sexta-feira, 3 de abril de 2020

O cantinho do pensamento. José Mauricio de Carvalho



Um professor genial teve uma magnífica intuição e publicou nas redes sociais: Deus colocou a humanidade no cantinho do pensamento. De fato, estamos reclusos e com tempo para pensar. Desde o ano passado, a sociedade humana tomou contato com uma variação de vírus da família corona, descoberto em dezembro de 2019. Essa variação de vírus é capaz de provocar pneumonia e matar, especialmente pessoas de idade avançada e com doenças pré-existentes (Covid 19). Essa variação é de um vírus da família corona, família bastante conhecida e identificada há quase um século (1937). Com esse tipo de vírus se convive desde a infância, mas essa variação se espalhou pelo mundo provocando doença e morte. De repente, a vida rotineira, na grande maioria dos países, vivida frequentemente sem prazer, depois de perdida, pareceu deliciosa.  Em sociedades envelhecidas, como Itália e Espanha, o avanço da epidemia está provocando muitas mortes. No cenário terrível, de enterro em massa, as pessoas estão atônitas e os sistemas de saúde repletos de doentes. Não estamos capacitados para enfrentar grandes epidemias, nem mesmo os países mais ricos estão sabendo como conciliar o isolamento social e as atividades econômicas essenciais. Essenciais porque não podem parar.
Atuando de forma meio improvisada, quando não atabalhoada, as autoridades de saúde de todo o mundo recomendam que se fique em casa, nos afastando, cidadãos comuns, das nossas rotinas. Então, no silêncio do lar, em contato com familiares, ou sozinhos conosco mesmos, temos a incrível e única oportunidade de levar adiante um balanço existencial que o momento permite e/ou exige. Fomos postos no cantinho do pensamento. E merecemos bem a lição pela bagunça que temos feito no mundo.
 O cantinho do pensamento, nesse momento de pandemia, realça o valor da fraternidade universal. Ela se mostra, com mais força, nessas situações de risco e de sofrimento. Nesses dias de isolamento, quando a dor comum alimenta o desejo da cura para os doentes e do retorno à normalidade para todos, estamos assustados e ansiosos. Mas é promissor que, nessa circunstância, quando o governo cogita ajudar empresários e trabalhadores, ninguém o acusou de comunista. Em outros dias isso seria cogitado por essa legião de robôs destituída de senso de humanidade, que perdeu o significado de fraternidade e nacionalidade, pessoas que olham o próprio umbigo e não se sentem parte do destino comum dos seus companheiros de jornada.
O cantinho do pensamento também me trouxe à memória as palavras de Martin Buber, que assim se pronunciou sobre o significado de nossa humanidade comum no prefácio de um livro de Hermann Cohen (BUBER, M. El prójimo, cuatro ensaios sobre la correlación práctica de ser humano a ser humano, según la doctrina del judaísmo. Barcelona, Digitália, 2004. p. XXII): “Ama o teu próximo, pois ele é como tu, porque vocês conhecem a alma do ser humano que se encontra em situação de extrema necessidade, sede amorosos com ele, pois vocês mesmos também são seres humanos e padeceis a mesma e extrema necessidade humana.” Estamos, pois, diante de uma recuperação do mandamento do amor ao próximo contido nos evangelhos. Fraternidade universal não é comunismo nem nada que essa limitada visão política que se espalhou no país quer fazer crer. Fraternidade universal é o compromisso solidário de todo homem com quem sofre, porque pertencemos a uma espécie que é capaz de compadecer dos sofrimentos dos outros. E precisamos nos ajudar e nos respeitar nas diferenças de nossas vidas e conforme nossas possibilidades. Esse sentimento é mais importante ainda entre membros da mesma nação.
A lição desses dias tem sido dura, mas como o Mestre é bom saberá dosá-la. Ela será dada de acordo com nossa capacidade e propósito em aprendê-la. Assim Ele ensinará a gregos e troianos o sentido dessa pertença comum à espécie e a necessidade de habitarmos essa terra como irmãos.


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