quarta-feira, 16 de agosto de 2017

Buber e Ortega, aproximações possíveis e afastamentos notáveis.José Mauricio de Carvalho























Ortega y Gasset e Martin Buber são nomes fundamentais da filosofia contemporânea. Embora integrados à tradição fenomenológica são autores poucas vezes chamados a conversar. Vamos propor aqui um diálogo entre esses dois pensadores examinando como eles pensam as relações entre os homens, que curiosamente abordam na relação Eu – Tu.
Sintetiza-se, a seguir, as relações que abordam a intimidade do homem quando ele se dirige a outro homem ou às coisas que o circundam, deixando à parte o que os dois autores falam do relacionamento social, os usos e costumes, o convívio em sociedade, isto é, aquela dimensão da intersubjetividade que é objeto da filosofia social, da Sociologia, ou da formação da cultura.
Eis o que os aproximam: 1. Ambos reconhecem que a realidade fundamental do homem nasce da relação entre os homens e que se retirando esse encontro o próprio ser do homem fica comprometido; 2. O reconhecimento da anterioridade temporal do Tu, que é condição para a descoberta do Eu; 3. O entendimento de que o encontro com Deus não é intermediado pelo mundo, é direto, mesmo que não se faça à parte das coisas. Em ambos isso tem, por pano de fundo, a mediação do místico Eckehart quando ele menciona o silêncio de Deus nas coisas e a recusa de tomar Deus como objeto de estudo; 4. A compreensão de que o encontro com as coisas, que se passa no campo da utilidade e dos costumes, é importante para o homem, mas quando há um aumento exagerado dessa importância, o indivíduo perde o fundamental da vida e mergulha na alienação do trabalho inane e sem graça, distanciando-se da vida autêntica.
As diferenças entre ambos são bem mais numerosas. Ortega é um filósofo formado na tradição acadêmica do ocidente, Buber constrói sua filosofia do diálogo tendo por pano de fundo, além dessa tradição, o pensamento judaico: 1. A distinção que Ortega y Gasset faz ao Tu nas relações homem – mulher, não mereceram abordagem separada de Martin Buber e, por sua vez, a tematização do Tu Eterno (Deus), fundamental em Buber, não aparece nos estudos sobre as relações humanas de Ortega; 2. Ortega coloca na vida vivida na primeira pessoa a realidade fundamental e faz dela a base da vida autêntica, Buber encontrará esse elemento definidor do homem não na intimidade dos homens, mas no espaço intersubjetivo que se forma entre o Eu e o Tu onde ocorre o dialógico, ou seja, o intercâmbio das palavras princípio. 3. Ortega não enfatiza a humanidade comum, mas a encontra nas diferenças entre homens e mulheres. Essa humanidade comum Martin Buber toma dos neokantianos, como também fez Karl Jaspers e se baseia na crença de que vivemos em comum as limitações, sofrimentos e culpas; 4. A extensão da relação Eu – Tu para um objeto social como a comunidade, hipótese aceita por Buber, foi recusada por Ortega y Gasset. 5. Para Ortega o eu concreto, realidade fundamental, nasce como para Buber numa experiência posterior ao tu, mas a relação entre eles, diversamente de Buber, é secundária e não fundamental. 6. A relação Eu – Tu, segundo Ortega, transporta o sujeito para a realidade do perigo, viver parece-lhe arriscado não só porque se tem que escolher sem garantias, mas porque o outro é alguém que limita e ameaça, embora também possa trazer boas experiências. Esse entendimento é diverso de Martin Buber, para quem o encontro entre os homens é o que revela a humanidade do homem, propicia um tipo de relacionamento total que contempla o respeito pelo outro. Todas as outras experiências caem para o tipo Eu – Isso.



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