sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

Kierkegaard e o desafio de ser o que se é. José Maurício de Carvalho.















Kierkegaard foi um pensador dinamarquês que viveu quase toda a vida na primeira metade do século XIX. Nasceu em 1813 e morreu, ainda jovem, em 1855. Até cerca de exatos cem anos atrás, em 1914, nenhum livro de filosofia mencionava o pensador, dizia-nos Karl Jaspers no ensaio que lhe dedicou, em 1955. E o que ocorreu desde então? O quadro mudou radicalmente e ele passou não só a ser citado nos manuais de Filosofia, mas a ser apresentado como anunciador de um mundo novo, de um mundo que sucedia as teses otimistas e progressistas do idealismo alemão, notadamente de Georg Hegel.
Uma leitura inicial dos textos do filósofo nos coloca em contato com uma reflexão crítica sobre o cristianismo e seu significado na história dos homens. E para onde conduziu sua reflexão crítica do cristianismo? Para um desencanto com as interpretações religiosas do cristianismo feitas pelas Igrejas. O motivo da insatisfação é a distância que a doutrina está do homem concreto. Ele rejeita uma interpretação do cristianismo que pouco tem a dizer para quem está vivendo a vida rotineira com suas alegrias e dramas. Sim, porque a vida é um misto de drama e alegria, com peso diferente para homens e gerações, para uns com mais alegria, para outros com mais drama. Tal é o peso da história.
E por que o cristianismo anunciado lhe parecia distante da experiência do homem concreto? Por que focava o principal de sua atenção no futuro glorioso da humanidade, resultado da leitura romântica da história cultural da Europa. No entanto, essa visão deixava de lado a dor, a fome, as revoluções, as guerras, as doenças, o abandono, o sofrimento, enfim tudo o que parece estar mais próximo da experiência real de cada pessoa. E observe que o propósito de Kierkegaard com sua crítica não é propor uma nova Igreja, ou fazer uma reforma nas que existiam, menos ainda sugerir um programa político ou plano de governo. Kierkegaard estava longe de todos esses propósitos, saboreando a solidão existencial e sem vivenciar relações humanas muito íntimas. A imagem do juízo final, em que cada homem está entre tanta gente, mas se mantêm absolutamente só diante de Deus é a alegoria que ele usa para dizer de como vive e de que tipo de resposta procura. Ele fala para o homem, enquanto capaz de realizar a experiência da solidão verdadeira que é própria de nossa vida. É para essa solidão que ele busca resposta. E resposta para que? Para o que deveria verdadeiramente nos ocupar quando tomamos consciência de que nossa vida é única e ninguém pode vivê-la por nós.
Deixando de lado as preocupações religiosas do pensador e centrando a atenção no que está na raiz de suas preocupações filosóficas é que nos deparamos com questão que, ainda hoje, parece urgente e instigante. Se estamos verdadeiramente sós na experiência da existência, essa realidade nos coloca diante de uma questão a que a meditação diária nos deveria levar: o que significa ser eu mesmo? A simples colocação dessa pergunta torna a vida humana diferente e ela parece urgente e necessária ainda em nossos dias. A reflexão nos coloca diante do fato de que não teremos resposta para essa pergunta radical se esperamos que nossa vida seja conduzida de fora, se as decisões que temos que tomar tiverem que ser feitas por outrem. A vida pensada por Kierkegaard é aquela que cada um de nós experimenta na sinceridade íntima de ser o que se é.

Essa jornada interior de escolhas só pode ser guiada pela riqueza espiritual que conseguirmos reunir em nossa existência, as experiências de belo e bom que puderem orientar a vida, que para o jovem dinamarquês se encontrava na tradição cultural do ocidente.

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