sexta-feira, 13 de janeiro de 2017

17, a antiga e a nova crise. José Mauricio de Carvalho




Há cem anos o mundo vivia a brutalidade da Iª Guerra mundial e 1917 trouxe a Revolução Comunista. Revolução e Guerra multiplicaram as mortes violentas. Embora o homem tenha na violência um meio de expressão, a barbárie em larga escala obriga rever divisões e conflitos. Para famílias despedaçadas e países destruídos aquele foi um tempo de vidas destroçadas. Terminada a Guerra e a Revolução veio a crise econômica de 1929, o empobrecimento da população mundial e os governos totalitários.
A radicalização política trouxe o nazismo e o fascismo, expressões da direita radical e o comunismo soviético, manifestação da esquerda radical. E o radicalismo ganhou outras formas: franquismo, salazarismo, estado novo, peronismo, etc. Esses governos buscavam sociedades menos desiguais e combater a corrupção. Buscavam esses objetivos pela eliminação violenta das diferenças internas e dos opositores do regime. Não conseguiram. Esses governos eram a face visível de um fenômeno amplo e emergente, a sociedade de massas. O fenômeno foi identificado no magistral livro de Ortega y Gasset intitulado A rebelião das massas (1930). O filósofo revelou multidões desejosas de assumir o comando da história, descomprometida com a excelência, formada na especialização técnica, inculta, infantilizada na expressão de desejos irracionais e querendo uma vida que sabia impossível.
Essa sociedade com seus conflitos, infelicidades, ilusões, decepções era uma sociedade destroçada, incapaz de propor boas razões para viver. A magnífica proposta civilizatória do século XIX, baseada nos ideais de progresso permanente e paz perfeita revelaram-se ilusão. E os filósofos de então escancaram seus problemas. Propuseram recuperar a importância de pensar, lembraram o valor do ensino das humanidades e o comprometimento com uma vida autêntica (expressão de uma ética associada à construção do sentido pessoal). Tudo isso não efetivado na vida das massas, recusado pela ignorância dos governantes e pela limitação de um conhecimento que se esgotava na tecno-ciência.
Quando a Segunda Grande Guerra acabou e a organização das Nações Unidas se consolidou a vida pareceu voltar ao normal. Porém, logo a sensação de tranquilidade se perdeu pela consciência de que o mundo anterior já não existia, a luta na África pela independência das ex-colônias europeias instaurou um novo tempo de guerras localizadas, a revolução comunista cubana trouxe a violência socialista para as Américas, a guerra fria e o terrível medo da bomba atômica começou a pairar sobre a humanidade. Os filósofos olharam esse tempo de disseram a crise não acabou. A Filosofia foi tanto bajulada quando desconsiderada. A revolta dos jovens franceses em 68 foi provavelmente a única voz ao que diziam os filósofos. Foi logo abafada pelas autoridades. Havia, contudo, na revolta também a ilusão de que se podia gozar sem limite e que era preciso mudar o mundo facilmente.
Quando caiu o muro de Berlim e veio o fim do comunismo soviético o risco da bomba diminuiu, a globalização econômica trouxe uma nova era de prosperidade e a emergência dos Estados Unidos como grande potência universal estabeleceram um novo tempo. Passados os anos da euforia, que à consolidação a sonhada unidade de Europa, a construção de blocos regionais aproximando antigos rivais, o mundo mergulhou numa nova crise com aspectos antiga. A tal primavera árabe virou o inferno da guerra na Líbia, Iraque, Síria, os milhares de refugiados que se dirigem à Europa, no recrudescimento do terrorismo islâmico, na emergência do Califado (Estado Islâmico). Temos então a crise econômica de 2008, o acirramento da luta pela sobrevivência e a brutal violência que explodiu no interior das sociedades menos desenvolvidas como o Brasil impulsionada pelo narcotráfico.
Esse tempo continua um tempo de massas de especialistas e incultas. Elas continuam, como observou Ortega, querendo dirigir o futuro. Essa massa hoje dispõe de redes sociais onde expõe publicamente a vida privada, propõe opiniões que comprovam sua incultura, não tem compromisso com a excelência, permanece no auto-esquecimento, perdida na rotina, no trabalho vazio e no ócio ainda mais sem sentido. Seus governantes projetam um ensino técnico, recusam a formação humanística recusando a tradição que teceu a cultura ocidental, em nome da eficiência e da economia. E não conseguirão nenhuma das duas, pois a massa de trabalhadores continua incapaz de pensar por si mesma, de buscar um sentido para suas vidas, de recriar intimamente a trajetória humana, de clarear os problemas, de dizer seus sentimentos.
A tudo isso soma-se a crença de que o sucesso material resume o sentido da existência, sucesso desconectado da excelência pessoal, reduzindo a vida ao consumo de bens sorvidos cada vez com maior ansiedade.
Todo esforço para se alcançar uma vida mais humana, mais conforme a excelência possível a cada um, com um sentido pessoal conscientemente elaborado, com maturidade emocional, com formação cultural ficou apenas nas mãos de cada pessoa. Talvez ainda sobreviva em alguns a confiança de que a base de humanidade que o ocidente construiu possa servir de inspiração ao homem no esforço para reconstruir seu tempo e sua cultura. Um tempo em que o respeito à pessoa humana, o valor nuclear do ocidente possa ser melhor vivido. Mais que isso só para quem tem uma fé pessoal num Deus que dirige a história e saberá retirar de tudo a redenção.


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