sexta-feira, 24 de março de 2017

Para entender o movimento para a direita.José Mauricio de Carvalho



A vitória de Donald Trump no recente processo eleitoral americano foi surpreendente para os órgãos de comunicação, pois as pesquisas eleitorais não o apresentavam como ganhador. Apesar das projeções em contrário, ele foi eleito o 45º Presidente no sistema eleitoral norte americano que nem sempre consagra como vitorioso o candidato mais votado.  Contudo, a eleição de Trump, se foi surpreendente por contrariar as previsões das pesquisas, não surpreende se compreendida como parte da onda direitista que ganhou força em diferentes países do ocidente nas últimas décadas. Ela reapareceu alimentada pelo terrorismo islâmico, pelo fanatismo religioso e pela migração em massa para a Europa.
Dessa onda direitista fazem parte a eleição de Theresa May como Primeira Ministra da Inglaterra e a saída do Reino Unido da Comunidade Europeia. Theresa May está conduzindo com entusiasmo e vigor o afastamento do Reino Unido da Comunidade Europeia, acelerando a revogação das leis da CE, de 1972, que haviam sido integradas à legislação britânica. Ela assumiu no lugar do Primeiro Ministro Conservador, do mesmo Partido, David Cameron, por sua vez defensor da permanência do Reino Unido na Comunidade Europeia. Essa lembrança serve para destacar que o movimento para a direita é complexo e embora tenha conteúdo partidário no bem definido modelo eleitoral europeu, às vezes transcende os Partidos. May assumiu no lugar de Cameron, que era do seu Partido, mas desejava a permanência do Reino Unido na CE. O próprio Trump nunca foi o candidato preferido dos principais representantes e dirigentes do Partido Republicano pelo qual se elegeu.
 Dessa onda direitista também fazem parte o crescimento de partidos nacionalistas em vários países. Os que têm maior visibilidade são o Partido de Geert Wilders (Partido para a Liberdade - PW) que, mesmo perdendo as eleições da Holanda, tiveram aumento significativo de representantes parlamentares e a Frente Nacional na França (FN), pela qual Marine Le Pen deverá ser candidata a Presidente da França nas próximas eleições. O reaparecimento e articulação da direita francesa remonta a 1972, quando a FN foi fundada reunindo diversas forças nacionalistas sob a liderança de Jean Marie Le Pen, pai da atual candidata à Presidência Francesa.
Historicamente Direita e Esquerda nasceram, como categorias, na Revolução Francesa para separar posições conservadoras de outras mais comprometidas com as mudanças. Na segunda parte do século XX foram categorias usadas para separar o mundo livre do mundo comunista, numa divisão conhecida como guerra fria. Contudo, é preciso cuidado e atenção aos fatos se quisermos entender a direita contemporânea. A questão não opõe, hoje em dia, capitalistas a socialistas como foi até recentemente, embora possa ajudar a caracterizar as diferenças entre ambos. A direita de hoje se caracteriza pelo forte nacionalismo, protecionismo econômico, rejeição da migração, forte repressão da criminalidade, deportação de imigrantes ilegais. Surge como resposta de grupos nacionalistas aos fortes movimentos migratórios para a Europa e América do Norte e à expansão islâmica.
A direita contemporânea também é diferente da concepção de direita da primeira metade do século passado. Os exemplos mais famosos de governos de direita daqueles dias foram os nazistas e fascistas. Tinham ambos em comum com a direita contemporânea o forte nacionalismo e o desejo de controlar os industriais, subordinando o interesse do capital aos interesses do Estado. Isso mostra que não se pode usar o conceito tal como foi usado na segunda metade do século para entender o que se passou antes. Se a Alemanha e Itália se opuseram ao Comunismo, não foi para defender os capitalistas europeus ou a liberdade, mas como forma de combater o nacionalismo e o expansionismo russo na Europa. A indústria nesses países foi nacionalizada, inclusive a estrangeira. Nesse sentido, no século passado, os países liberais, nomeadamente Estados Unidos e Reino Unido foram adversários primeiro de Nazistas, Fascistas e depois dos Comunistas. Se a União Soviética foi aliada das democracias liberais durante a Segunda Grande Guerra, o foi por circunstância histórica. Logo que a Grande Guerra terminou liberais e comunistas estavam em posições opostas. Entre as muitas diferenças da direita contemporânea do nazi-fascismo está: ela não é corporativista, expansionista, unipartidarista, militarista, anticomunista e antissemita como foram movimentos, ou não é de forma tão fundamental. Ela contraria os interesses capitalistas de um modo diverso do século passado. Agora combate a mundialização da economia na medida em que estimula o protecionismo e olha desconfiada os grandes blocos econômicos. Contra a mundialização, a direita contemporânea valoriza os grupos nacionais.
No entanto, direita e esquerda radicais, enquanto categorias empregadas para caracterizar movimentos políticos, afastam-se dos interesses do capital e são adversários de posições fundamentais da democracia liberal até um passado recente. A direita contemporânea tem por característica combater as sociedades plurais, o multiculturalismo, a diversidade social, à aproximação entre os povos, alimentando o ódio ao estrangeiro, ao pobre, ao diferente, ao ecumenismo, quando não ao homossexual e o índio.
Quanto ao homem que vive nesses dias transitou do humanismo trágico tematizado pelo existencialismo do século passado para uma nova versão do homem-massa: infantil, bárbaro especialista, senhorio satisfeito, como dizia Ortega, mas também tecnocrata, egoísta, angustiado, irracional e dramático. Sentindo-se ameaçado no seu gozo reage com os muros da irracionalidade e da violência, rearticulando o nacionalismo em novas bases.



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