sexta-feira, 11 de setembro de 2015

Pensar um caminho para o Brasil. José Mauricio de Carvalho


















Pensar a própria realidade é básico para traçar metas existenciais razoáveis. Por esse motivo muitas escolas psicoterápicas trabalham com o autoconhecimento como estratégia para a construção do sentido da vida. Sem esse conhecimento, o propósito de fazer o futuro torna-se um projeto alheio, distante do indivíduo e dificilmente capaz de levar à felicidade. Esta parece ser também a realidade de um povo, a julgar pelo que escrevem Gilberto Freire em Casa Grande e Senzala e Darcy Ribeiro em O Povo Brasileiro.
Ambas as obras, clássicos da antropologia brasileira, são fundamentais como referências na construção de um auto retrato. Ambas são muito estudadas, criticadas, debatidas. E é bom que seja mesmo assim, pois pensar sobre si é um exercício dialético e que precisa ser constantemente refeito.
Quando consideramos a extensa obra de Darcy Ribeiro acima mencionada alguns aspectos chamam atenção. Há questões fundamentais embora possamos discordar da forma como foram tratadas.
Logo de início um desses pontos fundamentais. A referência ao nome Brasil como sendo anterior à descoberta. Falta incrementar o que Darcy ali escreve, a experiência da descoberta e o encontro com belos nativos que viviam num lugar de matas exuberantes e cheias de vida enchem o imaginário lusitano com a ideia de um paraíso, podendo-se imaginar o que um europeu daqueles dias podia entender da descrição teológica do jardim do Éden. Muitos dos problemas e dificuldades que o próprio Darcy indica no livro ficariam mais claros se considerássemos a distância entre os sonhos experimentados na descoberta e a dura realidade de viver um território nos trópicos. Território que estava longe de ser um paraíso, a mata atlântica limitava-se ao litoral, o calor era altíssimo, as tempestades tropicais difíceis de conviver, o interior era formado pelo sertão semi-árido em grandes extensões.
A tentativa de aculturação do indígena e a escravidão negra foram momentos tristes da história brasileira, mas tanto a empresa escravista como a empresa comunitária dos jesuítas com os índios, acabaram aproximando grupos étnicos diferentes e promovendo intensa mestiçagem. Essa mestiçagem não conseguiu superar o preconceito social, mas reduziu muito a intolerância racial, de modo que não vemos episódios como o do fuzilamento recente dos negros numa igreja americana por um jovem branco, nem o assassinato cruel de dois jornalistas brancos por um negro nos Estados Unidos.
Por outro lado, ao destinar ao negro a tarefa de trabalhar sem a chance de enriquecer a existência da escravidão dificultou a incorporação do sistema liberal capitalista, que necessita do trabalho contínuo, árduo e planejado como estratégia de enriquecimento. Os sonhos de enriquecimento vêm, neste contexto, com a herança ou com a sorte nas loterias, quando não da propina que enriquece maus funcionários públicos, maus políticos e maus empresários, todos igualmente culpados do desvio de dinheiro nesta Terra de Santa Cruz.
A dificuldade de ascensão social, a pouca sensibilidade das elites para com as parcelas mais pobres da população, a enorme distância econômica entre ricos e pobres (perversa concentração de renda), a arcaica estrutura  dos latifúndios improdutivos, são problemas que decorrem desta história singular. Alguns problemas são mais agudos numa região do país (o latifúndio não é tão comum no sul), mas muitos deles estão em toda a parte como a distância entre os mais ricos e pobres na nossa arcaica estrutura sócio-cultural.
Interessante o esforço de Darcy Ribeiro de caracterizar as diferentes áreas do Brasil e mostrar suas diferenças: o Brasil crioulo (que nasce do engenho açucareiro), o caboclo (da região amazônica), o sertanejo (da ocupação agropastoril do interior do nordeste), o caipira (formado pelas economias mineradora e do café) e o sulino (como predomínio da população branca europeia), são áreas muito distintas.
O final do livro é uma apologia à felicidade, de Aristóteles a Ortega y Gasset os filósofos dizem que o homem aspira ser feliz, e sobretudo de esperança na superação desses problemas e na reinvenção de um país novo e melhor.
Precisamos mesmo da esperança e da confiança de nossos antropólogos Darcy Ribeiro e Gilberto Freyre, pois esperança e confiança são  alimentos que nutrem nossa jornada para o futuro.



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