sexta-feira, 14 de março de 2025

SECULARISMO, CULTURA E RELIGIÃO. Selvino Antonio Malfatti

 




 

A questão do secularismo ganhou proporções notáveis hoje em dia. Por qualquer coisa, inclusive as axiológicas, torna-se motivo para gritaria em nome da liberdade secular. Alguns clamam ao judiciário. Até mesmo, em alguns lugares, tornou-se motivo para fanatismo e atentados. E o tolerado tornou-se intolerante lançando mão da violência em nome da religião.  Vejamos alguns fatos.

Por causa de uma charge o cartunista Charlie Hebdo e jornalistas foram assassinados na França. O motivo? Uma caricatura de Maomé. A justificativa? Em nome do secularismo da parte do cartunista e a ofensa ao maometismo por parte dos assassinos. Não foi um caso isolado de fanatismo religioso. Samuel Paty, professor de história e Dominique Bernard, professor de francês foram assassinados futilmente, um por desenho e outro por um texto. A justificativa: o secularismo!

No Brasil algo próximo aconteceu com a polêmica do crucifixo em Sala de Justiça e de “intervalos bíblicos” em Pernambuco bem como outros incidentes confessio-seculares. Na questão do crucifixo invocou-se o secularismo para defender a retirada, o mesmo incidente nos “intervalos  bíblicos”.

Na França a questão vem de longe. Começou em 1989 com a questão do véu islâmico nas escolas. O ingresso de um aluno muçulmano numa sala de aula argumentou-se de que não se podia constranger o novo aluno e por isso se devia retirar o crucifixo da sala de aula por que o Estado era secular. O direito de tolerância avançou até o ponto de agredir o que antes era tolerante. Progrediu tanto que atualmente qualquer crítica tornou-se uma infração crime contra a liberdade de expressão. No caso o próprio estado francês criou a gaiola para se encerrar.

Foi pura imprudência e populismo o líder da esquerda Jean-Luc Mélenchon assumir a bandeira do secularismo para atrair jovens e muçulmanos denunciando “islamofobia”. Sem se aperceber caiu na armadilha do islamofilia renunciando os valores universais sempre defendidos pela França desde a Revolução Francesa.  Poderia se pensar que foi em vão que Carlos Martel lutou e derrotou os muçulmanos na Batalha de Poitiers livrando a Europa do domínio islâmico? E o que dizer do título que ostenta de “Filha Predileta da Igreja”? Atualmente é só filha.

Pensamos que três ingredientes deverão ser levados em conta e serem distinguidos um do outro: instituições públicas, religião e cultura. O conjunto de instituições políticas é o estado, religião é uma crença no sobrenatural e cultura uma sedimentação social de valores sociais. Como destaca o sociólogo Max Weber as crenças religiosas tendem a se tornarem laicas, constituindo-se a cultura uma esfera autônoma em relação à religião de origem. Alguns símbolos deixam de serem religiosos para constituírem uma cultura específica. O crucifixo representa a cultura cristã e além da religião. Este símbolo em sala de aula é a representação da cultura cristã, assim como a estrela de Davi da cultura hebraica e o minarete a cultura islâmica. A Basílica de Notre Dame atualmente é um símbolo da França antes que um templo católico. Por isso, alguns símbolos podem ser culturais e não religiosos. Diante disso, crucifixos, intervalos bíblicos, bíblias, catedrais são apenas símbolos culturais e não religiões e, portanto, nada a ver com o secularismo.

Não podemos esquecer que o secularismo simplesmente quer separar a religião das instituições públicas para que estas tenham uma atuação neutra em relação à religião. Não prega a eliminação da religião e muito menos dá prioridade a uma religião. Simplesmente dar liberdade de exercício a ambas.

O secularismo pretende garantir a liberdade religiosa e de crença. Com isso, quando algo for espontaneamente praticado e aceito não justifica medidas contrárias. Não é porque um imigrante chega  com outras práticas que se deve mudar o que até então é praticado. A moral é algo que a sociedade pela prática aprova como boa. Pois, nem todo substrato cultural ou moral social pode ser considerado alvo de secularismo. A moral social não é religião, como a cultura cristã não se identifica com o catolicismo. 

Qualquer dúvida consulte na Constituição1

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