sexta-feira, 4 de março de 2016

Os segredos da política e a necessidade de revelar verdades. José Mauricio de Carvalho - Professor do IPTAN





Todas as vezes que o serviço secreto americano força as operadoras e companhias de internet a permitir acesso às mensagens dos usuários, o fato coloca em questão a garantia dos cidadãos de ter a intimidade preservada. Trata-se de matéria constitucional em muitos países. É o novo mundo da informática, colocando em público os segredos dos cidadãos, fato que é justificado pelo terrorismo e fanatismo religioso de nosso tempo. Contudo, a questão não é nova, os governos sempre encontram motivos para vasculhar a vida dos cidadãos.
A mesma perplexidade ocorrida recentemente com a espionagem americana ocorreu na Alemanha, muito antes das ameaças terroristas de hoje. No início dos anos sessenta, a revista Der Spiegel revelou que o governo alemão fazia escutas telefônicas, apesar do direito dos cidadãos à intimidade ser assegurada na Constituição. O assunto teve grande repercussão no país e na Europa. Em outras palavras, os políticos justificam o acesso à vida privada dos cidadãos, mas não gostam quando a própria vida ou a administração pública é vasculhada pela imprensa ou a polícia. Se o primeiro fato é discutível, o segundo é fundamental e do desejo da sociedade. Pessoas que entram na política assumem que a própria vida e trabalho terão dimensão pública.
A pesada rotina da maioria das pessoas as levam a não se interessar pela vida política, a não se preocupar com os contratos do Estado para fazer estradas, hospitais, escolas, aeroportos, portos, ferrovias, etc. No entanto, os episódios recentes denunciados pela Polícia Federal na operação lava jato, envolvendo empresários ladrões e maus políticos, mostram que a insinceridade e a mentira não podem permanecer acobertadas na gestão pública. E se o acesso à vida privada dos cidadãos encontra justificativa nos riscos à sociedade, mais razão há para que a verdade na gestão das coisas do Estado seja revelada. Uma gestão pública feita em segredo é um fato negativo para a sociedade.
A vida pública precisa ser transparente, pois interessa à sociedade saber como os recursos são gastos, mas especialmente é importante acompanhar a forma como é feita a gestão do Estado, pois isso funciona como instrumento de educação social. Do mesmo modo que a operação lava-jato ensina que não se pode desconhecer a gerência do Estado, o processo de punição dos culpados é parte do fórum da auto-educação política. A corrupção que está em evidência na operação lava-jato não se limita à esfera federal, encontra-se igualmente presente na administração dos pequenos municípios e também ela precisa ser combatida e punida pela sociedade brasileira.
O filósofo alemão Karl Jaspers enxergou nas tentativas de ocultar os negócios do Estado a prevalência de interesses contrários aos da sociedade. Assim ele diz em Introdução ao pensamento filosófico (9. ed., São Paulo, EPU, 1993): "só o interesse público é absoluto: que a batalha pela verdade e pela sinceridade possa continuar a fazer-se com normais possibilidades de êxito; a batalha pela ordem de prioridade dos interesses e pelo bem comum, que transcendente a todos os interesses: a liberdade, res-pública (coisa pública)" (p. 99).
Os políticos, os governos e seus funcionários pretendem manter suas ações escondidas, porém os últimos acontecimentos do país mostram que é preciso que eles estejam bem visíveis, não apenas para que se veja a punição aos corruptos, mas para que a verdade ganhe notoriedade na condução dos negócios do Estado.


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