sexta-feira, 9 de junho de 2017

ISMAEL E ISAAC – IRMÃOS BRIGUENTOS. Selvino Antonio Malfatti.












Causa estupefação a narrativa bíblica sobre os filhos de Abraão. Diz o texto que os irmãos Isaac e Ismael brigavam muito e por isso Abraão resolveu pedir para Ismael e Agar irem embora.  Da descendência de Isaac veio a civilização judaico- cristã. Da descendência de Ismael, a árabe, e dela o islamismo. Os dois irmãos tinham a mesma identidade, eram filhos de Abraão, mas com certeza tinham as suas diferenças senão não brigariam. É o paradoxo das duas culturas judaico-cristã e árabe: conflitam pelas diferenças sem se lembrarem de suas identidades. O mesmo acontece analogamente entre as civilizações cristã e árabe, especificamente: europeia e complexo árabe.
Alguns salientam as diferenças entre as duas culturas. No entanto, não se dão conta de que, se existe diferença, é por que existe alguma identidade. Quando se pensa o Dois e o Múltiplo, no fundo ambos provém de suas identidades por que estão alicerçados no mesmo princípio:  o Um.  Da mesma forma há diferença entre um e outro por que há uma identidade. Somente posso me referir ao outro se houver algo que os une. Sempre é necessária a ponte para transitar de um para outro.
Isto vale para o cristianismo e islamismo. Quem será capaz de negar a importância para o ocidente da tradição árabe na matemática, arte, ciência, e filosofia? Platão e Aristóteles estavam mortos e sepultados se não fosse a contribuição da filosofia árabe. Nossos conhecimentos sobre estes dois pensadores chegaram à Europa através do árabe Averrois, culminando cinco séculos depois com o Iluminismo e anteriormente com a Renascença, com a volta às origens.
Contudo a noção de identidade e diferença persiste. A matéria de uma escultura pode ser a mesma, mas o que diferencia é a forma. A pedra bruta – matéria – é a mesma daquela da escultura de Davi. A matéria é a mesma, o que os que diferenciam –pedra e escultura - é a forma.
Da mesma forma as duas culturas, europeia e árabe, podem ter tido uma origem comum. No entanto, o resultado, a diferença as separa abissalmente. Somente para ilustrar, o humanismo ocidental, a concepção de humano, os distancia de tal forma que praticamente não se reconhecem mais. Os mistérios dos sentimentos e da própria consciência, âmago da civilização europeia, oriunda de uma vertente grega, a tragédia e a poesia, desprezadas pela cultura islâmica, relegando-as ao secundário. A afirmativa de que a cultura oriental, mormente a islâmica, é o coração da ocidental tropeça quando buscamos nela o direito e o logos. Ou que o peso da teologia islâmica tenha sido tão importante para Europa como a teologia hebraica e cristã. Embora possa se encontrar traços da filosofia de Averrois em Dante, não é o essencial em Dante que se apreende, por que onde está a Comédia em Averrois? Completamente ausente. São duas realidades de intensidade diversa.
Além disso, onde encontramos no Corão a coexistência dos distintos, o profundo significado da Trindade cristã? Não é por acaso que toda cultura ocidental reflete a presença simultânea dos opostos: do cosmos e do caos, da forma e do disforme, do finito e do infinito.
Nas diversas ramificações do conhecimento europeu como história, filosofia e política, todas se apoiam na ideia de limite, distanciando-se do ilimitado, do senso comum de que a decisão nasce do consenso. Ainda, a possibilidade da convivência civil, calcado sobre a ideia de limite, mormente no aspecto político. E neste caso a teoria do direito natural como farol e guia político. Disso nasceram as grandes distinções próprias da cultura europeia: entre poder, saber e lei, entre teologia, moral e política. Isto não é nada mais e nada menos que a criação do estado laico, da democracia. E aqui está o nó górdio: a separação da teologia da política. Confrontando-se com o islamismo, não só a dita política radical como a moderada, deitam suas raízes islâmismo.
Por isso, pretendendo-se explicar a cultura europeia por raízes islâmicas é uma aberração. Temos uma mesma identidade originária, qual seja o mesmo Pai Abraão, ou a Humanidade, mas a partir daí emergiram as diferenças, radicais e profundas, que surgiu algo novo: a cultura europeia diferente da árabe, embora se reconheça os traços de sua presença.
A convivência entre árabes – muçulmanos e europeus – cristãos – não teve nada de idílico. Sabe-se que a Europa, na península ibérica, foi ocupada pelos árabes por quinhentos anos. No Levante Mediterrâneo assistiu-se a um prolongado e sangrento conflito de Veneza com os turcos. As rapinas sarracenas no início do século XVIII nas costas italianas. A caça às mulheres, homens e saques. A ocupação otomana semi-milenar nos Bálcãs com opressões contra os cristãos, obrigados todos os anos entregar parte de seus filhos que seriam constrangidos a converter-se ao islamismo e educados em Istambul para servir os sultões.
E Infelizmente continuam os ataques terroristas na Europa por parte do mundo árabe: Paris, Londres, Roma, Bruxelas, Berlim, Madri entre outros. Ismael e Isaac continuam se agredindo.


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