sexta-feira, 29 de março de 2019

Viktor Frankl e a ressignificação do sofrimento. José Mauricio de Carvalho – Academia de Letras de São João del-Rei.


Uma das grandes dificuldades da vida humana é enfrentar aquilo que os filósofos da existência denominaram situação-limite. Karl Jaspers, por exemplo, dirá que essas situações alcançam todos os homens entorno a temas dolorosos e que tocam a existência conferindo-lhe uma dimensão de fracasso. Ele se pergunta na Iniciação Filosófica, se tenho que morrer, que incorrer em culpa, ser tocado por difíceis possibilidades que não tenho controle, enfim se tenho que sofrer (JASPERS, 1987, p. 21): “que farei eu perante este fracasso absoluto e cuja intuição não me posso furtar se honestamente o apreendo?”.
O fracasso humano decorre não tanto do sofrimento em si, mas de não encontrar uma razão para o sofrimento, o que nos coloca no cerne do olhar de Frankl para o sentido. Uma das formas de chegar ao sentido é pelo entendimento do sofrimento. O sofrimento somente é suportável se ele possui algum sentido para quem sofre.
Uma das mais belas passagens do livro de Frankl A busca de Deus e questionamentos sobre o sentido é uma passagem em que Pinchas Lapide comenta uma passagem bíblica conhecida de todos. Refiro-me ao texto que está no evangelho de Mc 15, 34 que conta que estando Jesus em agonia na cruz, ele reza o Salmo 22: Eloí, Eloí, lemá sabachtani. Lapide esclarece que as palavras de Jesus não expressam dúvida, nem questionam Deus, mas é uma busca de sentido para o sofrimento na acepção que Frankl preconiza. Eis a explicação de Lapide (FRANKL, 2014, p. 144): “Em todas as traduções alemãs está escrito: Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste? A tradução hebraica diz o contrário: Meu Deus, meu Deus, para que me abandonaste? E a diferença são dois anos-luz. Porque o Por que tu me abandonaste vem de uma dúvida em Deus, ela questiona Deus, ela se volta para trás, ao passado, à motivação, enquanto a pergunta como foi formulada há três mil anos em hebraico e como Jesus certamente sabia, olha para o futuro, não questiona a Deus, mas sim lhe coloca a questão de como o sentido deste sofrimento com toda a certeza é pressuposto, mas que gostaria de descobrir por que ele me foi imposto.”
O que a discussão proposta por Frankl ensina é que o sofrimento, por si mesmo não ajuda ninguém, nem deve ser procurado, isso seria masoquismo. Logo, se o sofrimento por si mesmo não ajuda ninguém a alcançar o sentido, é preciso descobrir uma razão para ele quando nos atinge. E interpretando a explicação de Pinchas Lapide, Frankl diz (ibidem): “se eu entendi corretamente então a gente poderia dizer que se trata de uma pergunta dirigida a Deus, mas não um questionamento de Deus”. Assim, nesses dias de semana santa, a pergunta que Jesus dirige a Deus explicita a necessidade humana de significar o sofrimento. Jesus não tinha dúvida de que havia um propósito para seu sofrimento, o que ele não conseguira é entender adequadamente é a razão de Deus e é essa a pergunta que ele Lhe dirige ao rezar o salmo 22. Estamos diante de um questionamento do maior significado porque aponta para o futuro, a descoberta do sentido do sofrimento, o que representa uma referência importante para viver.

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