sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

RAÇAS E COTAS. Selvino Antonio Malfatti.
























A Universidade Federal de Santa Maria –UFSM - reserva cotas para alunos do sistema público e para os autodeclarados: negro, indígena, pardo ,num total de 220 cotas. Além disso, o candidato deve se submeter à entrevista constituída por uma comissão que envolve aluno, professor, técnico e representante do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros.
Há algum tempo uma candidata do curso de pedagogia se autodeclarou parda e provisoriamente foi matriculada. Na entrevista a comissão entendeu que ela não podia ser considerada parda e, portanto, perdeu a vaga. Não conformada ingressou na justiça.
Outra candidata ao curso de medicina da mesma universidade também se autodeclarou parda. A comissão entendeu que não se enquadrava nos critérios e negou-lhe a matrícula. Ingressou com uma ação na justiça, recebendo do juiz parecer favorável, alegando que uma comissão não tem competência para julgar a raça.
Aí que está o problema. Raça nunca deveria ter sido critério para nada. É um argumento cientifico falso. Raça não pode ser critério para avaliação nenhuma por que é errôneo. Já vou demonstrar o que afirmo.
O conceito de raça não tem mais nenhum valor científico no estudo do ser humano: nem para a antropologia física ou biologia, apenas pela antropologia cultural. As diferenças físicas mais ou menos evidentes (cor da pele, estatura, forma craniana) não têm relação com a capacidade cognitiva, comportamentos sociais ou qualidades morais.
Há mais de décadas que antropólogos e genealogistas não se cansam de enfatizar que 99,9% do patrimônio genético é comum aos seres humanos e que apenas 0,1% varia discretamente entre as populações e não entre indivíduos. Por isso, o conceito de raça não tem mais direito de cidadania e deve ser banido por motivos científicos.
Não estão na mesma ordem as diferenças culturais e por isso antropológicas, conforme Edward Tylor com as Primitivas Culturas ou Franz Boas e Claude Lévi-Straus em Raça e História e Raça e Cultura. Aqui sim se pode encontrar as diferenças, mas não na raça. As pessoas e os grupos se diferenciam não por que são negros ou pardos mas, por que são diversos culturalmente, como etnia, meio ambiente, oportunidades.
O conceito de raça humana desaparece da ciência, mas reaparece no imaginário coletivo e principalmente na retórica política ou ideologia servindo para estigmatizar a diversidade cultural. Todos conhecem os efeitos nefastos da ideologia de raça que desencadeou as mais cruéis e sangrentas guerras. Inclusive o direito entrou nessa história e a maioria das constituições, ao garantir os direitos do homem, cita a raça.
No caso das cotas da UFSM se o sujeito objeto da ação não existe, não existem também os problemas que se diz inerente a ele. Se Paulo não existe, não existe tampouco a gripe de Paulo. Logo, as ditas ações afirmativas são concessões de privilégios.
No entanto, o que existe é o cultural e as ações afirmativas podem e devem incidir nele. Quais poderiam ser? O cultural diz respeito à educação, ao ambiente social, às oportunidades de trabalho e formação. Se todos são racialmente iguais e as culturas diferentes, deve-se apostar no cultural e não na raça. Apostar na raça é criar ou aprofundar as disparidades. No caso da candidata de medicina – através de normas errôneas – criou uma injustiça. Alguém que disputou pelo critério cultural foi eliminado pelo racial. Devem valer os mesmos critérios para o mesmo objetivo.

