sexta-feira, 16 de agosto de 2019

A desqualificação da racionalidade: a vitória da contrarrazão. José Mauricio de Carvalho – Academia de Letras de São João del-Rei



Um dos capítulos mais tristes do século passado ocorreu depois que a extrema direita assumiu o poder na Itália e Alemanha. Ocorreu aquilo que Karl Jaspers qualificou como chegada da contrarrazão. Ele assim denominou todo movimento contrário à razão, ou seja, que nega resultados evidentes da ciência ou estabelece raciocínios frágeis ou maus argumentos filosóficos. Num ambiente assim, o exercício do pensamento não assegura, por si só, as melhores escolhas, ao contrário, o pensamento pode surgir em argumentos muito pouco respeitáveis. Recentemente tivemos um exemplo disso que foi pedir aos ambientalistas, que reclamavam do aumento do desmatamento da Amazônia com dados do próprio governo, que deixassem de ir ao banheiro todos os dias para melhorar o meio ambiente.
O aumento da destruição da mata amazônica não é invenção de cientistas ou de ONGS interessadas em se apropriar da Amazônia. A destruição da floresta para promover atividades agropecuárias em grande escala ou o grande garimpo afetam o equilíbrio climático, o ritmo das chuvas, favorece o aquecimento do planeta, todos problemas de graves consequências para as próximas gerações. Problemas que afetarão gravemente a produção de alimentos e aumentarão as catástrofes naturais. Ora quando a ciência revela aquilo para o que está preparada, e nos limites de sua competência, então ela é um saber respeitável que precisa ser acolhido. Nesses casos, a recusa de admitir seus resultados constitui um obscurantismo sem par e desconhecer os resultados da investigação científica por interesses políticos ou ideológicos, uma completa idiotice.
Também distorceram os fatos os nazistas quando, por razões ideológicas, justificaram a existência de raças superiores e de vidas indignas que não mereciam ser vividas com base nas teses da eugenia e da supremacia da raça ariana. O contrário da razão encontra-se em raciocínios errados, geralmente mistificados. Por isso, a razão deve confrontar os diferentes argumentos presentes no espaço social. Esse confronto deve permitir afastar o que é falso e o que é ideologicamente perigoso. Preservar argumentos inadequados da razão por interesses ideológicos é um desastre para a sociedade humana. A razão é mais que a inteligência, pois ela está sempre confrontando os argumentos do pensamento.
No entanto, e isso também não é pouco importante, a própria ciência estimula formas inadequadas de pensar como quando quer transformar em absoluto o conhecimento baseado na razão experimental que utiliza. Nesse caso, desqualifica crenças que são importantes para o desenvolvimento humano ou petrifica os resultados de um certo tempo. A ciência precisa se manter nos limites próprios de seus métodos, renovar-se com as pesquisas, mas essa crítica à ciência é diferente de manipular os seus dados com propósitos ideológicos, como fez o governo brasileiro ao recusar os dados do Inpe sobre a destruição da floresta. Esconder os dados do desmatamento atual não muda a verdade, talvez afete menos a imagem do país por algum tempo, enquanto prevalecer a mentira. No entanto, como mentira tem perna curta, logo a verdade aparecerá e essa imagem ficará muito mais desgastada. Para homens do século XXI, desconhecer os resultados da ciência ou utilizá-la com propósitos imorais em escolhas mal feitas são práticas obscurantistas.
Na medida em que desconhece os dados da ciência, reduz o investimento nas universidades, o atual governo se mostra inimigo da razão, da inteligência e menospreza a verdade. E isso é um problema para qualquer sociedade. Se ela deixa de querer a verdade, se ela despreza o argumento, ela estimula sua própria destruição. O saber dogmático, rasteiro e míope faz renascer dificuldades que esperávamos houvessem sido superadas com a destruição do nazi-fascismo e do comunismo soviético.


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