sexta-feira, 12 de abril de 2019

O lado de dentro do nazismo. José Mauricio de Carvalho – Academia de Letras de São João del-Rei.






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Na última viagem da comitiva presidencial brasileira a Israel, o ministro Ernesto Araújo (das Relações Exteriores) afirmou, em Jerusalém, que pesquisadores notam semelhanças entre o movimento nazista e a extrema esquerda e sugere que as pessoas "estudem" e "leiam a história de uma perspectiva mais profunda".
Uma afirmação tão genérica não informa muita coisa sobre o assunto porque o ministro precisaria explicar o que ele entende por extrema esquerda e a que semelhanças se refere. Contudo, uma afirmação assim causa confusão por aproximar sistemas que têm semelhanças, mas são essencialmente diferentes.
Comecemos pelas semelhanças se estivermos falando dos regimes de Hitler e de Stalin, entendendo-se ser o stalinismo o que o Ministro considerou extrema esquerda. Ambos os regimes tinham único partido político, ambos promoveram repressão a opositores no campo das ideias e da ação política, ambos censuraram as comunicações, ambos promoveram a militarização da sociedade, ambos eliminaram qualquer forma de oposição. Essas características comuns nos indicam que os dois regimes eram totalitários. Denominamos totalitário o sistema político onde o Estado, encontra-se sob o controle completo de uma pessoa, grupo político, ou classe social. Esses dirigentes não reconhecem limites a própria autoridade, regulamentam toda a vida da sociedade, inclusive a íntima e não apenas a vida pública. Sobre essas semelhanças já pude comentar no livro Poder e moralidade, o totalitarismo e outras experiências antiliberais na modernidade (São Paulo: Annablume, 2012, p. 106) algo assim: “O século XX assistiu ao surgimento de sistemas políticos totalitários como o nazi-fascismo e o stalinismo. Sistemas totalitários são aqueles em que o Estado quer ocupar toda a vida dos cidadãos, reduzindo o mais possível a liberdade e a vida pessoal. Ortega y Gasset estudou a gênese dos mencionados projetos totalitários, associando-os ao aparecimento das massas.”
Aquele comentário não apenas indicou as semelhanças como abriu espaço para considerar aquilo que o filósofo espanhol Ortega y Gasset considerou uma espécie de degeneração ou adoecimento do sistema democrático liberal, dando origem a uma democracia doente, o que se pode dizer tanto do nazismo como do stalinismo. E o adoecimento se refere ao fato de assistimos a emergência de sistemas políticos onde a multidão ocupa o centro do espaço social e faz surgir um novo tipo de homem: infantil, mimado, inseguro, que pensa estar no mundo para aproveitar sem se esforçar, etc. Esse homem de muitos direitos e pouquíssimos deveres espera amparo do Estado para superar suas dificuldades e ele mesmo não está comprometido em levar uma vida excelente, nem seguir os que a buscam.
No entanto, se há tais semelhanças não se pode desconhecer diferenças marcantes entre essas duas formas de totalitarismos. O partido nazista reuniu intelectuais e capitalistas alemães com o propósito de construir um grande império pela prática capitalista, embora nacionalista e corporativista. O Stalinismo ao contrário, tentou uma variação do marxismo, aplicando as ideias marxistas a uma sociedade agrária (Marx pensou um sistema para uma sociedade industrial), promovendo a coletivização e estatização dos meios de produção agrícola e industriais e o planejamento da economia. Cuba é uma herança desse socialismo à moda stalinista. Portanto, semelhantes na raiz autoritária os dois sistemas, ambos inimigos da democracia liberal, mas por razões distintas, não escondem suas profundas diferenças e nem de longe podem ser aproximados nas classificações usuais de direita e esquerda. Das semelhanças citadas não se pode concluir que o nazismo é uma forma de socialismo, por que pretende organizar a sociedade em corporações como no fascismo.
Também é importante, quando se fala em socialismo, distinguir aqueles derivados da estatização dos meios de produção, de raiz marxista, vindos por imposição do Estado (a extinta União Soviética e Cuba), de outras formas de socialismo nas quais se procura atingir uma sociedade solidária, como foi preconizado no livro de Isaías e cuja organização inspira até hoje a sociedade judaica e o Estado de Israel. Nesse caso
falamos de um sistema em que os homens são livres para se organizar e trabalhar, mas são estimulados a se auxiliarem como irmãos. Também é preciso distinguir ambas as formas de socialismo da experiência social democrata da Europa (Finlândia, Noruega, Dinamarca, Suécia). Portanto, os socialismos não são iguais e nem todas as versões levaram ao fracasso, como muitas vezes genericamente se diz. Creio que não é inútil, nesse contexto, esclarecer o liberalismo tem versões mais democráticas (como defende o partido democrata americano) e versões menos democráticas como defendem os Republicanos, nos Estados Unidos e o Partido Conservador no Reino Unido.
Essas distinções parecem importantes para clarear a confusão que se pode ver nas redes sociais, onde autoritários de direita se escondem sob a capa de conservadores e conservadores pretendem se valer de meios políticos nazistas, o que é um absurdo.

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