A socióloga francesa Alizée Delpierre aplicou a teoria da
sociologia crítica à pesquisa sobre a relação entre ricos e empregados na
França[i]. Por esta teoria se quer verificar e criticar as relações de poder, as desigualdades e as injustiças
estruturais no meio social.
A pesquisadora em seu livro: “Servir les riches : Les
domestiques chez les grandes fortunes” (2023). (Servir os ricos Empregados em casas de grandes fortunas.) chegou à conclusão: os empregados
em famílias ricas são iguais, com pequenas nuances, aos demais trabalhadores:
desigualdades, fronteiras entre empregadores e empregados, estruturas que levam
às injustiças. Delpierre mostra como, nas casas das elites econômicas, há uma
tendência a naturalizar a desigualdade social. Os ricos costumam ver a presença
de empregados domésticos como algo normal e necessário, mas sem refletir
criticamente sobre os privilégios que permitem manter essa estrutura.
Um ponto central de sua análise é que os trabalhadores
domésticos (babás, cozinheiros, motoristas, etc.) operam em um espaço íntimo,
mas permanecem socialmente distantes. A presença desses trabalhadores na vida
privada dos patrões não elimina as hierarquias, mas muitas vezes as reforça.
Quanto à estética da discrição e invisibilidade, Delpierre
descreve como os empregados são ensinados a ser "invisíveis", ou
seja, a não perturbar o cotidiano dos patrões, mesmo estando presentes. Isso
reforça uma lógica de dominação simbólica, em que o trabalhador deve
“desaparecer” para manter a ordem social.
Delpiere encontra contradições morais na convivência
entre empregados em famílias ricas. Muitas famílias ricas afirmam tratar seus
empregados "como da família", mas, na prática, mantêm fronteiras
rígidas e relações contratuais assimétricas. Isso gera contradições morais,
pois a retórica afetiva não corresponde às condições reais de trabalho e
remuneração.
Delpierre também inverte a lógica comum das ciências
sociais ao focar não nos pobres, mas nos ricos. Estuda como as elites
reproduzem seus privilégios por meio do trabalho de outros e das normas sociais
que justificam esse arranjo.
Pela teoria e método utilizado chegou à conclusão de que
há classes sociais dentro do âmbito familiar. O trabalho doméstico reflete e
reforça a desigualdade.
Algumas questões, porém fogem à teoria, mas o método
captou. Uma delas é a relação dos empregados entre si. Conforme a pesquisadora, não há só conflito,
competição, mas solidariedade:
“Ao me tornar uma empregada nas casas dos ricos, pude ver
que entre os empregados existem hierarquias, relações de amizade, de amor, mas
também de competição”.
Quanto à remuneração. “Estes empregados são
privilegiados, pois tem ótima remuneração, alimentação saudável, boa e em
abundância. São de causar inveja aos trabalhadores comuns. Diz a autora, uma "Exploração
dourada" é um oximoro [união de palavras de sentido apostos] que me ajuda
a explicar que os empregados estão em uma situação de exploração porque
trabalham de forma ilimitada, mas, ao mesmo tempo em que trabalham muito,
também ganham muito”.
E continua: “A parte "dourada" é que ganham
muito: 3 mil, 4 mil, 5 mil, até 12 mil euros [entre R$ 19 mil e R$ 76 mil - o
salário mínimo mensal na França é de 1,8 mil euros, ou R$ 11,4 mil.”
Os empregados, os bons, são disputadíssimos entre os
empregadores ricos. O que os ricos temem dos empregados? É que vão embora: “Então,
não, eles não têm medo dos empregados. A única coisa de que têm medo é que eles
vão embora, que encontrem outra casa para trabalhar. Por isso, diz Delpierre no
livro: o sonho dos patrões é que os
empregados que continuem trabalhando eternamente em suas famílias.
Alizée Delpierre contribui para a compreensão crítica das
relações entre classes sociais, mostrando como o trabalho doméstico em casas de
elite reflete e reforça a desigualdade. Sua pesquisa destaca a dimensão moral,
simbólica e afetiva dessas relações, além dos aspectos econômicos.
No entanto se analisarmos sob o prisma da teoria estrutural-funcionalista
tem-se os mesmos resultados, mas com interpretações diversas.
Para a teoria funcionalista a desigualdade é estrutural,
a forma como se manifesta é funcional. Geral para sociedade e diferente nos indivíduo.
Todos são iguais genericamente, mas diferentes nas individualidades.
Quanto à questão
da intimidade. Em nenhum lugar se permite a intimidade entre empregador e empregado.
A invisibilidade a que fala a autora é da natureza do
trabalho: cada um na sua função para que o todo funcione bem.
Na questão da remuneração: se os empregados são bem
remunerados a prática contradiz toda teoria.
Por isso, para teoria estrutural- funcionalista a pesquisa não trouxe nada de novo a não ser clarear o que já era óbvio, mas nem por isso deixa de ter valor. Todos "achavam" que seria assim, porém ninguém tinha mostrado a realidade ou comprovado cientificamente.
[i] A
série dinamarquesa “A Reserva” retrata em boa parte a convivência de empregadas
estrangeiras, au pair, em casas de ricos na Dinamarca.