Infelizmente ainda tem abrigo na Constituição brasileira o conceito de raça quando invoca a igualdade LEGAL: Todos são iguais perante a LEI, sem distinção de sexo, RAÇA, trabalho...Em outras palavras, reconhece as diferenças de raça, da mesma forma que de sexo...

domingo, 22 de fevereiro de 2015

A República e os Valores. José Maurício de Carvalho


A República respousa sobre a virtude - Montesquieu

O assalto contra a Petrobras que ocupa diariamente nossos noticiários, envolvendo empresários inescrupulosos, burocratas oportunistas, políticos sem espírito público e partidos convertidos em máquinas de roubar a coisa pública, é um triste capítulo da história da República. Não é o único e provavelmente não será o último. De um lado, há a própria condição humana afeita a benefícios sem esforço, num clima que ganhou força nas últimas décadas. Vivemos um tempo que Ortega y Gasset denominava tempo das massas, isto é, um tempo de direitos sem deveres. E a essa realidade soma-se uma tradição patrimonialista que não diferencia bens públicos de particulares, de modo que o cidadão se apropria para o próprio uso de coisas públicas sem pudor. Tanto a noção de massa quanto o patrimonialismo não possuem base moral sólida, capaz de assegurar o respeito à coisa pública e a democracia liberal.
No entanto, há fatores circunstanciais que agravaram essa base moral frágil na qual nos assentamos. A estrutura partidária, com dezenas de agrupamentos de aluguel que foram constituídos com a única finalidade de favorecer seus criadores, é um exemplo. Sem mexer nela, com governos formados pela coligação de muitos partidos, agremiações sem qualquer afinidade programática, sem sólidos programas, sem fidelidade partidária, teremos um governo que leiloa cargos e oferece benefícios em troca do apoio parlamentar. Chegamos ao absurdo de termos dois representantes dos dois maiores partidos do governo disputando a Presidência da Câmara e falando em autonomia do Congresso. De que autonomia falavam? Se é a independência do Poder Legislativo isso é matéria constitucional sobre a qual não há dúvida. Se  independência é do governo e do seu programa de atuação, como parece ser, isto é completo absurdo, pois os partidos eleitos o foram para cumprir o programa partidário. Os deputados de um partido são solidários aos colegas da administração, pois formam um mesmo grupo ideológico. Um sistema parlamentar talvez corrigisse tais absurdos.
Outro fator que contribuiu para o botim contra a Petrobras é o mal funcionamento do Estado. Quando o Estado funciona mal, suas instituições ficam fragilizadas: as forças militares não protegem as fronteiras, a polícia não prende os bandidos, o judiciário não julga, as leis não são respeitadas, cria-se um clima de insegurança jurídica e sensação de impunidade que favorece toda a sorte de mal feitos. De bandidos armados a bandidos do colarinho branco, todos apostam na fragilidade do Estado. Como entender a ação de bandos que assaltam bancos com fuzis automáticos e dinamites, numa triste rotina que afronta os órgãos de segurança e de inteligência do Estado? Os bandidos do colarinho branco, por sua vez, assaltam como podem, na mesma volúpia do enriquecimento rápido e sem trabalho.
Há ainda a fragilidade da educação, com uma escola mal cuidada e professores desprestigiados. Sem um sério programa cultural, que inclua uma boa escola, sem a educação cidadã, que ensina a respeitar a coisa pública para viabilizar a vida social não vamos corrigir o mal feito e a desesperança.
Finalmente, a falta de ensinamento moral nas escolas e famílias, formação moral muitas vezes associadas às religiões, também contribui para esse estado de coisas. Nossa cultura ocidental está estruturada sobre a moral cristã, mas perdemos essa dimensão. Mesmo nas Repúblicas laicas, o respeito ao cidadão, sua liberdade e dignidade estão respaldas na noção cristã de pessoa, criatura livre, digna e responsável. Quando o outro não é respeitado e o cidadão não age de forma responsável, a vida social torna-se inviável nas democracias liberais.

Para que não se tenha a sensação de que vivemos num país sem solução há de se lembrar que essas dificuldades podem ser superadas pela decidida ação da sociedade. E me lembro de um Prefeito que pagava pequenas contas da Prefeitura com seus próprios recursos e viajava para a capital com o lanche no bolso para não receber diárias. Nem tudo está decididamente perdido. Não vivemos num país sem futuro ou esperança, mas a esperança e o futuro precisam ser construídos com o esforço responsável da sociedade.

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