AURÉLIO. L. IV, 23 e BRUN, Jean. O Estoicismo. Trad. De João Amado. Lisboa, Edições 70, s.d. , p.88
[4] SÊNECA, Lúcio Aneu. Consolação à minha Mãe Hélvia. Trad. De Giulio Davide Leoni. In: Os Pensadores. São Paulo, Abril Cultural, VIII, 2.
[5] BRUN, Jean. O Estoicismo. Trad. de João Amado. Lisboa, Edições 70, s.d., p. 88.

[6] MARCO AURÉLIO,  Meditações.    L. III, 4.  
[7] Id. L. VIII, 34.
[8] EPICURO, Epistola a Meneceu. In: A Doutrina de Epicuro, op. cit., p. 129-132.
[9] VECCHIO, Giorgio del. Lições de Filosofia do Direito. vol. I, Trad. de Antonio José Brandão. 4ª ed., Coimbra, Armênio Amado, 1972, p. 63 a 65.
[10] FARRINGTON, Benjamin. A Doutrina de Epicuro. Trad. De Edmond Jorge. Rio de Janeiro, Zahar Editores, 1968, 132ss.

[11] TUCÍDIDES. História da Guerra do Peloponeso.3ª ed., tradução de Maria da Gama Kury.Brasília, UnB, p.96-l02

[12] GIORDANI, Mário Curtis. História da Grécia. Petrópolis, Vozes, l967, p.150
[13] PADOVANI Humberto & CASTAGNOLA, Luís. História da Filosofia. 5ª ed., São Paulo, Edições Melhoramentos, l962, p. 58

[14] PLATÃO. Diálogos.V.II, Fédon, Sofista Político. Trad. De Jorge Paleikat e Cruz Costa. Porto Alegre, Globo, l955, p. 270-296.

[15] PLATÃO.  Górgias ou a Oratória. Trad. de Jaime Bruna. São Paulo, Difusão Européia do Livro, (s.d.), p. 92.
[16] PLATÃO. A República. 5ª ed., São Paulo, Atena, s.d..p. 72-83, L. II.
[17] Ibid.
[18] PLATÃO. Sétima Carta. Humanidades. Brasília, UnB I., nº 2, , V.I, p. 171-184,  jan\mar l983.

[19] MAIRE, Gaston. Platão.Trad. de Rui Pacheco. Lisboa, Edições 70, 1966, p. 50-63
[20] Sétima Carta, op. Cit. P. 184

[21] ARISTÓTELES.Ética. Trad. De Cassio M. Fonseca. Rio de Janeiro. Edições de Ouro. 1968, L.I, 5
[22] ARISTÓTELES. A Ética. Trad. de Cassio M. Fonseca. Rio de Janeiro.  Edições de Ouro, 1968, L.V, cap.I.
[23] ARISTÓTELES. A Política. Trad. De Nestor Silveira Chaves. 5 ª , São Paulo, Atenas Editora, s.d., L.I, cap. I, 12
[24] Ética, op. Cit. L. II, IV, 2
[25] A Ética, op. cit., L. II, IV, 2.
26 Ibid
27 A Política, op. Cit., L.I, cap. I, 4 – l4
28 Id. L.I, cap. I, 4
29 Id. L.I, cap. I, 11
30 Id. L.II, cap. IV, 4
31 Ibid. , 12
32 Id. L.IV, cap. II, 2
33 Id. L.IV, cap. III,12
34 Id. L. VI, cap. IV, 2 e 3
35 Id., 6
[26] STRAUSS, Leo e CROPSEY, Joseph. Historia de la Filosofia Politica. México, Fondo de Cultura Económica, l993, p.171-l72

[27] CÍCERO.Marco Túlio. De Legibus. L. I, Cacps. VI - XVII
[28] CÍCERO, Marco Túlio. De Republica. L. I, XXXII.
[29] Id. L. I, XXXV
[30] ZILLES, Urbano. Fé e Razão no Pensamento Medievel. Porto Alegre, EDIPUCRS, l993, p. 32-115

[31] BIBLIA. Gn l e 2
[32] Id. Dt l5,l5 ; Ex l4,30 ; l8,l0 e lMc l4,26
[33] Id. Ecl l5, ll-20
[34] Id. 1Pd 2,16 ; Rm 6,l9 ; 1Cor 9,l9
[35] Id. Jr 27,5 ; At 17,26; 1Tm 2,3ss
[36] Id. Ex 32,13 ; l9,5 ; 1Sm l0,l
[37] SANTO AGOSTINHO. De Civitate Dei. 1, 14, cap. XXVIII
[38] CÍCERO, Marco Túlio. De Republica. L. II, 19
[39] SANTO AGOSTINHO. De Libero Arbitrio. 1, I, cap. V, v. 12
[40] SANTO TOMÁS. Summa Theologica. 1, 2 ac.q. 93, art. 2º
[41] Ibid. q.95, arts. 2º e 4º
[42] Ibid. q.91, art. 3º, q.95, art. 2º
[43] Summa Theologica, op. cit., 1a, 2a, q. 5 , art. lº
[44] ALIGHIERI, Dante. De Monarchia. L. II, VII
[45] Id. L. III, XIV
[46] PADUA, Marsílio de. Defensor Pacis. Monumenta Germaniae Historiae. Ed. Dirigida por Richard Scholz. Apud: Fontes Iuris Antiqui.

