sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

Nelson Mandela, gratidão. José Maurício de Carvalho





Lembrar de Mandela com objetividade e equilíbrio agora que o perdemos não é fácil. É difícil separar o homem de gestos serenos do herói nacional dos sul-africanos disposto a morrer pela causa que abraçou. O que dizer,com verdade, de quem seu povo reconhece como pai da pátria?Como separar o homem do Chefe de Estado admirado em todo o mundo, o ex – Presidente que mereceu reconhecimento dos principais líderes mundiais no dia de sua morte? Como se referir ao homem cordial e de sorriso gentil cuja imagem delicada esteve em todos os televisores do mundo?O que nos deixa Mandela, agora que já não estamos fisicamente com ele? O que primeiramente aparece como seu legado é uma democracia multi-racial a enfeitar um dos mais belos cenários do continente africano. Uma democracia que Mandela fez brotar de um regime desigual e injusto. A África do Sul era antes de sua ação política o país do apartaheid, o regime político e social que separava brancos e negros. Esse país onde os homens foram separados primeiro pelo ódio e preconceito e depois pelo arame farpado e pelos muros foi a matéria-prima que ele teve para criar uma democracia de homens livres e iguais perante a lei e o Estado.
E o que mais dizer da circunstância à qual esteve associada sua vida? Nelson Mandela nasceu quando a Belle Époque dava os últimos respiros e o mundo mergulhava nas piores guerras de sua história. Seus dias nesse planeta foram os de revoluções cruéis como a espanhola e soviética. Lições de crueldade e intolerância não lhe faltaram. Um mundo que passou por uma crise econômica sem comparação, crise que destruiu milhões de vida, que mudou o perfil das famílias, que transformou a angústia na categoria com a qual seus intelectuais pensaram a vida humana e seu destino. Um triste tempo de sofrimento, o tempo da Guerra Fria e do medo da bomba atômica arrasar o planeta. Tempo de homens divididos. Esse tempo foi o período das massas. Uma ocasião em que democracia tornou-se sinônimo de mediocridade, onde o ideal divulgado em todo o planeta era ser igual a todo mundo. Um tempo em que a massa assumiu a liderança da história e como sua protagonista alimentou os totalitarismos fascista, nazista e soviético. Esse tempo de mudanças sociais foi o palco da busca ansiosa pelo gozo rápido que termina, inevitavelmente, no vazio e na lama existencial. Esse tempo fez da política atividade suspeita e de seus líderes protagonistas da corrupção. Esse tempo foi também matéria-prima para a ação política de Mandela.
Nesse tempo de massas e de consumismo ansioso, Mandela viveu trajetória singular. Nascido em 1918, na aldeia de Mvezo,  na Província do Cabo Leste, foi educado na fé cristã da Igreja Metodista. Foi nela que aprendeu do cristianismo a dignidade de todos os homens, aprendizado que ele tornou concreto no curso de Direito. Advogado de formação tornou-se militante político na juventude quando foi seduzido pela violência como estratégia política fundando o MK (UmkhontoweSizwe), o braço armado da ANC. Preso por 27 anos, obrigado a trabalhos forçados, isolado da sociedade e quase sem direito a visitas, superou o ódio íntimo e a violência nas relações humanas. Tornou-se admirado pelos carcereiros que, depois de algum tempo, não mais lhe punham as correntes próprias do seu regime prisional. Vencendo em si o ódio e a violência habilitou-se a lutar pela aproximação entre os homens de seu país, pois é no íntimo que se vencem os ódios e é o coração o campo de batalha mais difícil de ser enfrentado. Foi superando em si o que desumaniza que ele conseguiu unir o nobre ideal da democracia à estratégia humana mais eficiente, pois nenhuma boa causa é verdadeiramente boa se tangencia o respeito e a dignidade humanos.

E como despedir desse homem agora que ele se foi? Dizendo-lhe singelamente nossa gratidão pelo que considero seu maior legado: a superação do ódio e da violência. Não porque o mistificamos agora que morreu ou porque hoje falseamos ou diminuímos seus erros, mas porque reconhecemos que Mandela se fez admirável ao vencer em si o ódio e a desconfiança, porque ele conseguiu derrotar o pior inimigo que nós temos. E qual é esse inimigo? Aquele que, no íntimo, leva à indignidade, semeia a violência e colhe a miséria existencial. Grato somos Mandela não porque desconhecemos seus limites humanos, mas porque vimos que você fez tudo o que podia para superar suas limitações e nos legar o que de melhor um homem pode alcançar ao vencer circunstância tão difícil e nos deixar a esperança de um mundo melhor: uma democracia racial construída no esforço íntimo de superação de nossos limites.

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