sexta-feira, 5 de agosto de 2011

GOOGLE – NOSSA MEMÓRIA. Selvino Antonio Malfatti.



Como aconteceu comigo, muitos se perguntam por que Sócrates não escreveu nada? Um homem com um cabedal de cultura como ele, com toda certeza, devia saber escrever. Platão, embora esteja com receio dos efeitos da escrita, deixou-nos um grande cabedal de obras escritas. Sócrates, ao contrário, não escreveu e o que dele sabemos é através da escrita de Platão. A posição de Platão, porém, deve-se a sua teoria do conhecimento que, para ele, conhecer era lembrar. Então, quanto mais lembrasse, mais conheceria. E a escrita faria o inverso, isto é, que as pessoas não precisassem lembrar.Nesse sentido a fala, o discurso, o diálogo (dia-logos – em direção ao saber) ou a maiêutica em Sócrates eram infinitamente superiores à escrita para eles. A escrita era um cadáver, uma realidade deturpada, petrificada.
No entanto, apesar de imperfeita, a escrita como memória externa, sobreviveu e revelou-se uma fonte inspiradora para o armazenamento de informações que possibilitam o avanço do conhecimento. Por mais que a memória pudesse “guardar”, não conseguiria preservar tudo. E a prova em contrário: tudo se perdeu dos povos que não deixaram registros por escrito e, se ficou alguma lembrança deles, foi através daquilo que os outros que escreveram deles. Além do mais, livros perdidos ( como a Poética de Aristóteles), nada ficou pois ninguém preservou na memória. Por isso, por mais imperfeito que seja o instrumento para preservação da memória- a escrita – ela desempenhou seu papel, bem ou mal, e preservou o conhecimento.
Atualmente a questão foi deslocada para outro extremo, como se constata pelos estudos da psicóloga pesquisadora, Betsy Sparrow. Ela procurou descobrir que efeitos a internet, ou mecanismos de busca, exercem sobre o cérebro. Conclui que o cérebro não se preocupa mais muito em reter informações, mas em saber onde estão, no Google, por exemplo. A memória interna deslocou-se para externa, fora do indivíduo. O cérebro, como uma massa plástica, adapta-se ao modo como é exigido. Se for exigido ele responde positivamente, se não, ele se encolhe e fica inativo. Professores de todos os níveis já perceberam que, nos trabalhos de pesquisa exigidos dos alunos, tem-se como resultado um Ctrl+C & Ctrl+V, ou, em outras palavras: tudo se copia, nada se cria. Buscados descontextualizados, aqui ou acolá, sem análise crítica.
Não é diversa a postura do autor do livro The Shallows, Nicholas Carr, que vê nas novas tecnologias de armazenagem de informações um perigo para o cérebro. Conforme ele, o perigo maior reside no fato de a internet descartar umas informações e armazenar outras. Com que critérios? A memória cerebral é importante por que pode associar, fazer conexões, reelaborar. Se algumas informações tiverem sido eliminadas, haverá prejuízos para os resultados.
Mas, em minha opinião, além dos problemas apontados acima há outro, muito grave e preocupante, que ronda nossa civilização atual. O que se escreve, está-se arquivando em programas que daqui a alguns anos serão obsoletos e ninguém mais conseguirá acessar. Quem de nós não tem aqueles disquetes quadrados com programas que não abrem mais? O mesmo acontecerá com CDs e DVDs, sem falar em pendrives. A própria memória interna do computador, baseada em programas, está sendo substituída a cada momento por modelos mais atualizados e o que está escrito neles está perdido para sempre. Estamos diante de um paradoxo: agora que praticamente podemos armazenar tudo, não conseguiremos no futuro ler nada. A projeção é de que nada ficará, pois tudo se tornará inacessível e indecifrável, como muitas escritas de povos do passado. Isso aconteceu com os fenícios, incas, maias, astecas e outros. Sobre nós as gerações futuras perguntarão:
- O que fizeram os que viveram nos séculos XX e XXI?
E responderão:
-NADA SABEMOS, OS ARQUIVOS DELES  SÃO INDECIFRÁVEIS. 


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