terça-feira, 9 de outubro de 2012

O DESPOJO DA MORTE - A DEUS MEU IRMÃO DELCI . Selvino Antonio Malfatti











Ainda sem abrir os olhos para o mundo sentimos o ímpeto de viver. Sofreguidão na procura do alimento de quem deu a vida. A partir daí a natureza acumula forças, vigor, vida em abundância. O corpo cresce, torna-se belo e tudo é encantador. Os hormônios fazem o sangue ferver de cupidez. Que bela é a vida. Cheia de energia, alegre, sempre precisar de esperança.
Por quê os mais velhos falam de dor? Ressentem-se de decepções? Choram perdas? De vez em quanto se houve falar que alguém está doente. Mas que mal tem? Falam que outro está desenganado. O que é isso? Comentam que fulano morreu. Que importa? Tudo está tão distante, inatingível. Isso é coisa de velho. O jovem está imune. Ele possui a vida que extravasa e inunda o seu redor.

Ah! Foi o velho doente que mora em outra cidade? O avô, bem, descansou o coitado. Por quê o pai? Podia ter durado mais alguns anos. Mas quando se aproxima de mim! A esposa? O irmão? O filho? De repente se dá conta que ela ronda já por perto. Mas aí? Mas aí já é o meio do caminho. Precisa urgentemente voltar. Mas “la diritta via era smarita”. Além disso, não há mais volta. O tempo, que parecia inesgotável, agora rola impassível, inexorável para Andrômeda.
Antes da abocanhada final se vai perdendo pedaços até deixar somente a metade. O corpo formiga, as pernas tremem e a boca seca.  Partido ao meio sobrou apenas a metade. Mas o pior é que a metade perdida vai junto com a outra parte. A realidade se torna etérea, evanescente, volátil. Levitam os sentimentos sem saber onde pousar. Saltita a memória entre o início e o fim. O pensamento não consegue pensar. Ele se deixa levar pela ruptura da partição. Metade se foi. O que fará a outra metade?

Ao estupor sucede a revolta? Por se tirou metade. Talvez fosse preferível não ter sobrado nada, tirado tudo. Metade ficou para perambular inconsolável. A presença de quem se foi distanciando aos poucos, envolta em contemplação, luto, enlevo e revolta. Raiva e ódio. Por quê? Simplesmente não tem explicação. Aos poucos a resignação. Só resignação, nunca aceitação e menos ainda compreensão. Continuar a viver? Por que não partir junto? Mas encontrar onde a outra metade? Agarra-se a uma consolação: cuidou, rezou e chorou. Pelo menos o corpo recebe uma morada digna. A alma, onde estará ela? Às vezes faz alguma visita, mas muito rápida para deixar algumas gotas de bálsamo para a outra metade que ficou. 

Enquanto as almas entoam o aleluia, os corpos balbuciam o “miserere mei, Domine”. Elas se comprazem com as doçuras celestiais mas eles se abrasam no fogo do inferno. E então, com saudade exclama: “alma minha gentil, que te partiste tão cedo desta vida descontente, repousa lá no Céu eternamente” até nos unirmos novamente.

As almas não podem esquecer seus corpos. Tudo o que elas fizeram o foi por ele. As almas devem voltar, tomar em seus braços os corpos e levá-los perante Ele e suplicar por eles. Eles também devem viver, ser felizes, ressuscitar. Transfigurar-se e se tornarem iguais às almas. As almas devem voltar à terra para que os corpos possam subir ao céu. Então sim, unos, inteiros, homens. Por ora te entregamos a Deus, irmão Delci.



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