sexta-feira, 27 de junho de 2025

EMPREGADOS(AS) EM CASAS DE RICOS . Selvino Antonio Malfatti.



A socióloga francesa Alizée Delpierre aplicou a teoria da sociologia crítica à pesquisa sobre a relação entre ricos e empregados na França[i]. Por esta teoria se quer verificar e criticar as relações de poder, as desigualdades e as injustiças estruturais no meio social.

A pesquisadora em seu livro: “Servir les riches : Les domestiques chez les grandes fortunes”  (2023). (Servir os ricos Empregados em casas de grandes fortunas.) chegou à conclusão: os empregados em famílias ricas são iguais, com pequenas nuances, aos demais trabalhadores: desigualdades, fronteiras entre empregadores e empregados, estruturas que levam às injustiças. Delpierre mostra como, nas casas das elites econômicas, há uma tendência a naturalizar a desigualdade social. Os ricos costumam ver a presença de empregados domésticos como algo normal e necessário, mas sem refletir criticamente sobre os privilégios que permitem manter essa estrutura.

Um ponto central de sua análise é que os trabalhadores domésticos (babás, cozinheiros, motoristas, etc.) operam em um espaço íntimo, mas permanecem socialmente distantes. A presença desses trabalhadores na vida privada dos patrões não elimina as hierarquias, mas muitas vezes as reforça.

Quanto à estética da discrição e invisibilidade, Delpierre descreve como os empregados são ensinados a ser "invisíveis", ou seja, a não perturbar o cotidiano dos patrões, mesmo estando presentes. Isso reforça uma lógica de dominação simbólica, em que o trabalhador deve “desaparecer” para manter a ordem social.

Delpiere encontra contradições morais na convivência entre empregados em famílias ricas. Muitas famílias ricas afirmam tratar seus empregados "como da família", mas, na prática, mantêm fronteiras rígidas e relações contratuais assimétricas. Isso gera contradições morais, pois a retórica afetiva não corresponde às condições reais de trabalho e remuneração.

Delpierre também inverte a lógica comum das ciências sociais ao focar não nos pobres, mas nos ricos. Estuda como as elites reproduzem seus privilégios por meio do trabalho de outros e das normas sociais que justificam esse arranjo.

Pela teoria e método utilizado chegou à conclusão de que há classes sociais dentro do âmbito familiar. O trabalho doméstico reflete e reforça a desigualdade.

Algumas questões, porém fogem à teoria, mas o método captou. Uma delas é a relação dos empregados entre si. Conforme a pesquisadora, não há só conflito, competição, mas solidariedade:

“Ao me tornar uma empregada nas casas dos ricos, pude ver que entre os empregados existem hierarquias, relações de amizade, de amor, mas também de competição”.

Quanto à remuneração. “Estes empregados são privilegiados, pois tem ótima remuneração, alimentação saudável, boa e em abundância. São de causar inveja aos trabalhadores comuns. Diz a autora, uma "Exploração dourada" é um oximoro [união de palavras de sentido apostos] que me ajuda a explicar que os empregados estão em uma situação de exploração porque trabalham de forma ilimitada, mas, ao mesmo tempo em que trabalham muito, também ganham muito”.

E continua: “A parte "dourada" é que ganham muito: 3 mil, 4 mil, 5 mil, até 12 mil euros [entre R$ 19 mil e R$ 76 mil - o salário mínimo mensal na França é de 1,8 mil euros, ou R$ 11,4 mil.”

Os empregados, os bons, são disputadíssimos entre os empregadores ricos. O que os ricos temem dos empregados? É que vão embora: “Então, não, eles não têm medo dos empregados. A única coisa de que têm medo é que eles vão embora, que encontrem outra casa para trabalhar. Por isso, diz Delpierre no livro:  o sonho dos patrões é que os empregados que continuem trabalhando eternamente em suas famílias.

Alizée Delpierre contribui para a compreensão crítica das relações entre classes sociais, mostrando como o trabalho doméstico em casas de elite reflete e reforça a desigualdade. Sua pesquisa destaca a dimensão moral, simbólica e afetiva dessas relações, além dos aspectos econômicos.

No entanto se analisarmos sob o prisma da teoria estrutural-funcionalista tem-se os mesmos resultados, mas com interpretações diversas.

Para a teoria funcionalista a desigualdade é estrutural, a forma como se manifesta é funcional. Geral para sociedade e diferente nos indivíduo. Todos são iguais genericamente, mas diferentes nas individualidades.

 Quanto à questão da intimidade. Em nenhum lugar se permite a intimidade entre empregador e empregado.

A invisibilidade a que fala a autora é da natureza do trabalho: cada um na sua função para que o todo funcione bem.

Na questão da remuneração: se os empregados são bem remunerados a prática contradiz toda teoria.

Por isso, para teoria estrutural- funcionalista a pesquisa não trouxe nada de novo a não ser clarear o que já era óbvio, mas nem por isso deixa de ter valor. Todos "achavam" que seria assim, porém ninguém tinha mostrado a realidade ou comprovado cientificamente.



[i] A série dinamarquesa “A Reserva” retrata em boa parte a convivência de empregadas estrangeiras, au pair, em casas de ricos na Dinamarca.

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