sexta-feira, 25 de abril de 2014

Airton Senna, 20 anos. José Maurício de Carvalho




Em maio de 1994, morando fora do país, assisti chocado a morte de Airton Senna, um brasileiro cidadão do mundo. Tão impressionante quanto o próprio acidente eram as imagens que chegavam à Europa de um país ferido. O povo em estado de choque, as pessoas com olhar perdido caminhando pelas ruas, as crianças chorando. Brasileiro acima de tudo, com a bandeira nacional erguida depois de cada vitória, Senna transformou nossas manhãs de domingo dos já  distantes anos 90, numa realidade mágica. Um brasileiro cidadão do mundo, pois não havia canto do planeta em que Airton Senna não fosse conhecido e admirado.
Ao recordar o corredor talentoso e humilde, vinte anos após sua morte em Ímola, nem de longe penso em retratá-lo como santo, o jovem corredor tinha angústias e contradições próprias da juventude. Errava como qualquer humano. No entanto, o garoto tímido fazia do seu projeto de correr algo tão grande quanto nosso país continental. Ele corria por todos nós e seu projeto de vida ultrapassava sua existência singular, para ser, para nós, figura exemplar de dedicação, exemplo de um país que dava certo. De alguma forma ele nos fazia sentir orgulho do Brasil. Isto não é pouco.
O fato de viver completamente sua vocação de corredor até o limite extremo do quanto alguém pode ser fiel ao que tem de mais singular no seu íntimo, o fato de querer melhorar o país com seu esforço, o seu desejo de fazer de todos nós vencedores em nossa luta diária, fez dele o ídolo de uma geração. O que há de mais profundo em cada um de nós não são os limites, mas as pontes que nos levam para além deles. E Airton sabia como poucos transcender seus limites, sem deixar de ser humanamente limitado: pela dor, pelo sacrifício e, finalmente, pela morte trágica que o levou tão jovem.
O ser alguém capaz de entregar-se completamente a sua missão e, sobretudo, por fazer dela a causa de uma nação, ela fez dele um herói. Herói como tantos que este país produziu e produz, mas cuja memória não cultivamos nem divulgamos. Ou pior, sou de uma geração que não acreditava em heróis, ou que um povo não precisasse deles. Airton me obrigou a pensar diversamente e romper esta lógica niveladora da mediocridade. Um povo precisa de heróis, como a Igreja de santos. Pois uns e outros são pessoas comuns, capazes de fazer gestos simples que possuem a força dos gigantes. Ambos ensinam a fazer o melhor, a procurar o melhor, a ser melhor, em não se conformar com menos.
Um homem e uma nação podem funcionar sem este espírito, mas dificilmente chamaríamos de vida às escolhas que brotam dessa existência sem fidelidade completa ao mais íntimo de si. Ser o melhor que posso ser é uma experiência humana maravilhosa, marcada pelo espírito de uma ética da fidelidade a si e do sacrifício que leva à vitória.

A morte de Aírton, iluminada por este olhar que clareia sua vida, não foi um desperdício que terminou no acidente trágico daquela manhã de domingo. Sua vida ganhou, pela exemplaridade e amor que os brasileiros lhe dedicavam, dimensão de permanência e eternidade. Airton viveu uma vida de significado pleno. Então, viva Aírton.

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