sábado, 19 de novembro de 2016

Tiradentes e a República. José Mauricio de Carvalho


Dia 12 de novembro se comemora o batismo de Tiradentes, data que fica para a história como seu aniversário. E nesta semana em que devíamos celebrar seu nascimento quase não lembramos de Joaquim José da Silva Xavier, confirmando tristemente que cuidamos pouco da memória nacional e de nossos heróis. Em São João del-Rei houve comemoração cívica com a participação de autoridades locais e soldados do batalhão de infantaria da cidade, conhecido como Regimento Tiradentes. Foi só. É pouco para o que representa Tiradentes para esse país.
Com a visão de estadista, em um de seus discursos emblemáticos, da sacada do Palácio da Liberdade, Tancredo Neves chamou atenção para o fato: "Minas nasceu da luta pela liberdade. E porque a liberdade é o ânimo das Pátrias, a Nação surgiu aqui, na rebeldia criadora dos Inconfidentes, que nos deram por bandeira o mais forte de todos os ideais". De Tiradentes, em outro momento, afirmou algo assim: " Como afirmou Tiradentes, aquele herói enlouquecido de esperança, se quisermos poderemos fazer desse país uma grande nação".
As pátrias precisam do que as una, do que as façam se sentirem uma comunidade nacional. Uma República não é apenas um punhado de homens ocupados em ganhar a vida, pouco interessados nos seus companheiros de destino, sem enxergar em todos os cidadãos partícipes de um projeto comum de afirmação e permanente fortalecimento da nacionalidade.
E Tiradentes morreu condenado pela justiça portuguesa, naqueles dias representando um governo fechado no absolutismo, pouco atento aos ventos do iluminismo e sem perceber que a colônia podia se tornar parceira fundamental para maior desenvolvimento de ambas. Essa mesma insensibilidade fez com que as elites portuguesas, sob a égide de uma revolução apenas chamada de liberal, pretendessem pouco tempo mais tarde, desmoralizar o príncipe regente que o Rei aqui deixou para gerir um novo Reino Unido a Portugal e querer fazer esse Reino retroceder à condição de colônia. E esse jovem regente conseguiu realizar o que Tiradentes sonhou como o destino nacional, dando, finalmente, aos brasileiros a liberdade que anima as pátrias.
E assim, ficamos livres, mas esquecemos o caminho trilhado. Também não pensamos sobre o significado de República. Não daquela que os inconfidentes imaginaram naqueles dias do século XVIII, mas inspirada pela mesma alma de liberdade e de cidadania que naqueles dias os inspirou. Sem isso não se conseguirá enfrentar com sucesso os desafios de hoje, o entendimento de que República é um Estado para todos, que exige reduzir a enorme diferença social dos cidadãos, que pede uma educação para a cidadania que está longe de ser contemplada nesse projeto horroroso de reforma educacional em implantação, que pede que cuidemos melhor uns dos outros em benefício de todos. Numa República verdadeira faz pouco sentido a despreocupação com outros cidadãos.
Voltar a Tiradentes e ao sonho de uma República livre, o que não tem necessariamente a ver com o sistema de governo como bem explicou Kant, mas com a construção de um espaço de liberdade responsável, moralidade pública, fortalecimento do estado de direito, liberdade de expressão, memória cívica, trabalho sério e fraternidade nacional. Todos ideais a serem cultivados, ideais a serem buscados, ideais a inspirar a luta diária e estímulo para vencer os problemas que a vida renova diariamente.


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