sábado, 4 de julho de 2020

Sócrates e a vida virtuosa. José Mauricio de Carvalho – Academia de Letras de São João del-Rei



Sócrates viveu aproximadamente setenta anos entre 470 a.C. até 399 a.C. Morreu depois de um julgamento injusto, como também foi o julgamento de Jesus de Nazaré. A forma como ambos aceitaram a condenação revela grandeza moral e extrema coragem, embora Sócrates no tribunal se comportasse como um bom grego, isto é, argumentando e desmontando racionalmente os argumentos da sua condenação, enquanto Jesus respondeu rapidamente a Pilatos, mas se recusou estabelecer uma polêmica contra seus perseguidores: “Acusado pelos chefes dos sacerdotes e pelos líderes religiosos, ele nada respondeu. Então Pilatos lhe perguntou: ‘Você não ouve a acusação que eles estão fazendo contra você? Mas Jesus não lhe respondeu nenhuma palavra, de modo que o governador ficou muito impressionado.” (Mateus 27:12-14). O evangelho de Mateus mostra que, ao ser denunciado Jesus não retrucou, recusando-se a responder às falsas acusações por julgar que a verdade devia se impor e se ele estivesse num reino de justiça ela deveria se impor. Se Sócrates se defendeu de forma diferente de Jesus, ao ouvir a condenação não fez nada que a modificasse. Aceito-a.

Quando Sócrates viveu, era comum em Atenas, que os cidadãos não somente se reunissem para fazer as leis, mas para zelar pelo seu cumprimento. Cabia, em outras palavras, o exercício direto do poder legislativo e judiciário. Assim foi composto, por sorteio, um júri com 500 cidadãos para julgar Sócrates, depois de ser acusado de corromper os jovens. A vida de Sócrates teve outra semelhança com Jesus, depois de um tempo de juventude dedicando-se aos combates e a defesa de Atenas, passou a vida adulta andando e ensinando, não uma doutrina religiosa, mas as pessoas a pensarem logicamente e a justificarem seus argumentos. Enfim, a viver de forma racional e a não cultivar pensamentos sem a devida fundamentação. Sócrates tinha como sua missão aquilo que depois passou a ser feito por seus discípulos, a defesa do pensamento racional na compreensão do mundo, da vida, do bem e do belo.

O que nos ensinou Sócrates, sua vida e morte? Na sua vida se dedicou a compreensão racional da realidade pessoal e do mundo. E, como consequência, a ajudar os cidadãos de Atenas a fazerem o mesmo. Ao invés de negócios e enriquecimento, ele cultivou o propósito da vida virtuosa como condição não apenas de boa cidadania, mas daquilo que é básico na vida pública e privada. Em outras palavras, não que não se possa viver trabalhando e desejando enriquecer-se, mas ele avaliou que isso somente valia a pena numa sociedade justa e construída com base na confiança de seus cidadãos. Um lugar onde a violência, a irracionalidade (cidadãos invadirem hospital para verificar se ali há doentes de covid 19, como aconteceu nesse fim de semana no Espírito Santo) e inverdades (ou fake News, o novo nome da mentira) imperam não é um bom lugar para viver. Sócrates quis dizer que uma sociedade assim não é um espaço político digno de alguém que entendeu o sentido de viver em comunidade. Isso porque, numa sociedade de violência, irracionalidade e mentira, não era possível viver e confiar no que era dito, inclusive pelas autoridades políticas, sem o que os cidadãos não sabem no que acreditar e mergulham no vazio e na insegurança.

Além dessa atitude de profundo significado político, que o impediu de propor uma pena alternativa à sua morte, o que certamente seria aceito pela assembleia e de fugir enquanto poderia, ele aceitou com serenidade a condenação. O filósofo preferiu viver segundo suas convicções, a assumir que tinha culpa e merecia a condenação. Por outro lado, uma vez expedida a condenação não lhe cabia recusá-la, como honesto cidadão. Sócrates é um homem que não traiu suas crenças, valores e altas convicções. Não cometeu atos indignos dos quais depois se envergonharia. Ele venceu suas dúvidas ao assumir com autenticidade sua missão de vida. Ele mostrou que a viver somente vale a pena quando tem um sentido, um para quê, cujo significado é o compromisso com o mais autêntico de si mesmo. Viver pela verdade, política, científica, filosófica e pessoal, é o que nos fica de Sócrates, sua vida e morte.

 


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