sexta-feira, 18 de outubro de 2019

O DEBATE DO ENSINO PÚBLICO E EDUCAÇÃO RELIGIOSA NO BRASIL. Selvino Antonio Malfatti.





A Educação no Brasil passou por vários períodos. No período colônia predominou a ensino da Escolástica que dava ênfase a uma educação formal sob a orientação da Igreja católica, mais precisamente pelos padres jesuítas.
Este período perdura até o século XVIII, sendo substituído no governo do ministro Marquês de Pombal que mandou que se implantasse um ensino eminentemente científico, mas sem se desvincular da orientação católica.

Com a Independência, no século XIX, o ensino continuou ter a orientação da Igreja católica, inclusive a educação estava entregue à Igreja, dentro do princípio do Padroado.

A ruptura acontece com a República que institui um ensino leigo, mas sem proibição do ensino privado. A Revolução de Vargas confirma o ensino leigo, mas permite o ensino religioso em todas as escolas, mesmo no ensino público.

É neste momento que se dá o grande debate objetivando o afastamento do ensino religioso das escolas públicas, levado adiante pela educadora CECÍLIA MDEIRELES, na Década 1930-1940, através principalmente de jornais.

O maior embate ideológico enfrentado por Cecília Meireles na educação foi o confronto envolvendo Governo de Getúlio Vargas, Igreja católica e a ideologia da Escola Nova. O Governo, de cunho positivista, mostra uma fachada liberal, mas internamente era positivista. A Igreja, ainda despeitada pelo despojo da Proclamação da República, continua mantendo sua posição tradicionalista e a Escola Nova posiciona-se pelos princípios liberais.

O divisor ideológico bem antes viera à tona. Mas foi com o Manifesto dos Pioneiros da Educação, 1932, elaborado por Fernando de Azevedo e seguido por 26 intelectuais, que se propunha inovar na educação brasileira, assim como acontecia em vários países da Europa.

No Brasil, reinava relativa harmonia ideológica na educação até o final da década de Vinte. No entanto, a questão da educação do país sempre esteve na pauta das discussões políticas por parte de grupos organizados. Tome-se como referência a Associação Brasileira de Educação, 1924, a influência da Escola Nova na crítica ao tradicionalismo pedagógico da Igreja. Por sua vez, Getúlio Vargas, filho de um hibridismo ideológico, pois, por parte de pai era chimango e pela mãe, maragato. Mas, ao que tudo indica, a preponderância ideológica coube ao pai – positivista- e, como tal, o catolicismo pouco interesse despertava nele ele.

No início de 1929, no entanto, apresentam-se três grupos rivais dispostos a disputarem a hegemonia da educação brasileira: os da Escola Nova - escolanovistas –, a Igreja – católicos -, e governo-estrategistas. Os dois desforçavam-se perante o governo querendo provar que sua concepção de educação poderia alcançar a salvação nacional, mas cada um deles com projetos distintos quanto aos fins propostos. Os católicos arregimentaram-se em torno do tradicionalismo e os liberais passaram com os argumentos dos Pioneiros da Educação. (LAMEGO, 1996, p. 80-96.)

O pivô da questão foi o Decreto de 1931 que facultava o ensino religioso em qualquer escola: pública ou privada. A posição do governo é defendida pelo ministro da Educação e Saúde, Francisco Campos. Sua concepção política, de acordo com Bomeny e Schwartzmann, alinhava-se ao fascismo italiano, cujo ideal político era um regime de autoridades, ao contrário do liberalismo que defendia a liberdade e a individualidade. (LAMEGO, 1996, p. 80).

Campos defendia a arregimentação das massas a partir de um ideário comum, sob a liderança de um mestre, apoiado num Estado forte e legítimo. Defende um regime voltado para as massas, calcado num líder carismático centro da integração política. Este regime é próprio da ditadura e não da escolha. (Id.)
Evidentemente, com esta visão política e ideológica, bate de frente com os princípios liberais da Escola Nova que preza a liberdade individual acima de qualquer interferência do Estado. Para Campos, o liberalismo é um regime anacrônico e o tradicionalismo católico poderia servir melhor aos objetivos do governo de Vargas.