[47] Id. XII, 5

[48] Id. XII, 5
[49] TOUCHARD, Jean. Historia de las Ideas Politicas. Trad. De J. Pradera. Madrid, Editorial Tecnos. 1975, p. 166-168.

[50] MORUS, Thomas. L’Utopie. Bruxelas, La Renaisssance du Livre. 1966
[51] MAQUIAVEL. Nicolau. O Príncipe. Trad. De Lívio Xavier. São Paul, Victor Civita, l973, cap. III
[52] Id. Cap. XV
[53] Id. Introdução
[54] BODIN, Jean. Six Livres sur la République. II,4 ( S.I., s.n.), p. 246
[55] GRÓCIO, Hugo. De Iure belli ac Pacis. Versão espanhola por Jaime Torubiano Ripoli. Madrid, Reus, 1925.

[56] Id. L.I, cap.III, nº 8.
[57] Id. L. I, cap. 4

[58] HOBBES DE MALNESBURY, Thomas. Levitã ou Matéria, Forma e Poder de um Estado Eclesiástico e Civil. Trad. De João Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nizza da Silva. São Paulo, Victor Civita. L974, L. I, cap. XIV e XV.

[59] Id. L. II, cap. XVII
[60] PUFENDORF, Samuel. De Iure Naturae et Gentium Libri Octo. L.I, I, L.9, parágrafo 20 e 21

[61] 85 BURLAMAQUI, J.J. Principes du Droit Politique. (S.I. s.n.), 1751, p.57-58
[62] WOLF, J.C.Philosophia Rationalis. (S.s.n), l728, L.I, par. 123
[63] Id. L.II, par. 56

[64] VATEL, Emer de. Les Droit de Gens ou Principes de la Loi Naturelle. V. 1, Lyon, Robert et Gautier, l802, p. 41

[65] LOCKE, John. Ensajo sobre el Gobierno Civil. Trad. E Pref. De José Carner. Mexico, Fondo de Cultura, 1941

[66] EBENSTEIN, William. Great Political Thinkers. 3ª ed., New York, Holt, l960, p. 393-403
[67] MACPHERSON, C.B. A Teoria Política do Individualismo Possessivo de Hobbes até Locke. Trad. De Nelson Dantas. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1979, p. 205-262.

[68] MONTESQUIEU, Charles Secondat. De L’Esprit des Lois. Amsterdam: (s.n), l750.

[69] MORNET, Daniel. Les Origines Intelectuelles de la Révolution Française. (l7l5-l787). Paris, Armand Col;in, l933, p. 72-74.

[70] TOUSSAINT, François Vicent. Les Moers. Nouvelle Édition Revie et corrigée. Amsterdam, (s.n), l760.
[71] HELVETIUS, Claude Adrien. De L’Esprit. Amsterrdam, (s.n), 1759

[72] VOLTAIRE, Jean-François Marie Arouet. Le Siècle de Louis XIV, Charles XII e Pierre le Grand.Paris, H. Gautier, s.d.
[73] VOLTAIRE, Jean François-Marie Arouet. Essai sur L’Histoire Générale et sur les Moeurs et L’Esprit des Nations, depuis Charlemagne jusqu’à nos Jours. ( S.I. : s..n.) 1757

[74] DIDEROT. Denis. Le Père de Famille: Comédie en cinq Actes et en Prose. Amsterdam. (s.n) l758

[75] HOLBACH, Barond d’. La Politique Naturelle ou Discours sur les mais principes du governemant . Londres (s.n.), l773.

[76] ROUSSEAU, Jean-Jacques. Émile ou de l’Education. Introduction par Michel Luanay. Paris, Garnier-Flammarion, l966.

[77] ROUSSEAU, Jean-Jacques. Discurso sobre as Ciências e as Artes e sobre a origem da desigualdade. Trad. De Maria Lacerda de Moura. Rio de Jnaiero, s.d., p. 118-119

[78] ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do Contrato Social. Paris, Garnier, s.d., L. I, cap. II.

[79] 117 Id. L. II, cap. I.
[80] Id. cap. III.
122 ROUSEAU, Jean-Jacques. Considerações sobre o Governo da Polônia e sua Reforma Projetada. Trad, apresentação e Notas de Luiz Roberto Salinas Fortes. São Paulo, Brasiliense, 1982, p. 25.
[81] ROUSEAU, Jean-Jacques. Considerações sobre o Governo da Polônia e sua Reforma Projetada. Trad, apresentação e Notas de Luiz Roberto Salinas Fortes. São Paulo, Brasiliense, 1982, p. 25.

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