sexta-feira, 28 de agosto de 2015

O aparato do Estado corrigindo os caminhos da burocracia. José Mauricio de Carvalho - Professor do IPTN Tancredo Neves





Este triste momento da história pátria é a marca de nosso tempo, tempo de corrupção e de crise econômica. Ele tem altos funcionários da República e políticos envolvidos em atos de corrupção de grandes proporções. Todos os dias os meios de comunicação mostram novas fases da operação lava jato, que assustam o cidadão comum. Felizmente igualmente mostram o aparelho do Estado punindo aqueles que se afastaram dos procedimentos esperados dos seus funcionários. Esta realidade do Estado Moderno de que nos falava Max Weber nos seus Ensaios de Sociologia (Rio de Janeiro: Guanabara, 1981) é muito curiosa, ela mostra como o funcionário de carreira cria um interesse por colegas e pela carreira, que, às vezes para o mal se desvia no corporativismo, mas geralmente promove as correções necessárias nos órgãos públicos. Por isso, a sociedade moderna percebe que não pode prescindir de uma boa máquina administrativa: necessita de bons policiais, professores, médicos, juízes, fiscais, administradores públicos e um aparato de suporte para o trabalho deles. De gente boa e comprometida com seu trabalho, embora a experiência mostre que todos precisam permanecer sob a vigilância de chefias que se controlam.
Além de sabermos que o homem é suscetível de corrupção e que ela aparece em todos os lugares e tempos da história humana, parece fundamental, para seu atual enfrentamento, além da excelência na profissionalização do setor público, o desenvolvimento do sistema econômico e educacional para reduzir a diferença social. Esse fato consolidará a substituição do privilégio pela competência, tanto na seleção para o serviço público, como nas atividades econômicas em geral. A valorização da competência e a formação cidadã comprometem os membros da sociedade com o funcionamento e seu futuro. Estamos aprendendo, com vergonha e dor, que esse é um caminho que precisaremos trilhar. E a mudança começa necessariamente pelo esforço de cada um para bem cumprir suas tarefas e respeitar as regras sociais, mas inclui a substituição da mentalidade patrimonial por uma forma legal de administrar a coisa pública. O problema, como venho insistindo transcende os Partidos e atuais dirigentes, embora quem errou deva ser punido conforme a lei. Simples assim.
Uma forma de administração patrimonial é, como ensina Weber, resultante de formas de dominação tradicional como ocorria nos antigos califados que ocuparam a Península Ibérica durante boa parte da Idade Média. A história mostra que Portugal e Espanha tiveram que incorporar práticas patrimoniais para enfrentar exércitos poderosos do Califa cuja vida e morte dos soldados estavam nas mãos dos Senhores. Se foram eficientes no enfrentamento do invasor, a sobrevivência do modelo prejudicou o desenvolvimento da mentalidade moderna na formatação desses Estados, modelo que se transferiu para as colônias. E como é a administração patrimonial? Ela é arbitrária (não há um sistema de leis impessoais), o administrador não se submete a regras de controle de sua autoridade, disso resultando ausência de supervisão do trabalho dos dirigentes. A forma de acesso aos cargos é por amizade ou parentesco com os dirigentes e os demais contratados são empregados pessoais dos dirigentes (no Brasil de hoje companheiros de Partido), os assuntos públicos são tratados em encontros pessoais e resolvidos diretamente, sem documentos oficiais. Enfim, é uma forma de administrar que não combina com o Estado Moderno, mas pode sobreviver dentro dele, como parece ocorrer entre nós.
No nosso caso, infelizmente, o patrimonialismo somou-se à sobrevivência da moral contrarreformista, com sua implicância com a riqueza e o enriquecimento pessoal e o desastre do idealismo jurídico como está em Caminhos de moral moderna, a experiência luso-brasileira (Belo Horizonte: Itatiaia, 1995).
Assim, apesar da tradição patrimonial e a falta de formação cidadã, se a polícia e justiça atuarem agora como parte de uma administração legal, como prevalece nos Estados Modernos, diminuirá consideravelmente os efeitos da corrupção. Fica o restante e maior desafio para a formação moral dos cidadãos e sua preparação para viver na República. Para isso será necessário organizar a escola, melhorar as relações familiares e sociais de modo geral. Também será ótimo se as Igrejas ensinarem que a vida mais próxima de Deus implica em solidarizar-se com o destino dos outros homens, começando pelos mais próximos que habitam nosso país.
De alguma forma a existência do homem passa pelo bem viver, por encontrar uma razão para a vida num mundo em crise pela desconfiança das utopias e do progresso automático. Estamos mergulhados na falta de crenças de que falava Ortega y Gasset para explicar os momentos de crise e não superamos a era da massas que ele descreve em A rebelião das massas. Enfim, vivemos num mundo que precisa descobrir novas razões para bem viver e num país que precisa encontrar rapidamente os caminhos da racionalidade administrativa, da superação do patrimonialismo e da formação cidadã.

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