No grupo dos católicos alinhavam-se membros das principais associações: Centro D. Vital, em São Paulo e no Rio de Janeiro, na Associação dos Professores Católicos do Distrito Federal e, principalmente, a partir de 1934, na Confederação Católica Brasileira de Educação. Seus membros congregaram-se principalmente na Revista Festa (FESTA, 1978) da qual Cecília no início foi colaboradora. Além da tradição, acompanha a linha espiritualista, atraindo um número relativamente grande de filósofos e escritores católicos.

Neste grupo destacaram-se principalmente: Tristão de Athayde(1893 – 1983), Gustavo Corção (1896 –1978), Jackson de Figueiredo (1891 - 1928).
O alvo da crítica na questão religiosa, no Decreto, é o ministro Francisco Campos. Isto por que o documento facultava o ensino religioso em escolas públicas e privadas. Para Cecília, religião é catequese, isto é, a subordinação à uma seita. Cecília não dirige críticas diretas a Getúlio Vargas, mas sempre ao ministro da educação. (LAMEGO, p. 84).

Getúlio Vargas, para legitimar a Revolução, necessitava arregimentar forças político-sociais a seu favor. Evidentemente buscaria algum grupo que sintonizasse, ao menos em parte, com sua ideologia positivista. Viu que este grupo, defensor tradicional da moral, seria a Igreja católica. E por isso abre-lhe as portas da educação, inclusive no ensino superior, ou universidades. (FESTA. Edição Fac-similada. Rio de Janeiro, Inelivro. 1978.A Igreja não se fez de rogada ao convite. Evidentemente, sem subordinação. Conforme o cardeal D. Leme: ou o Estado reconhece o Deus do povo, ou o povo não reconhece o Estado. (In: LAMEGO, p.124). 

À ação moralizadora, meta do governo de Getúlio, a Igreja correspondeu plenamente. Como os princípios liberais da Escola Nova, não só eram concorrentes como uma ameaça, por isso mereceu da parte da Igreja um combate sistemático. Centrou-se sobre a laicidade da educação, a coeducação dos sexos e o monopólio estatal. Conforme Alceu Amoroso Lima, a Constituição, a Escola e a consciência ficaram sem Deus. Era preciso restitui-Lo.

Num balanço feito sobre a Primeira República diz a Igreja que: o regime laicista teve tempo suficiente para dar provas de si, ruiu em 1930 após informar toda a instrução pública primária, secundária, normal e superior, Deus foi excluído na formação dos brasileiros, seccionou o ensino público do privado, a escola da família, introduziu a indiferença moral. (A ORDEM, 15/05/1931).
À medida que a Igreja ascendia, a Educação da Escola Nova perdia terreno. Já havia demonstração de vitória, como aconteceu com a Consagração de Nossa Senhora Aparecida Padroeira do Brasil, diante de uma multidão Getúlio e o Cardeal Leme discursando juntos. Cecília lamenta num artigo intitulado: “Pobre Escola”. (MEIRELES, Pobre Escola, Página da Educação, 9/05/1931).

Dentre os dois segmentos após a vitória da Aliança Liberal que se apresentaram na disputa pela hegemonia ideológica, Escola Nova e Igreja, conforme Cecília incontestavelmente a Igreja levou a melhor. Prova disto é a atuação das Legiões, grupos paramilitares em defesa dos interesses revolucionários, que se posicionam abertamente na defesa dos compromissos com a Igreja, mormente no que se refere ao ensino religioso e a validade do casamento religioso, conforme Gustavo Capanema, diretor de Instrução, de Minas Gerais: “a Legião reafirma todos os compromissos com a Igreja...”

BIBLIOGRAFIA
Decreto do Governo Provisório, nº 19.941. Diário Oficial da União – Seção 1 – 6/5/1931. p. 7191.
FESTA. Edição Fac-similada. Rio de Janeiro, Inelivro. 1978.
LAMEGO, Valéria. Arpa na Lira: Cecília Meireles na Revolução de 30. Rio de Janeiro/São Paulo, Editora Record, 1996.
MEIRELES, Cecília. Pobre Escola. Página da Educação. Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 1931.
Revista A ORDEM. Editorial n. 15, 1931, p. 257-262.




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