quinta-feira, 1 de abril de 2021

A realidade do mal. José Mauricio de Carvalho

 



Numa life semana passada, para tratar da falta de resignação, organizada do IDE/JF, meu amigo Dr. Ricardo Baesso comentou a realidade do mal e, ao lembrar uma conversa antiga que tivemos, me colocou na circunstância de revisar o assunto numa perspectiva judaico-cristã não reencarnacionista. Revisar sempre no espírito do que está em Zc. 8,16: “Estas são as coisas que deveis fazer: falai a verdade cada um com o seu próximo; executai juízo de verdade e de paz nas vossas portas.” No programa, Ricardo mencionou, com seu habitual brilhantismo, algumas explicações para o mal que entende como: expiação, provação, abertura à transcendência, evolução e missão pessoal.

Tomar o mal como objeto de análise racional não é tarefa simples, mas devemos partir do reconhecimento da sua existência. Ele é tão real que tive um amigo padre que dizia que geralmente via-se em dificuldade para explicar a existência de Deus, mas para mostrar a existência do demônio não tinha problema algum. O mal estava sempre próximo dele e do interlocutor. Á parte a ironia, o assunto merece atenção e cuidado e ser tratado no real e verdadeiro propósito de buscar a verdade.

O essencial do que mencionou Ricardo na sua apresentação é compatível com uma visão cristã católica do problema, por exemplo, o entendimento de que o mal pode ser a ocasião de uma abertura para a transcendência (Deus), que ele pode permitir o desenvolvimento pessoal e/ou ajudar a pessoa a descobrir uma missão de vida. No entanto, creio que essa mudança pessoal será possível se o indivíduo tiver encontrado um sentido para o mal que lhe acomete. Se ele descobre esse sentido, se e somente se ele for capaz de ressignificar sua visão de mundo pelo sentido, então ele poderá valer-se do mal para seu crescimento pessoal, poderá melhorar sua capacidade de empatia, ou mesmo descobrir sua vocação mais íntima, aquela que fará a sua vida reluzir como verdadeiro valor.  Se a pessoa descobre um sentido para o mal poderá enxergá-lo como parte de sua trajetória de ascensão espiritual na direção de Deus.

O psiquiatra Viktor Frankl mencionou a indignação de vários ex-prisioneiros dos campos de concentração nazistas que percebiam que as pessoas saíram da Segunda Grande Guerra sem se culpar ou importar com o que ocorreu com os judeus. Essas pessoas diziam não saber o que se passava nos campos de extermínio, que também elas sofreram privações, que a guerra é dura para todos, etc. Enfim, somente quando o mal é inserido no contexto de um sentido é que o homem consegue viver as elevações espirituais mencionadas pelo Dr. Ricardo.

Por sua vez, ao considerarmos o mal enquanto oportunidade de crescimento pessoal é preciso distinguir alguns níveis do mal, começando pelo mal moral. Esse é o mal do homem próprio de quem não luta contra seus instintos, que faz da vida a busca desenfreada de prazer irresponsável. Esse homem não consegue enxergar nada além do relativo, sua vida não tem um grande propósito e ele se torna escravo do relativo.

Há uma segunda forma de mal muito em voga em nossos dias. Somente se compromete com a verdade, somente procura fazer o certo quando isso convém, quando não coloca a pessoa em situação difícil, ou quando não lhe prejudica. Enfim, a pessoa busca o bem que não a coloca em situação difícil. Apenas nessas ocasiões ela se ocupa de fazer o bem.

Porém, há ainda uma terceira e mais radical fonte do mal. Aquele mal que nasce do desejo de fazer sofrer, da clara intenção de destruir os outros, do gosto por assassinar, torturar e destruir. Esse mal ou perversidade aponta para uma raiz ontológica do problema, que não faz sentido num processo de evolução necessária comanda por Deus. O aprimoramento pessoal na direção do bem e da verdade é uma decisão pessoal, somente ocorre quando há esse propósito. Do contrário, o que se assiste é a destruição do homem e dos valores mais importantes da humanidade.

Quanto ao progresso cultural, ele é real e verdadeiro, mas se consolida nas regras do direito e na organização política da sociedade. Não me parece que seja uma conquista moral de uma comunidade que ascende, conjuntamente, a um patamar superior de humanidade, pois essa conquista moral é necessariamente pessoal, fruto do esforço do indivíduo. O progresso moral vem do esforço e do desejo de ser melhor, de dedicar-se a boas causas não importa se humanas ou divinas. Ela nasce do desejo verdadeiro de contribuir para o crescimento do tempo de Deus que Jesus chamava  Reino de Deus.

Dessa forma, ainda que cercado de mistério, a resposta de Jesus foi combater o mal em todas as suas formas. “A paixão de Jesus torna-se o exemplo para suportar o mais injusto e incompreensível sofrimento, para não desesperar no abandono, para alcançar a Deus.” (JASPERS, Mestres da Humanidade, 2003, p. 139)

O mal, mostrou Jesus, deve ser combatido em todas as suas formas. No mínimo para promover a obrigação moral da fraternidade universal. A fraternidade no sofrimento. Somos irmãos porque padecemos dos mesmos males: adoecemos, caímos em culpa e morremos. Jesus nos deu motivos para acreditar num alto propósito para viver, com esperança e confiança em Deus, apesar da presença do mal no mundo.

STABAT MATER DOLOROSA

https://www.youtube.com/watch?v=REMhOdxTcEE

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